Mario Bertoni: "cidadãos de segunda classe tratados com um viés altamente discriminatório" (Foto Desiderio Peron / Arquivo Revista Insieme)

Terminou mal um agendamento para a obtenção de passaporte italiano junto ao Consulado Geral da Itália em Curitiba. “Minha filha não conseguiu o passaporte; não remarcaram nada; perdeu o agendamento”, disse o cidadão italiano Mario Roberto Bertoni ao denunciar o fato em longa carta enviada à redação de Insieme.

O fato ocorreu há alguns dias, deixando, segundo o signatário, “inconformismo e desilusão”. Um funcionário consular chegou, em tom de ameaça, a dizer “saiba que você está em território italiano”. A filha de Bertoni saiu do consulado chorando. Seu agendamento fora conseguido através de assessoria, mediante pagamento, após quase um ano de tentativas inúteis, como ocorre com a maioria, devido ao sistema do “prenota online”, já considerado pelo próprio titular do consulado como um “monstro informático”.

PATROCINANDO SUA LEITURA

“A pessoas que tem dupla cidadania (obtida rigorosamente dentro da lei italiana) são consideradas naquele ambiente como cidadãos de segunda classe e com um viés altamente discriminatório”, observa Bertoni na carta. “Temos um problema muito sério de soberba, ironia, má educação e outros tantos adjetivos pejorativos que certamente me levam a concluir que tais pessoas não têm a menor ideia (ou treinamento e supervisão) sobre seu papel naquele órgão”, acrescenta o missivista em outro trecho.

O desentendimento teria ocorrido quando a requerente do passaporte apresentou documento de identidade brasileiro expedido há mais de dez anos – um fato, segundo Bertoni, que não se sustenta, pois o documento brasileiro não tem prazo de validade.

Em sua carta a Insieme, Bertoni questiona outros aspectos do atendimento consular em Curitiba, incluindo o site da Internet e demonstra “saudades do tempo de cônsules como San Marzano e [Guido] Borgomanero que deixaram verdadeiras marcas positivas como diplomatas que interagiam com a comunidade de maneira simples, acessível e sincera”. “Hoje as redomas isolam tudo de todos” diz o missivista.

A redação de Insieme tentou obter explicações do cônsul Raffaele Festa, mas ele se encontra em Brasília, segundo a secretaria. Um e-mail foi enviado à autoridade para que forneça explicações. Bertoni enviou também carta registrada com declaração de conteúdo a Festa. Depois de já publicada a carta, o cônsul Raffaele Festa respondeu o e-mail de Insieme dizendo: Si manifesti presso di me l’interessato per iscritto, se ha qualcosa da lamentare” (Que o interessado se manifeste diretamente a mim por escrito, se tem alguma coisa a reclamar).

A seguir, publicamos o texto integral, como solicitado, da carta de Bertoni, filho do saudoso ex-presidente do Centro Cultural Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri de Curitiba e ex-diretor aposentado da Companhia Paranaense de Energia Elétrica – Copel.

“Curitiba 19/01/2018 – Jornalista Desiderio Peron – Diretor responsável da Revista INSIEME – Prezado Senhor. Tem a presente, a finalidade de registrar o inconformismo e desilusão de um italiano sobre assunto recorrente e corajosamente denunciado por esta renomada Revista em várias edições, qual seja, a questão dos passaportes italianos, vista agora sob a ótica do atendimento interno prestado pelo Consulado Geral da Itália em Curitiba e exigências documentais impostas.

As questões das filas, das taxas e da burocracia, por terem sido exaustivamente denunciadas em diversas edições da Revista Insieme, com as quais concordo integralmente, não serão aqui abordadas. Meu propósito é abordar um aspecto adicional que merece ser igualmente denunciado com vigor e que se refere a questões comportamentais internas ao citado Consulado no trato com a comunidade italiana que lá se dirige para resolver seus problemas.

DAS EXIGÊNCIAS DOCUMENTAIS

Para renovação do Passaporte italiano o Consulado permite duas opções, a saber:

– Ou o passaporte ou o RG, ambos emitidos nos últimos 10 (dez) anos. Quanto ao passaporte, considerando que sua validade é de 10 (dez) anos, há coerência. Se o passaporte está vencido, resta a opção(dada pelo Consulado) de apresentar o RG e aí encontra-se um problema, pois, se o mesmo foi emitido há mais de dez anos, não é considerado válido!

Ora, esta é uma exigência que afronta todas as disposições legais brasileiras pois o RG não tem data de validade(alguém renova seu RG a cada 10 anos? Há algum dispositivo legal brasileiro que obrigue cumprir esta exigência?). Portanto, é uma regra interna do Consulado que se sobrepõe ao marco legal brasileiro, sem nenhuma base jurídica ou legal, e que só serve para complicar ainda mais a vida dos cidadãos italianos que precisam de atendimento consular.

Dito isto, e mais adiante voltarei a esta questão, pergunto qual o problema de ser exigido passaporte ou RG válidos? A meu ver, nenhum!

DO COMPORTAMENTO DE ALGUNS FUNCIONÁRIOS DO CONSULADO

Aqui temos um problema muito sério de soberba, ironia, má educação e outros tantos adjetivos pejorativos que certamente me levam a concluir que tais pessoas não tem a menor idéia (ou treinamento e supervisão) sobre seu papel naquele órgão. Recuso-me a admitir que tal comportamento seja decorrente do acúmulo de trabalho, já que todas as entrevistas só ocorrem via agendamento prévio e, portanto, compatíveis com a capacidade de atendimento estipuladas pelo próprio Consulado.

Em 18/01/2018, um dos meus familiares dirigiu-se ao Consulado para renovação do passaporte com entrevista previamente agendada para as 09h15min. O problema surgido dizia respeito justamente às exigências documentais e mais especificamente ao RG, e durante a troca de idéias que se desenvolvia de maneira civilizada com a atendente, adentra na saia um cidadão (que sequer participava da entrevista, de estatura baixa e cabelos grisalhos o qual, aos gritos tentava enxotar meu familiar do local!

Evidentemente, a reação em sentido contrário e de igual intensidade aflorou, pois ninguém quer ser tratado daquela maneira.

Uma vergonha o ocorrido o que demonstra total ignorância e despreparo de alguns funcionários sobre suas funções, para o que são bem pagos.

Resumindo, servir com educação e eficiência a comunidade italiana são as palavras mágicas de todo este imbróglio. Pena que alguns funcionários tenham o cérebro muito pequeno para entender algo tão simples!

E aí vem outras questões já padronizadas naquele ambiente que são lançadas quando não há mais argumentação, como, por exemplo, “Saiba que você está em território italiano”.

Ora, se é um cidadão italiano que lá se encontra, evidentemente está em seu território e, portanto, a afirmação é tão imbecil e inútil quanto quem a proferiu. Dedique-se um pouco mais de análise a esta frase e será percebido que as pessoas que tem dupla cidadania (obtida rigorosamente dentro da lei italiana) são consideradas naquele ambiente como cidadãos de segunda classe e com um viés altamente discriminatório.

As perguntas que cabem neste caso: O Cônsul está ao par destes fatos? O que está fazendo para corrigir estes descalabros?

Saudades do tempo de cônsules como San Marzano e Borgomanero que deixaram verdadeiras marcas positivas como diplomatas que interagiam com a comunidade de maneira simples, acessível e sincera. Hoje as redomas isolam tudo de todos.

DO SITE DO CONSULADO

Extremamente precário e não funcional. Tentem agendar qualquer coisa via site! Se conseguirem, considerem-se afortunados.

Não é à toa que se verifica a proliferação de prestadores de serviços que, mediante pagamento, conseguem agendamentos que estão fora do alcance dos míseros mortais.

Meu familiar conseguiu agendamento via prestadores de serviço e, mesmo assim, com prazo superior a 12(doze) meses! Este estado de coisas tem alguma explicação?

Com a palavra o Consulado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caríssimo Diretor Responsável pela Revista Insieme, jornalista Desiderio Peron, sabendo que este renomado meio de comunicação é hoje o canal mais importante(senão o único) com coragem e competência para ser o porta voz da comunidade italiana nos Estados do Sul do Brasil, peço com todo o respeito e consideração que esta carta seja publicada, na íntegra, numa próxima edição da Revista Insieme, pois certamente estar-se-á prestando um serviço importante a todos, na esperança que a surta os efeitos desejados junto ao Consulado da Itália em Curitiba. Mario Roberto Bertoni”.