Reprodução da entrevista com o ex-Agente Consular da Itália em Cascavel, Geraldo Sostizzo, publicada na edição 139 (julho) da Revista Insieme:

CURITIBA – PR – Desde março, quando o empresário Geraldo Sostizzo entregou uma carta ao Cônsul Geral da Itália em Curitiba colocando o cargo de Agente Consular à disposição, procura-se alguém com tempo, disposição, vontade e recursos para servir o Governo da Itália numa das áreas de maior densidade populacional de origem italiana do Estado do Paraná. Todo o Oeste, Sudoeste e parte do Centro-Oeste do Estado, onde vivem cerca de seis milhões de habitantes (no mínimo 40% ítalo-descendentes), são atendidos pela Agência Consular de Cascavel. Sostizzo fazia isso há dez anos gratuitamente e cansou, embora prefira formalmente dizer que elegeu outras prioridades em sua vida. Acompanha-lhe na renúncia sua esposa Dulce, que durante todo o período fazia expediente também dativo na Agência, instalada gratuitamente em imóvel de sua propriedade. O incomum ato de Sostizzo expõe de forma dramática a situação de toda uma rede de voluntários que prestam serviços dativos ao governo italiano sob o pomposo nome de “honorários”. Responsáveis pelo primeiro embate entre os usuários de serviços consulares (passaportes, processos de cidadania, vistos, informações de todo tipo, entre inúmeros outros de ordem burocrática e de representação formal), freqüentemente são responsabilizados pelo que não lhes compete e para o que não são pagos. Mas não fossem eles, as deficiências sempre lamentadas da estrutura consular da Itália em países como o Brasil seriam ainda maiores. Divulgada só agora, a renúncia de Sostizzo pegou de surpresa o cônsul geral Salvatore Di Venezia quando estava apenas chegando e que, num primeiro tempo, tentou reverter a situação. O empresário, entretanto, manteve o pedido. Confira o que ele diz nesta entrevista exclusiva à Revista Insieme:
Renunciou formalmente à função de agente consular honorário de Cascavel?
Entreguei pessoalmente minha carta de renúncia ao Cônsul Geral Dr. Salvatore di Venezia, com data de vencimento para 30/04/2010.
Desde quando respondia e por qual motivo renunciou?
Eu respondia pela Agência Consular da Itália em Cascavel e região desde 2.000, portanto, dez anos. Chega determinada hora, na vida, em que temos que tomar certas atitudes e decidir pela escolha de objetivos pessoais e familiares que julgamos mais importantes.
Qual a área (e população) de abrangência da Agência?
A agência de Cascavel abrange: todo o Oeste e Sudoeste do Paraná e parte do Centro Oeste, que vai até Guarapuava e Campo Mourão. O Paraná tem hoje aproximadamente 11 milhões de habitantes. Acredito que cerca de 6 milhões residam nas regiões de abrangência da Agência Consular de Cascavel. Destes, podemos dizer que de 40 a 50% são descendentes de italianos.
Qual o volume de serviços que a agência apresentava e quais os principais problemas?
Até o ano de 2.000, quem quisesse algum serviço do Consulado Italiano tinha que se deslocar até Curitiba, passar um ou dois dias na Capital e, posteriormente, retornar para buscar seu pedido. Isto representava um enorme custo, além do tempo gasto. Com a criação da Agência Consular, ninguém mais precisou ir a Curitiba porque todos seus problemas e serviços eram resolvidos em Cascavel. Com a demora no reconhecimento da cidadania e, muitas vezes, até por falta de documentação correta, poucos conseguiram sua cidadania nesse período de 10 anos. Acredito que o número de pedidos passe longe dos 30 mil. Por isso, as “práticas”, como são conhecidas (emissão e renovação de passaportes), ainda são em número menor. Nessa fase da pesquisa, recolhimento e retificação de documentos, o número de pessoas que se dirige à Agencia para esclarecimentos é muito grande. Normalmente eram atendidas de 15 a 20 pessoas por dia, fora telefonemas da região, mas também da Europa, EUA e Inglaterra, sobre problemas com documentação, legalizações e “anágrafes” (registros de cartório – NR). Portanto, não se pode avaliar a quantidade de trabalho da Agência somente pelas “práticas” efetuadas, ou seja, pelos passaportes emitidos ou renovados.
Além do titular, o serviço envolve também membros da família? O governo italiano cobre os gastos com a Agência?
Atendendo esse número de pessoas, faz-se necessário e é indispensável que uma pessoa esteja disponível na Agência para isso. Felizmente minha esposa Dulce, que admira e vive a italianidade, prestava esse serviço com toda a dedicação e empenho, sem nunca ter reivindicado qualquer pagamento para isso.
Pelo que sabe, todas as Agências e Representações Honorárias funcionam da mesma maneira?
As Agências Consulares têm toda a autonomia e liberdade para estabelecer a forma de trabalho e também definir o horário de atendimento ao público. Devido ao grande número de descendentes que residem na região em que atua a Agência de Cascavel, fomos obrigados a trabalhar quase toda a semana, com expediente interno e externo.
Além do tempo dedicado, um Agente Consular Honorário acaba tirando dinheiro do bolso para desenvolver sus funções? Mesmo assim, são cobrados, além dos cidadãos, pelos consulados?
Sob meu ponto de vista, o trabalho de um Agente Consular não se restringe unicamente ao atendimento da Agência. Em minha região de atuação, existem mais de 20 Círculos e Associações Italianas. Todas muito atuantes, que mantém diversas promoções em suas cidades-sede. O Agente Consular, como autoridade italiana é convidado e eles fazem questão e de serem prestigiados. Temos círculos italianos que ficam a mais de 300 Km de Cascavel e isso, não raro, representa altos custos que são bancados pelo Agente. A Agência Consular é uma extensão do Consulado Geral e como tal deve representar à altura, seja pelo serviço que presta e que se propôs a prestar junto à sociedade, em especial junto aos descendentes que a procuram. Por outro lado, às vezes os agentes são cobradas pelo Consulado sem terem, em contrapartida, condições e informações diretas e precisas, não raro arcando com a fúria e o descontrole das pessoas que chegam na Agência. Quando digo que entendo que elas são uma extensão do Consulado, entendo também que devem ser tratadas dessa forma. Atender público, em geral, é, antes de tudo, uma missão espinhosa. Isso não é novidade para ninguém. Cada descendente que procura a Agência Consular tem seus problemas, dos mais diversos imagináveis e, de modo geral, todos exigem seus direitos “que pensam ter”, sem levar em conta suas obrigações e as limitações funcionais, burocráticas e legais a que estão sujeitas essas Agências. Particularmente entendo que a Agência Consular tem que exercer as funções a que se propôs com a máxima competência, presteza e isenção de favorecimentos. Para isso deverá ter condições e recursos suficientes para desempenhar tal atividade.
Como é, por dentro, vista a enorme demanda pelo reconhecimento da cidadania italiana por parte dos ítalo-descendentes que, constitucionalmente, têm a ela direito?
No meu ponto de vista, a procura pela cidadania italiana é mais fruto de nostalgias diversas do que a consciência ou luta por um direito constitucional. Não é possível alguém chegar a uma Agência Consular Italiana, pedir sua cidadania e, muitas vezes, não saber sequer quem é seu avô e, muito menos, saber de onde veio, assim como outros detalhes de sua família. O Consulado Geral deveria fazer uma atualização ou classificação dessa grande quantidade de pedidos entulhados às suas portas. Existem muitos interessados, seja para trabalhar, estudar, fazer especialização, comércio e que estão aguardando nessa fila. Sabemos também que o governo italiano não está facilitando muito e, cada vez mais, são introduzidas novas exigência ou burocracias.
Que diria ao governo italiano ao final de tantos anos de serviços prestados à causa italiana?
Após dez anos de trabalho como Agente Consular, digo que exerci o cargo com muito orgulho e dediquei muito trabalho à função. Mas às autoridades italianas e afins, eu diria que lamento que, passados mais de 140 anos do inicio da imigração, ainda não tenham um programa completo e informatizado de todos os dados desses italianos que deixaram a Itália. Isso fez com que centenas de pessoas e empresas se estabelecessem e, sem escrúpulos até, passassem a cobrar para fornecer documentos diversos que o próprio governo italiano facilmente deveria fornecer. Esses dados deveriam estar nos Consulados à disposição dos interessados ou mesmo no sistema informatizado.
Não é muito usual uma renúncia como a sua. Há vantagens indiretas nela? De que tipo? Teria algo a dizer sobre?
Sem dúvida alguma, o cargo de Agente Consular me deu muitas alegrias. Fiz muitos amigos e o exerci com muita honra e orgulho. Mas não podemos nos iludir. Como já disse anteriormente, surgem outros compromissos e temos que decidir para o que achamos melhor no momento. Respondendo à sua pergunta, pode ser que seja EU o único que não tenha tido ou visto compensações ou vantagens indiretas. Completando, entendo que, mesmo sendo um cargo de destaque, não ficaria nele se não fosse para exercê-lo eficazmente, dentro do que eu entendo.
Com sua experiência e no seu modo de ver, que predicados terá que ter o futuro Agente Consular de Cascavel, para bem atender à comunidade?
Quando eu fui convidado para assumir a Agência Consular Honorária da Itália em Cascavel, o Cônsul Geral da época me apresentou certos requisitos necessários para a função. Disse-me que era importante ter curso superior, ter certa estabilidade econômica para bancar despesas que posteriormente seriam ressarcidas, ter influência e comportamento exemplar na comunidade, trânsito livre dentro dos órgãos públicos (municipais, estaduais e federais), conhecer a região de atuação e mais importante; saber ler e escrever na língua italiana. Durante os dez anos em que estive à frente da Agência Consular, pude compreender e sentir o quanto são importantes os requisitos acima. O conhecimento adquirido com estudo facilita o entendimento e o diálogo com as pessoas. Na parte econômica e nos moldes como são criadas as Agências, o Agente deverá dispor de um espaço físico adequado para o bom atendimento, dando certo conforto. O candidato deverá ter certa influência junto aos grupos afins e conseqüentemente um comportamento sem restrições. O fácil trânsito junto aos diversos órgãos facilita a troca de informações e agiliza as demandas. È muito importante conhecer a região de atuação. Conhecer os diversos círculos e associações que irá freqüentar como representante direto do Cônsul e do Consulado como “autoridade italiana”. A meu ver é indispensável que o Agente Consular da Itália saiba ler e escrever na língua italiana. Diariamente recebe-se ligações de Italianos do Brasil e muitos do exterior. Passam sistematicamente documentos em italiano e, caso não saiba entender e interpretar, ficará sem resposta e sem solucionar o problema. As informações recebidas do Consulado são na língua italiana, assim como a comunicação verbal. Portanto, se consegui ser claro, um Agente Consular para desempenhar a contento suas funções, deverá ter ou adquirir a curto prazo os conhecimentos acima descritos. Mais importante, uma vez no cargo de Agente Consular da Itália, deverá agir e pensar como membro do Consulado Geral da Itália e como italiano.
Outras considerações que queira fazer.
A região de atuação da Agência Consular de Cascavel é muito importante e significativa para os descendentes italianos, por isso não pode ficar sem a prestação de serviços ligados ao Consulado Italiano. Sei que o Cônsul Geral Dr. Salvatore de Venezia e outras autoridades estão empenhadas em encontrar e nomear outro Agente Consular. Coloquei-me também à disposição do Cônsul para solucionar este problema. Quero aproveitar e agradecer a todos as pessoas ligadas ao Consulado Geral de Curitiba pela harmonia, atenção e presteza com que pudemos exercer nossas atividades durante esses dez anos. Obrigado.

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