Já tramita no Senado da República Italiana o projeto de lei que propõe a conversão em lei do Decreto-Lei n. 36 de 28 de março de 2025, que traz “disposições urgentes em matéria de cidadania”, com foco na cidadania italiana reconhecida iure sanguinis – ou seja, por direito de sangue. O texto, que desde sexta-feira última provoca reações nas comunidades de ítalo-descendentes no exterior, estabelece limites inéditos ao reconhecimento automático da cidadania italiana para descendentes de italianos nascidos e residentes fora da Itália.
Publicado na Gazzetta Ufficiale no próprio dia 28 de março, o decreto entrou em vigor imediatamente, mas só se tornará permanente se for convertido em lei pelo Parlamento italiano dentro do prazo constitucional de 60 dias. Para isso, tramita agora no Senado o Disegno di Legge n. 1432, que reúne o texto do decreto e sua exposição de motivos, além de uma detalhada relação técnica sobre os impactos da medida.
Segundo o governo italiano, a proposta surge da “necessidade extraordinária e urgente” de enfrentar um fenômeno que, nas palavras do decreto, vem crescendo de forma “exponencial”: o número de estrangeiros descendentes de italianos que requerem o reconhecimento da cidadania italiana, especialmente na América do Sul.
O texto destaca que mais de 6,4 milhões de italianos vivem no exterior, dos quais mais de 4,4 milhões nasceram fora da Itália. Em países como Brasil, Argentina e Venezuela, mais de 90% dos cidadãos italianos residentes nasceram no exterior. Ainda segundo o governo, há dezenas de milhões de ítalo-descendentes em potencial que, em tese, poderiam reivindicar a cidadania italiana, gerando pressão sobre os serviços consulares e sobre o sistema judiciário italiano, que já apresenta acúmulo de processos sobre o tema.
Com base no princípio do “legame effettivo” (vínculo efetivo) – consagrado no direito internacional e citado na histórica sentença Nottebohm da Corte Internacional de Justiça – o decreto propõe que a cidadania italiana só será reconhecida se houver comprovação de vínculo concreto com a Itália, e não apenas por linhagem biológica.
O que muda com o decreto – O artigo central do decreto (novo artigo 3-bis da Lei n. 91/1992) revoga a possibilidade de reconhecimento automático da cidadania iure sanguinis para pessoas nascidas fora da Itália que possuam outra nacionalidade, salvo se cumprirem determinadas exceções:
•Terem iniciado processo administrativo ou judicial de reconhecimento até 27 de março de 2025 (data-limite definida pelo decreto);
• Terem um genitor cidadão nascido na Itália, ou que tenha residido legalmente no país por pelo menos dois anos antes do nascimento do requerente;
•Terem um ascendente direto (avô ou avó) nascido em território italiano;
• Não possuírem outra cidadania no momento do nascimento.
Além disso, o texto altera o ônus da prova nos processos judiciais, exigindo que os requerentes apresentem provas documentais da inexistência de causas que interrompam a transmissão da cidadania – como a naturalização do ascendente italiano antes do nascimento dos filhos, nos termos da antiga legislação italiana.
Justificativas do governo – Segundo a longa exposição de motivos, o atual modelo “sem limites temporais ou geracionais” levou a um “descolamento” entre o conceito jurídico de cidadão e o pertencimento real à comunidade nacional. A medida, segundo o governo, visa a evitar que milhões de pessoas sem qualquer ligação cultural, linguística ou territorial com a Itália adquiram plenos direitos políticos e sociais, inclusive no âmbito da União Europeia.
O governo ressalta ainda que a cidadania da União Europeia, derivada da cidadania nacional, implica obrigações para todos os Estados-membros, sendo incompatível com o reconhecimento de cidadania em massa a indivíduos “sem qualquer vínculo efetivo com o Estado.”
E agora? – O projeto de conversão do decreto ainda será discutido no Senado e, posteriormente, na Câmara dos Deputados. Caso não seja convertido em lei até 27 de maio de 2025, o decreto perderá sua eficácia, e os efeitos produzidos poderão ser revogados. O início dos debates pelo Senado, segundo opinião de alguns, não é bom sinal, uma vez que «na Câmara Alta o questionamento será bem menor que na Câmara dos Deputados»
Por outro lado, caso aprovado sem alterações, a nova norma marcará uma mudança radical na legislação italiana sobre cidadania por descendência, restringindo um direito historicamente reconhecido de forma ampla aos ítalo-descendentes em todo o mundo. Abaixo publicamos, traduzido para o português com a ajuda de IA, o texto do projeto de lei, na íntegra:
PROJETO DE LEI
apresentado pela Presidente do Conselho de Ministros (Meloni), pelo Ministro das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional (Tajani) e pelo Ministro do Interior (Piantedosi), de comum acordo com o Ministro da Justiça (Nordio) e com o Ministro da Economia e das Finanças (Giorgetti)
COMUNICADO À PRESIDÊNCIA EM 28 DE MARÇO DE 2025
Conversão em lei do decreto-lei de 28 de março de 2025, n. 36, contendo disposições urgentes em matéria de cidadania
Senadores Honoráveis –
O presente decreto-lei introduz disposições urgentes em matéria de cidadania italiana iure sanguinis. Passados mais de 30 anos desde a última intervenção de reforma, a realidade social modificada e a evolução do contexto normativo e jurisprudencial tornam necessária uma revisão em sintonia com os tempos.
Um projeto de lei orgânico foi, para tal fim, aprovado pelo Governo. Tal dispositivo não modifica o princípio fundamental da transmissão da cidadania, que permanece firmemente ancorado no ius sanguinis, enquanto elemento constitutivo da comunidade nacional como ela se formou em mais de um século e meio de história unitária.
O princípio, ainda válido, deve ser ajustado, conjugando-o expressamente com a existência de vínculos efetivos e atuais com a comunidade nacional. Somente na presença de tais vínculos objetivos, duradouros no tempo e expressão de uma ligação formal e substancial com a República, poderá ser garantido o acesso ao complexo indissociável de direitos e deveres próprios dos cidadãos que formam o povo ao qual o artigo 1º da Constituição atribui a soberania.
Enquanto se aguarda a entrada em vigor do referido projeto de lei, é necessário adotar com urgência algumas disposições, tanto de caráter substancial quanto processual, aptas a evitar uma “corrida aos balcões”, que pode paralisar o funcionamento dos consulados, dos municípios e dos tribunais.
É preciso, portanto, introduzir desde já o princípio da limitação na transmissão automática da cidadania iure sanguinis.
É igualmente necessário evitar desigualdades de tratamento irrazoáveis baseadas no fator aleatório da data de nascimento (antes ou depois da entrada em vigor das novas disposições) e, ao mesmo tempo, impedir uma expansão contínua e descontrolada da base de potenciais cidadãos e o contínuo reconhecimento de cidadãos nascidos e residentes no exterior, que não apresentam vínculos efetivos com a República e que, também por possuírem uma ou mais outras cidadanias, mantêm laços culturais, identitários e de fidelidade bem mais profundos e arraigados com outros Estados.
I. Evolução histórica da disciplina
O princípio do chamado ius sanguinis, no qual se baseia a transmissão da cidadania italiana, conheceu notável estabilidade ao longo dos últimos dois séculos. O exemplo básico foi o Código Civil napoleônico, cujo artigo 9 permitia ao nascido na França de pai estrangeiro, no ano seguinte ao alcance da maioridade, tornar-se francês mediante declaração dessa vontade e fixação ou manutenção do domicílio na França.
Para o nascido no exterior de pai francês, o artigo 10 previa a aquisição automática da cidadania francesa.
Não era regulado expressamente o caso mais frequente, isto é, o filho nascido na França de pai francês, cuja nacionalidade era considerada presumida, por ter sido assim durante o ancien régime (o súdito era tal porque nascia no território, ao qual estava vinculado por toda a vida), e porque a Constituição de 1791 (à época já não vigente, mas ainda usada como referência) constante do direito público transalpino), dizia expressamente que eram franceses aqueles que nasciam na França de pai francês. No vocabulário da época, a qualidade de francês, definida como “nacionalidade”, estava ligada ao gozo dos direitos civis (era o critério de conexão fundamental para as situações pessoais nos casos de conflito de leis), enquanto a “cidadania” era o reflexo do gozo dos direitos políticos e era estabelecida por leis constitucionais. As duas noções não coincidiam.
1. A disciplina dos Estados pré-unitários
As leis dos Estados pré-unitários do período da Restauração seguiam predominantemente o exemplo francês. Os artigos 11 e 12 do Código do Reino das Duas Sicílias de 1819 traduziam de maneira praticamente literal os artigos 9 e 10 do Código Civil napoleônico.
Também o Código Civil Albertino de 1837 do Reino da Sardenha seguia o modelo, ainda que com algumas restrições. O artigo 18 dispunha a aquisição da cidadania pelos nascidos no exterior de pai súdito sardo, impedindo, portanto, a aquisição da cidadania por parte dos filhos nascidos no exterior de pai privado dos direitos civis, por exemplo, por condenação penal.
Para o filho de estrangeiro nascido no Reino, o artigo 24 do Código Civil Albertino previa a aquisição da cidadania sarda iure soli, mas era mais restritivo (o pai deveria estar domiciliado no Reino “com intenção de residência perpétua”, ou seja, na prática, deveria ser residente por pelo menos dez anos, desde que a residência não houvesse sido estabelecida “por ocasião de comércio”).
Parcialmente diferente nas formulações, mas não na substância, era o modelo austríaco, aplicado no Reino Lombardo-Vêneto. O artigo 28, segunda parte, do Código Civil Geral Austríaco de 1811 explicitava de fato a regra fundamental que o Código de Napoleão dava como presumida. A esse modelo se referiam o artigo 13 do Código Civil do Ducado de Parma de 1820 e o artigo 16 do Código Civil do Ducado de Módena de 1851, de teor literal idêntico, os quais faziam prevalecer a cidadania da mãe em todos os casos de nascimento fora do matrimônio, mesmo quando o pai fosse conhecido (artigo 15 do Código Parmense e 19 do Código Modenês), de modo semelhante à tradição centro-europeia (por exemplo, o parágrafo 3 da lei da Confederação Germânica do Norte de 1870, reproduzido em termos quase idênticos na posterior lei alemã de 1913).
2. O Código Civil de 1865
Os modelos acima descritos foram cuidadosamente considerados por ocasião da redação do Código Civil de 1865. O artigo 4 enuncia expressamente o princípio da aquisição da cidadania pelo pai, pela primeira vez desvinculando-o completamente do local de nascimento. Complementar a este é o artigo 7, que estabelece os casos de derivação da cidadania pela mãe, limitados à hipótese em que o pai fosse desconhecido (em conformidade com a tradição francesa e não com a centro-europeia).
Os artigos 5 e 8 estabeleciam dois casos particulares de ius soli em favor de pessoas nascidas na Itália de pai ex-cidadão ou de estrangeiro residente na Itália por pelo menos dez anos. As disposições não foram mais reproduzidas nas codificações subsequentes, por serem fruto do interesse do novo Estado em adquirir novos cidadãos e reintegrar no seio da nação aqueles que haviam sido obrigados a se afastar por razões políticas.
O artigo 6 concedia a cidadania aos filhos nascidos no exterior de ex-cidadãos, desde que retornassem à Itália. Vale destacar a precisão com que era definida a noção de ex-cidadão, como aquele “que perdeu a cidadania antes do nascimento do filho”.
Somente com a leitura combinada dos artigos 4, 5, 6 e 7 compreende-se o mecanismo por meio do qual opera a aquisição da cidadania iure sanguinis: a cidadania se adquire no dia do nascimento e com base na condição do genitor que a transmite nessa data. Se o genitor tiver perdido a cidadania antes do nascimento, o filho será filho de um estrangeiro e, portanto, também ele será estrangeiro, salvo exceções bem delimitadas de vínculo efetivo com a Itália.
Como confirmação adicional, o artigo 10, quarto parágrafo, esclarece que, desde que residam na Itália, os filhos do estrangeiro que obtém a cidadania “tornam-se” cidadãos. O princípio de fundo é o mesmo — também se trata de cidadania por descendência — mas, neste caso, a aquisição da cidadania não retroage ao nascimento, tendo efeito ex nunc, ou seja, a partir do momento em que se verifica a condição legal (a aquisição da cidadania como consequência da aquisição da cidadania pelo pai). Não se trata de um direito de sangue, mas de uma comunicação de direito (iuris communicatio).
Os artigos 9, 10 (último parágrafo), 11 (segundo e terceiro parágrafos) e 14 delineavam a condição da mulher casada e dos filhos menores: desse modo, todo o núcleo familiar, conforme o costume então universal e que permaneceu assim por muito tempo, estava sujeito à mesma lei pessoal, determinada com base na cidadania do chefe da família. A esposa e o filho de um italiano eram italianos; se o italiano perdesse a cidadania, eles a perdiam também (com uma única exceção: a mulher italiana mantinha a cidadania italiana se se casasse com um estrangeiro cuja cidadania não lhe fosse comunicada pelo fato do casamento).
O princípio de fundo, em outras palavras, não era o da descendência, mas o da unidade da cidadania para toda a família, determinada com base na cidadania pertencente ao chefe da família (geralmente o pai e marido).
A cidadania, seja qual fosse sua forma de aquisição, podia ser perdida, porque, em linha de princípio, deveria ser única, sendo entendida à época por todos os Estados europeus como um vínculo de fidelidade rigoroso, fonte sobretudo de deveres — em primeiro lugar os deveres militares, como lembrava o artigo 12.
O princípio básico era enunciado no artigo 11, primeiro parágrafo, número 2: “quem obteve a cidadania em país estrangeiro” perdia a cidadania italiana. A lei não exigia que a aquisição fosse voluntária: ao pé da letra, o filho de um italiano nascido em um país que previsse o ius soli ou que atribuísse de forma imperativa a sua própria cidadania a todos os habitantes (como fez, por exemplo, o Brasil em 1889), não adquiria, ao nascer, também a cidadania italiana, porque já possuía outra.
As disposições do Código de 1865, pensadas para uma sociedade relativamente estática, na qual a emigração estável não era frequente, foram percebidas como inadequadas quando os italianos começaram a emigrar em massa para fora do continente europeu, sobretudo a partir dos anos 1880 do século XIX.
O legislador do código tinha em mente a emigração dentro da Europa, onde os princípios de atribuição da cidadania eram mais ou menos os mesmos, e portanto não havia dificuldades significativas. Na Europa, as identidades nacionais já estavam consolidadas, era-se cidadão principalmente por se ser filho de cidadãos; o ius soli à época era raro e, sobretudo, não era automático.
Era necessário que o pai fosse residente há tempo no país ou, como no caso da França a partir de 1851, que também o pai estrangeiro tivesse nascido no país (o chamado “duplo ius soli”).
A situação era diferente nos “novos” países do continente americano, que, a partir do último quarto do século XIX, começaram a solicitar progressivamente cotas crescentes de imigração de países europeus, mesmo diferentes da antiga metrópole.
Nas Américas, a cidadania por nascimento é adquirida não por descendência, mas pelo nascimento no território. Os filhos dos italianos que emigravam para os Estados Unidos, Argentina ou Brasil eram automaticamente cidadãos dos países em que nasciam (e, portanto, rigorosamente falando, não italianos), mesmo que os pais permanecessem italianos.
3. A reforma de 1912
No início do século XX, a demografia era sinônimo de poder (militar, antes ainda que econômico) e a preocupação de manter a aplicação da lei italiana ao maior número possíveL de situações pessoais e patrimoniais tornava necessária uma intervenção. A Lei nº 23, de 1901, sobre a emigração, nos artigos 35 e 36, reduzia ou atenuava os efeitos de alguns casos de perda da cidadania. A Lei nº 217, de 1906 regulava melhor a naturalização, reduzindo sua discricionariedade e estabelecendo períodos mínimos de residência ou de serviço para a Itália, entre 3 e 6 anos (foi aqui que se introduziu pela primeira vez a naturalização facilitada para o marido da mulher italiana).
Todavia, em sintonia com o que faziam outros Estados europeus (por exemplo, a Alemanha), em 1912 reescreveram-se integralmente as normas com a Lei de 13 de junho de 1912, n. 555. Eram os anos do auge da emigração transoceânica dos italianos, mas também da ampliação do sufrágio e da mobilização em massa dos cidadãos para a Primeira Guerra Mundial.
Significativamente, as normas foram extraídas do Código Civil: a cidadania não era mais apenas critério de conexão para o gozo dos direitos civis ou para a aplicação da lei italiana nas relações pessoais — era um vínculo de fidelidade forte, que era do interesse do Estado manter.
Essa aspiração, no entanto, era fortemente limitada pela realidade: as comunicações eram difíceis, as viagens extremamente caras, e a política dos países de imigração tendia, com sucesso, à assimilação dos imigrantes europeus.
A lei de 1912 conservou a estrutura do Código Civil de 1865 (ius sanguinis, unicidade da cidadania da família determinada pela situação do pai e do marido), mas com algumas modificações, cujo efeito geral foi o de atenuar o princípio da unicidade da cidadania do indivíduo (permitindo alguns casos de dupla cidadania), para preservar o princípio da unidade familiar.
A primeira modificação dizia respeito justamente ao princípio do ius sanguinis. Antes, conforme o exemplo do Código Civil napoleônico, o filho de cidadão era simplesmente “cidadão”. Agora, é definido como cidadão “por nascimento” (artigo 1º, primeiro parágrafo, alínea). A inovação era influenciada pela lei alemã de 1870, mas sobretudo pelo direito dos Estados do continente americano. Não se tratava apenas de uma inovação lexical: servia para destacar que o filho de um italiano, nascido nas Américas, era por direito de nascimento tanto italiano quanto “americano”.
O artigo 7 (muito aguardado pelas comunidades de emigrantes) o confirmou expressamente:
“Salvo disposições especiais a serem estipuladas por tratados internacionais, o cidadão italiano nascido e residente em um Estado estrangeiro, do qual seja considerado cidadão por nascimento, conserva a cidadania italiana, mas, ao atingir a maioridade ou ser emancipado, poderá renunciar a ela.”
Essa disposição, não por acaso, precedia imediatamente o artigo que regulava a perda da cidadania de forma muito menos severa do que o Código Civil de 1865. A perda já não decorria mais do mero fato da aquisição de uma cidadania estrangeira, mas deviam ocorrer conjuntamente dois requisitos:
a) a residência deveria estar fixada no exterior (salvo isenção concedida pelo Governo);
b) a cidadania estrangeira deveria ter sido adquirida “espontaneamente” ou, caso a aquisição tivesse ocorrido “sem participação da própria vontade”, a cidadania italiana deveria ser objeto de renúncia formal e expressa.
Os filhos e a esposa continuavam a seguir os acontecimentos relativos à cidadania do pai, em termos mais ou menos semelhantes aos previstos em 1865, mas com algumas diferenças relevantes, entre as quais se destaca aquela empregada no artigo 12, segundo parágrafo: se o pai perde a cidadania, os filhos menores a perdem apenas se residirem com o pai (para o código de 1865 bastava que não fossem residentes na Itália) e se “adquirirem a cidadania de um Estado estrangeiro”.
A disciplina estabelecida em 1912 permaneceu substancialmente estável por mais de meio século, excetuando-se os efeitos das alterações territoriais ocorridas após a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.
Os artigos 70 a 82 do Tratado de Saint-Germain com a Áustria sancionaram a mudança da cidadania dos habitantes dos territórios cedidos às potências vitoriosas da Primeira Guerra Mundial.
Salvo exceções limitadas, o princípio era que quem tivesse nascido e possuísse a “pertinência” (Heimatrecht, o registro administrativo específico do Império Habsburgo) em um território cedido à Itália, adquiria a cidadania italiana.
Quem optasse pela manutenção da cidadania anterior deveria transferir o domicílio para a Áustria no prazo de um ano. A opção do marido ou do pai produzia efeito automático respectivamente sobre esposa e filhos menores de 18 anos. Como a “pertinência” não era perdida com a emigração ao exterior, os princípios valiam também para os residentes fora da Itália (na prática, a elaboração das listas foi lacunosa).
Os mesmos princípios foram adotados pelos artigos 19 e 20 do Tratado de Paris de 10 de fevereiro de 1947, para os cidadãos italianos residentes nos territórios cedidos à França e à Iugoslávia após a Segunda Guerra Mundial, e para os cidadãos italianos cuja língua habitual era o croata ou o esloveno, residentes em territórios que permaneceram sob soberania italiana.
O Anexo IV do tratado contém os Acordos De Gasperi-Gruber de 5 de setembro de 1946, com os quais a Itália se comprometeu a permitir a revogação das opções pela cidadania alemã previstas nos Acordos Mussolini-Hitler de 1939 para os habitantes de língua alemã do Alto Ádige.
4. As intervenções da Corte Constitucional e as modificações normativas dos anos 1970 e 1980
A partir de meados da década de 1970, as profundas transformações ocorridas na sociedade italiana e a necessidade de dar plena aplicação aos princípios constitucionais de igualdade tornaram evidente a necessidade de revisar a legislação em matéria de cidadania.
Duas sentenças da Corte Constitucional (nº 87/1975 e nº 30/1983), ambas originadas por ações propostas por pessoas com vínculos evidentes e efetivos com a Itália, declararam a inconstitucionalidade de dois princípios considerados fundamentais pela normativa pré-republicana:
• a perda da cidadania como consequência da aquisição não voluntária da cidadania do marido estrangeiro por parte da esposa italiana;
• a transmissão da cidadania iure sanguinis exclusivamente pelo pai, se conhecido.
O princípio da igualdade fez cair por terra o princípio da unidade da cidadania no núcleo familiar.
O legislador acompanhou de perto. A lei de reforma do direito de família de 1975 (contemporânea à sentença nº 87/1975) estabeleceu no artigo 219 a forma pela qual as mulheres que tivessem perdido a cidadania por casamento com estrangeiro poderiam readquiri-la (à letra, com efeito ex tunc) mediante simples declaração.
A Lei nº 123/1983, em vigor desde 27 de abril de 1983 (contemporânea à sentença nº 30/1983), eliminou qualquer desigualdade entre marido e esposa: os artigos 1 e seguintes eliminaram a aquisição automática da cidadania por parte da esposa estrangeira do cidadão italiano (regra que se aplicava também aos residentes no exterior), e permitiram aos cônjuges estrangeiros de cidadãos ou cidadãs italianos requerer uma naturalização simplificada, em condições semelhantes àquelas previstas desde 1906 para o marido estrangeiro da mulher italiana.
A Lei nº 123/1983 (artigos 5 e seguintes) estabeleceu legislativamente também o princípio da igualdade entre filhos de pai e de mãe italianos, e a igualdade entre filhos adotivos e biológicos: todos passavam a ser automaticamente cidadãos italianos.
No entanto, para os casos de dupla cidadania, o filho tinha o ônus de optar por uma única cidadania no prazo de um ano após atingir a maioridade (a Lei nº 180/1986 prorrogaria esse prazo “até a data de entrada em vigor da nova lei orgânica sobre a cidadania”, permitindo também o reingresso por simples declaração daqueles que haviam perdido a cidadania por não terem feito a opção).
5. A reforma de 1992 até hoje
A Lei de 5 de fevereiro de 1992, nº 91, atualmente em vigor, sistematizou as modificações, reescrevendo de forma integral a disciplina. Naquele momento, a onda migratória dos italianos parecia já ter se esgotado, a imigração ainda não era um dado demograficamente significativo, e o nível de mobilidade das pessoas no âmbito da União Europeia não era relevante (os países ibéricos, recém-integrados à Comunidade Europeia, ainda não eram um destino atrativo de imigração a partir da América do Sul).
A Lei nº 91/1992 realizou, antes de tudo, um trabalho de reorganização das normas adotadas ao longo das décadas de 1970 e 1980, mas acrescentou um elemento de grande alcance: caíam os últimos vestígios do princípio da unicidade da cidadania. Os italianos que adquirem, inclusive voluntariamente, uma cidadania estrangeira a partir de 16 de agosto de 1992 não perdem mais a cidadania italiana; os cidadãos múltiplos originários (que adquiriram iure sanguinis todas as cidadanias possuídas pelo pai e pela mãe e/ou que adquiriram iure soli a cidadania do país em cujo território nasceram) não precisam mais fazer nenhuma opção.
Os filhos de pai italiano que se naturaliza estrangeiro durante a menoridade deles não perdem mais a cidadania italiana, mesmo quando adquirem a nova cidadania estrangeira do pai.
A cidadania italiana só se perde agora por renúncia expressa e formal (artigo 11) e em casos limitados e graves de violação dos deveres de fidelidade à República (artigo 12).
Durante um período de dois anos (posteriormente prorrogado até 31 de dezembro de 1997), foi concedida àqueles que haviam perdido a cidadania com base nas normas anteriores a possibilidade de readquirir a cidadania mediante simples declaração, mesmo sem restabelecer a residência na Itália.
Nas mais de três décadas que se seguiram à lei de 1992, os intervenções legislativas sobre a cidadania iure sanguinis foram limitadas. Limitou-se a revisar alguns aspectos decorrentes dos acontecimentos das guerras mundiais.
A Lei nº 379/2000 concedeu àqueles que emigraram antes de 16 de julho de 1920 dos territórios adquiridos pela Itália após a Primeira Guerra Mundial, e aos seus descendentes, o direito de adquirir a cidadania italiana mediante apresentação de uma declaração no prazo de cinco anos (posteriormente prorrogado por mais cinco anos). Tratava-se, na realidade, de um caso particular de ius sanguinis, concedido não com base na cidadania (eram descendentes de cidadãos austríacos ou húngaros), mas com base na pertença cultural.
A Lei nº 124/2006 concedeu a mesma possibilidade (mas sem prazos de decadência) àqueles que perderam a cidadania italiana por terem permanecido nos territórios cedidos à Iugoslávia após a Segunda Guerra Mundial, e a seus descendentes (artigo 17-bis da Lei nº 91/1992).
Em tempos mais recentes, interveio-se na matéria de naturalização, para adequar sua aplicação à nova realidade resultante da imigração. Cabe aqui lembrar a Lei nº 94/2009, que aumentou os prazos para a naturalização facilitada do cônjuge residente na Itália de seis meses para dois anos (um ano no caso de filhos em comum), e os reduziu de três anos para um ano e meio para os residentes no exterior, em caso de filhos em comum, e a introdução, em 2019, da obrigatoriedade de conhecimento da língua italiana para quem solicita a naturalização.
II. A interpretação jurisprudencial
1. A transmissão automática da cidadania iure sanguinis
A cidadania italiana chamada iure sanguinis adquire-se, portanto, por um automatismo previsto em lei, e não por decisão discricionária da autoridade. Quem quer que se enquadre nas condições legais é cidadão — ao menos em teoria.
Na prática, porém, é necessário que a autoridade pública reconheça o cidadão como tal. Para quem nasce e reside na Itália, o reconhecimento da cidadania — ou a constatação de sua ausência — nem sequer é percebido: no momento do nascimento, registra-se o nascimento no registro civil e, se a pessoa é filha de cidadão ou cidadã italiana, é automaticamente considerada cidadã italiana, recebendo documentos de identidade e de viagem correspondentes a esse status.
Para quem nasce no exterior, porém, o nascimento é registrado no cartório do país onde ocorre o nascimento, e o contato com a administração italiana pode nunca ocorrer, especialmente se a pessoa possuir outra cidadania.
Foi assim por mais de um século: os descendentes dos italianos nascidos no exterior só se apresentavam à administração italiana se não possuíam outra cidadania (caso cada vez mais raro com o passar das gerações), ou se desejavam estabelecer-se na Itália.
O problema surge quando os contatos faltaram por várias gerações:
Se o filho, ou mesmo o neto do emigrado, nunca se manifestaram, pode o neto — ou o bisneto — manifestar-se a qualquer momento?
A essa pergunta, a lei nunca deu resposta expressa, mas a jurisprudência sempre considerou que a resposta era afirmativa, presumindo-a de certa forma por longo tempo.
A cidadania, portanto, pode ser reconhecida com base no artigo 1º, parágrafo 1, alínea a), da Lei nº 91/1992, quando seja comprovada a descendência de cidadão italiano e a ausência de interrupções na linha de transmissão da cidadania, de acordo com as diversas leis que se sucederam no tempo.
A aquisição da cidadania é verificada com base na legislação vigente no momento do nascimento ou da ocorrência das demais condições legitimadoras previstas em lei, aplicando-se a específica formulação do princípio tempus regit actum contida no artigo 20 da Lei nº 91/1992: “Salvo disposição expressa em contrário, o estado de cidadania adquirido anteriormente à presente lei não se modifica senão por fatos posteriores à data de entrada em vigor da mesma.”
E, para situações anteriores a 1º de julho de 1912, em termos substancialmente análogos, pelo artigo 19 da Lei nº 555/1912: “O estado de cidadania adquirido anteriormente à presente lei não se modifica, salvo por fatos posteriores à sua entrada em vigor.”
Consequentemente, apesar da revogação da Lei nº 555/1912, esta ainda rege os fatos ocorridos entre 1º de julho de 1912 e 15 de agosto de 1992, assim como a revogação (pelo artigo 17 da mesma lei) dos artigos 4 a 15 do Código Civil de 1865 não implicou na cessação da sua aplicação para as situações surgidas até 30 de junho de 1912.
Portanto, para a análise de um pedido de reconhecimento da cidadania, são relevantes não apenas o artigo 1º da Lei nº 91/1992, mas também o artigo 1º da Lei nº 555/1912 e os artigos 4, 6 e 7 do Código Civil de 1865 — ou seja, as disposições de base que, ao longo do tempo, estabeleceram o princípio do chamado ius sanguinis.
Também podem ser relevantes situações anteriores à entrada em vigor do Código Civil de 1865, para as quais será necessário recorrer à legislação dos Estados pré-unitários ou até mesmo a legislações estrangeiras aplicáveis em virtude de mudanças posteriores de soberania, ou a tratados internacionais (para situações decorrentes da alteração de soberania sobre territórios).
O princípio fundamental de todas as disposições relevantes é sempre o mesmo: a cidadania é determinada pela descendência, e o único vínculo temporal é que o antepassado emigrado da Itália tenha ainda estado vivo em 17 de março de 1861 ou na data posterior em que o seu local de origem passou à soberania italiana (por muito tempo se acreditou que a data relevante fosse a da emigração, mas ao longo do tempo o requisito foi flexibilizado, também pelas evidentes dificuldades probatórias).
Os detalhes podem variar, e é necessário, caso a caso, verificar qual é a disposição aplicável ratione temporis e ratione loci a cada uma das situações concretamente alegadas.
Na prática, a aquisição da cidadania iure sanguinis (ou por adoção, ou por iuris communicatio) é, portanto, considerada automática, ou seja, sem necessidade de qualquer formalidade.
O não cumprimento dos deveres de declaração ao oficial do estado civil não acarreta nenhuma consequência (nem mesmo o agravamento do procedimento, como ocorre com as declarações tardias de nascimento no território nacional).
Pode-se sanar a situação com uma “reconstrução” posterior, mesmo depois de mais de um século, com a atribuição retroativa da cidadania italiana a pessoas falecidas que, durante toda a sua vida, se sentiram e se comportaram como cidadãos de outro país.
Como afirmou a sentença das Seções Unidas da Corte de Cassação nº 25317, de 24 de agosto de 2022 (ponto XXIX): “A cidadania por fato de nascimento adquire-se a título originário iure sanguinis, e o estado de cidadão, uma vez adquirido, tem natureza permanente, é imprescritível e pode ser reivindicado a qualquer tempo com base na simples prova da situação aquisitiva integrada pelo nascimento de cidadão italiano.”
Na prática, quem nasce na Itália deve ser registrado no estado civil no prazo de dez dias, com consequências relevantes em caso de inadimplemento (artigos 30, parágrafo 4º, e 31 do regulamento do estado civil conforme o DPR nº 396/2000), e, a partir do momento em que é registrado, pode efetivamente exercer os próprios direitos de cidadão — mas está correlativamente sujeito a diversos deveres.
Para quem nasce no exterior, o gozo dos direitos é garantido mesmo depois de décadas ou séculos nos quais gerações inteiras tenham se esquivado de qualquer dever, e sem necessidade alguma de demonstrar conhecimentos linguísticos nem ausência de antecedentes penais.
Basta, portanto, que o descendente se manifeste a qualquer momento em que considerar conveniente, apresentando e comprovando apenas a sequência de gerações, sem sequer o ônus de demonstrar que não tenham ocorrido fatos interruptivos do direito.
2. A aquisição da cidadania por via materna
Os problemas de aplicação intertemporal das normas são relevantes nos casos de declarações de inconstitucionalidade ou de mudanças jurisprudenciais.
Após a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º, primeiro parágrafo, números 1 e 2, e do artigo 2º, segundo parágrafo, da Lei de 13 de junho de 1912, n. 555, por meio da sentença nº 30 de 1983, a jurisprudência sustentou, por longo tempo, que tal decisão implicava a aquisição da cidadania apenas para os filhos de mãe italiana nascidos a partir de 1º de janeiro de 1948, data a partir da qual a Constituição republicana tornou impossível tratar os filhos de mãe italiana de forma diferente dos filhos de pai italiano.
O conflito do artigo 1º, primeiro parágrafo, números 1 e 2, e do artigo 2º, segundo parágrafo, da Lei de 13 de junho de 1912 com a Constituição ocorreu a partir de 1º de janeiro de 1948, e, como a cidadania iure sanguinis é adquirida no momento do nascimento, aos nascidos até 31 de dezembro de 1947 deveria ser aplicado o direito vigente à época, ainda que posteriormente declarado inconstitucional.
Essa linha argumentativa está expressa na sentença das Seções Unidas da Corte de Cassação nº 12061, de 27 de janeiro de 1998: “Os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade não podem retroagir além da data de 1º de janeiro de 1948, de modo que as relações surgidas e as situações verificadas anteriormente a essa data permanecem intangíveis e não podem ser de forma alguma afetadas pela própria sentença.”
Esse princípio de base já havia sido enunciado na sentença nº 903, de 23 de fevereiro de 1978, e dizia respeito ao “efeito instantâneo” dos atos e fatos que a lei estabelece como pressupostos para a aquisição ou perda da cidadania: o nascimento determina a aquisição da cidadania iure sanguinis com efeito imediato e pontual, conforme as normas vigentes no momento em que ocorre.
Com a sentença nº 4466 de 2009, a Corte de Cassação Civil, em Seções Unidas, reverteu esse entendimento, afirmando que, se a situação pode ser objeto de tutela judicial, não se pode aplicar a norma declarada inconstitucional, mesmo que a inconstitucionalidade não fosse originária, mas superveniente.
O princípio de direito enunciado em 2009 foi além: a cidadania “por nascimento” não se adquire em virtude do nascimento, mas da relação de filiação. Consequentemente, não se deve considerar a data do nascimento, mas sim a relação de filiação ainda existente em 1º de janeiro de 1948, dado que: “As normas pré-constitucionais reconhecidas como ilegítimas pelo tribunal constitucional são inaplicáveis e não produzem mais efeitos a partir de 1º de janeiro de 1948 sobre as relações em que ainda incidem […] desde que haja uma pessoa sobre a qual continuem a gerar consequências injustas, mas tuteláveis em sede jurisdicional.”
Consequentemente, o princípio de direito seria que: “Readquire [recte: adquire] a cidadania italiana a partir de 1º de janeiro de 1948 também o filho da mulher na situação descrita [mulher que havia perdido a cidadania por ter adquirido a cidadania estrangeira do marido sem ter agido voluntariamente], nascido antes dessa data e sob vigência da Lei nº 555 de 1912, sendo a relação de filiação, após a entrada em vigor da Constituição, a que determina a ele a transmissão do estado de cidadão, que lhe caberia de direito sem a norma discriminatória.”
Ambas as sentenças, representativas dos dois posicionamentos jurisprudenciais, diziam respeito a casos de pessoas nascidas pouco antes de 1º de janeiro de 1948 e ainda menores de idade nessa data, que derivavam a cidadania de mãe ainda viva em 1º de janeiro de 1948, a qual havia perdido a cidadania italiana por ter adquirido automaticamente a cidadania do marido estrangeiro por efeito do casamento.
Os tribunais de mérito passaram então a estender a transmissão da cidadania por via materna também a filhos já maiores de idade em 1º de janeiro de 1948, ou até mesmo a filhos nascidos sob a vigência do Código Civil de 1865 (cujos artigos 4 e 6 nunca foram declarados inconstitucionais), e até mesmo a pessoas já falecidas em 1º de janeiro de 1948 (e, portanto, nunca titulares da cidadania italiana, e incapazes de transmiti-la).
Mesmo na presença de um princípio de direito enunciado pelas Seções Unidas segundo o qual o filho nascido antes de 1º de janeiro de 1948 adquire a cidadania italiana da mãe a partir dessa data (e não a partir da data do nascimento), não está claro, no momento, qual é o posicionamento jurisprudencial nos casos em que a mãe cidadã tenha falecido antes da entrada em vigor da Constituição (e, portanto, não pudesse transmitir uma cidadania que já não possuía) nem nos casos em que o filho da mãe cidadã tenha falecido antes de 1º de janeiro de 1948.
É, no entanto, verossímil concluir que, na aplicação dos tribunais de mérito, essas questões simplesmente deixaram de ser consideradas, chegando-se a entender que a cidadania sempre foi transmitida por via materna e de forma originária.
A questão, extremamente relevante também em termos quantitativos (o universo de potenciais requerentes poderia aumentar significativamente), está longe de ser resolvida, e uma intervenção legislativa é necessária para garantir a devida segurança jurídica.
Na evolução jurisprudencial, o “direito à cidadania” tornou-se, de fato, um “direito à transmissão da cidadania”, direito esse que, aliás, não é invocado pelo próprio interessado, mas por seus descendentes.
As decisões mencionadas acima, de 1998 e 2009, originavam-se todas de uma circunstância hoje considerada repugnante à sensibilidade contemporânea: a perda da cidadania italiana decorrente da aquisição não voluntária de uma cidadania estrangeira, derivada de uma decisão (o casamento com um cidadão estrangeiro) que pouco tinha a ver com o vínculo da mulher com o Estado italiano.
A decisão de 1998 concentrou-se no direito da mulher de readquirir a cidadania italiana perdida, considerando irrelevante o que havia ocorrido antes do reingresso, e, portanto, negou o direito de transmissão ao filho então já maior de idade.
Segundo a decisão de 2009, embora a administração pública estivesse obrigada, “pelos princípios de boa administração”, a respeitar o teor de uma norma legal (artigo 219 da Lei nº 151/1975) que permite o “reingresso” da cidadania mediante declaração da mulher (com efeito, portanto, a partir do dia seguinte ao cumprimento dessa formalidade, conforme o antigo artigo 13 da Lei nº 555/1912 e o atual artigo 15 da Lei nº 91/1992), o juiz não estaria vinculado a esse dado normativo.
Esse princípio foi necessariamente estendido a casos em que a mulher ascendente nunca havia perdido a cidadania (porque o marido possuía uma cidadania que não se comunicava a ela pelo casamento, como previsto por muitas legislações dos países sul-americanos).
No entanto, também houve extensões adicionais, às vezes mesmo a pessoas que já não estavam vivas em 1º de janeiro de 1948.
Além da específica questão da transmissão por via materna — em relação à qual é inegável que a sensibilidade social atual e as respectivas previsões do ordenamento jurídico militam em favor da equiparação com a transmissão por via paterna — o que a jurisprudência parece estar configurando é um direito que pode ser ativado a qualquer tempo, até para além dos limites físicos da existência da pessoa jurídica.
O status de cidadania, embora considerado personalíssimo quando se trata de sua perda (vide a sentença das Seções Unidas nº 25317 de 2022), não é considerado personalíssimo quando se trata de reivindicá-lo.
Os descendentes, para fazer valer a aquisição da cidadania para si próprios, devem necessariamente demonstrar que toda a cadeia dos seus ascendentes teve ou tem a cidadania italiana, mesmo que todas as gerações intermediárias nunca tenham se sentido italianas, nem tenham tomado qualquer medida para fazer valer esse direito.
3. A perda da cidadania do menor bipátrida no nascimento, por naturalização estrangeira do pai
A necessidade de esclarecimento por via legislativa é ainda mais premente porque não faltam, na jurisprudência mais recente, posicionamentos de sinal oposto, que parecem pressupor não o caráter permanente do direito à cidadania, mas o efeito instantâneo dos atos e fatos que incidem sobre esse status.
Com as decisões nº 17161 de 2023 e nº 454 de 2024, a Corte de Cassação formulou linhas interpretativas sobre os artigos 11 do Código Civil do Reino da Itália e 12, segundo parágrafo, da Lei nº 555 de 1912, que disciplinavam as consequências, sobre a esposa e os filhos menores não emancipados, da perda da cidadania por parte do pai.
Mais especificamente, o artigo 11 do Código Civil do Reino da Itália (aplicável de 1865 a 30 de junho de 1912) previa que a cidadania se perdia por renúncia e que “a esposa e os filhos menores daquele que perdeu a cidadania tornam-se estrangeiros, salvo se tiverem continuado a manter sua residência no Reino”.
O artigo 12, segundo parágrafo, da Lei n.º 555 de 1912 (aplicável de 1º de julho de 1912 a 15 de agosto de 1992) previa que “os filhos menores não emancipados de quem perde a cidadania tornam-se estrangeiros, quando tiverem residência comum com o genitor que exerce o poder familiar ou a tutela legal e adquirirem a cidadania de um Estado estrangeiro […]”.
A Corte estabeleceu que as disposições citadas se aplicam também ao caso do filho menor, com dupla cidadania desde o nascimento: este, portanto, perdeu a cidadania italiana quando o pai, exercendo o poder familiar, adquiriu voluntariamente uma cidadania estrangeira (renunciando assim à cidadania italiana).
Consequentemente, considera-se interrompida a linha de transmissão da cidadania aos descendentes, aos quais hoje deve ser negado o reconhecimento da cidadania italiana.
Trata-se de uma linha interpretativa nova, diferente da prática seguida há várias décadas pela administração e do entendimento adotado pela jurisprudência de primeira instância (vejam-se, por exemplo, as circulares n.º 12/1985 do Ministério das Relações Exteriores, K.28.1 de 1991 do Ministério do Interior e 9/2001 do Ministério das Relações Exteriores, bem como a sentença n.º 7950/2021 da Corte de Apelação de Roma).
Sempre foi pacífico que o nascimento do filho após a perda da cidadania pelo genitor “dante causa” exclui a transmissão da cidadania italiana iure sanguinis (o genitor não era cidadão no momento do nascimento do filho) e, da mesma forma, que o filho, já nascido e ainda menor na data da naturalização do pai, perdia a cidadania italiana adquirida iure sanguinis ao nascimento, no caso de adquirir a cidadania estrangeira em razão da naturalização do pai (“communicatione iuris”) ou mesmo posteriormente a tal naturalização.
Por outro lado, durante muito tempo se considerou que a naturalização do pai não tivesse nenhum efeito sobre o filho, no caso de o filho já possuir a cidadania estrangeira desde o nascimento — tipicamente por tê-la adquirido iure soli ao mesmo tempo em que adquiriu iure sanguinis a cidadania italiana.
Aliás, o artigo 7 da Lei n.º 555/1912 (introduzido na reforma do início do século passado justamente para não privar desde o nascimento da cidadania italiana quem simultaneamente adquirisse a cidadania estrangeira iure soli e a italiana iure sanguinis) estabelecia que: “Salvo disposições especiais a estipular por tratados internacionais, o cidadão italiano nascido e residente em um Estado estrangeiro, pelo qual seja considerado cidadão por nascimento, conserva a cidadania italiana, mas, ao atingir a maioridade ou ser emancipado, pode renunciar a ela.”
Assim, o filho teria conservado a cidadania italiana e a teria transmitido aos descendentes, os quais hoje teriam direito ao seu reconhecimento.
Aplicando esse entendimento interpretativo (agora superado pelas decisões mencionadas), há pelo menos quarenta anos a administração reconhece o status de cidadão também ao bipólide desde o nascimento, cujo pai se naturalizou durante a sua menoridade, e aos respectivos sucessores iure sanguinis ou iure matrimonii.
Coloca-se, portanto, o problema do destino dos reconhecimentos já efetuados pela administração, os quais dificilmente poderão ser considerados válidos apenas pelo decurso do tempo: o reconhecimento administrativo, de fato, tem valor declaratório, e não há no nosso ordenamento disposições que permitam o acesso ao direito de cidadania pelo uso incontestado durante determinado período de tempo (ao contrário de outros ordenamentos, como o da Alemanha e o da Espanha, sobre os quais se falará mais adiante).
Por outro lado, a opção — teoricamente possível — de revogar os reconhecimentos administrativos já efetuados levanta problemas em outros planos, sobretudo quanto à confiança legítima de quem obteve o reconhecimento da cidadania há muito tempo, beneficiando-se dos direitos a ela associados (passaporte, direito de voto, direito de residir no território nacional, direito de circulação e estabelecimento na União Europeia, etc.).
Além da compatibilidade com o direito interno, essa solução poderia violar o direito da União Europeia: como estabelecido pela Corte de Justiça da União Europeia na sentença Tjebbes (C-221/17), as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais devem verificar se a perda da cidadania de um Estado-membro (hipótese à qual, por seus efeitos práticos, é totalmente assimilável a revogação de um reconhecimento efetuado de forma errônea pela administração) respeita o princípio da proporcionalidade, tendo em conta as consequências que tal decisão acarreta para a situação do interessado e, se for o caso, de seus familiares, à luz do direito da União Europeia.
É necessário, para tal fim, avaliar a situação individual do interessado e de sua família, a fim de determinar se a perda da cidadania acarretaria consequências desproporcionais para o desenvolvimento normal de sua vida familiar e profissional em relação ao objetivo perseguido pelo legislador nacional, sob o prisma do direito da União (em particular, o direito ao respeito da vida familiar, previsto no artigo 7 da Carta dos Direitos Fundamentais).
Não se pode, por fim, ignorar a enorme carga de trabalho que recairia sobre a administração.
4. A tendência expansiva do reconhecimento da cidadania
Em uma perspectiva diacrônica, deve-se, por fim, considerar como a cidadania teve uma evolução tendencialmente expansiva, tanto no plano legislativo quanto na interpretação jurisprudencial.
O Código Civil de 1865 equilibrava o ius sanguinis ilimitado com restrições rigorosas à dupla cidadania, sancionadas em particular pelo artigo 11, primeiro parágrafo, número 2: “A cidadania se perde […] 2. Por aquele que tenha adquirido a cidadania em país estrangeiro”, e pelo segundo parágrafo: “A esposa e os filhos menores daquele que perdeu a cidadania tornam-se estrangeiros, salvo se tiverem continuado a manter a sua residência no Reino.”
Do ponto de vista jurisprudencial, essas restrições foram atenuadas (veja-se a sentença da Cassação de Nápoles de 1907, mencionada pela Cass. S.U. civ. n. 22317/2022, segundo a qual a naturalização não voluntária não implicava perda de cidadania, a menos que a cidadania estrangeira adquirida sem vontade própria fosse efetivamente utilizada).
A Lei nº 555/1912 atenuou ainda mais o rigor das restrições à dupla cidadania, essencialmente com o já citado artigo 7, que permitia aos filhos de pai italiano que adquirissem iure soli a cidadania do país de nascimento manter a cidadania italiana adquirida iure sanguinis.
À letra, tal artigo aplica-se apenas aos nascidos a partir de 1º de julho de 1912. Quem nasceu antes e adquiriu iure soli uma cidadania estrangeira, em 1º de julho de 1912 era considerado estrangeiro e não poderia conservar uma cidadania italiana que não possuía (rigorosamente, nunca havia possuído).
O artigo 19, segundo parágrafo, estabelecia um prazo de um ano para declarar a eleição da condição de cidadão, em favor daqueles a quem a lei de 1912 havia estendido a cidadania anteriormente negada pelo Código Civil de 1865. Na prática, o artigo foi interpretado com efeito retroativo e sem necessidade de qualquer declaração.
Até 1975, a estrutura permaneceu inalterada. A sentença da Corte Constitucional nº 87/1975 (e o artigo 219 da coeva Lei nº 151/1975) eliminou a prevalência da cidadania do marido sobre a da esposa (embora apenas em parte: até a Lei nº 123/1983, a mulher estrangeira adquiria automaticamente a cidadania italiana pelo casamento com cidadão italiano, enquanto nenhum efeito ocorria para o estrangeiro casado com cidadã italiana).
A sentença da Corte Constitucional nº 30/1983 consagrou, então, a derivação da cidadania iure sanguinis também pela mãe. O artigo 5 da Lei nº 123/1983 (cujo trâmite havia sido iniciado três anos antes da sentença da Corte Constitucional) prontamente acolheu esse entendimento, mas não estabeleceu um direito ilimitado de qualquer pessoa à cidadania, impondo, ao contrário, um prazo estrito de decadência — dois anos a partir do alcance da maioridade, ou três anos a partir da entrada em vigor da lei para os que já haviam nascido — para apresentar uma declaração de opção pela cidadania italiana.
A Lei nº 91/1992 representou mais um passo expansivo. As declarações de opção em caso de dupla cidadania, previstas no artigo 5 da Lei nº 123/1983, foram eliminadas, suprimindo-se tal obrigação (artigo 26 da Lei nº 91/1992).
Mas, sobretudo, foi abolida a perda da cidadania em caso de aquisição voluntária de cidadania estrangeira, com a possibilidade, para aqueles que haviam incorrido nessa causa de perda da cidadania antes de 16 de agosto de 1992, de readquiri-la com efeito ex tunc, mediante simples declaração ao oficial do estado civil ou ao consulado, sem necessidade de restabelecer a residência na Itália, dentro de um prazo posteriormente prorrogado até 31 de dezembro de 1997.
Da elaboração jurisprudencial posterior à Lei nº 91/1992 já se deu conta. Merece destaque aqui sua constante tendência expansiva. De modo significativo, tal expansão não se voltou para o presente ou o futuro, mas para o passado: retrocedendo no tempo os efeitos das sentenças da Corte Constitucional nº 87/1975 e nº 30/1983, requalificando situações, modificando o efeito das circunstâncias consideradas pela lei como causas de aquisição da cidadania e, em essência, atribuindo a posteriori o status de cidadão a pessoas que nunca manifestaram em vida qualquer interesse pela cidadania italiana.
III. O procedimento de reconhecimento da cidadania iure sanguinis pela via administrativa
Delimitado o quadro jurisprudencial, convém deter-se brevemente sobre a prática administrativa dos consulados, aos quais compete o reconhecimento administrativo da cidadania italiana (ou da perda dela) em relação aos residentes no exterior, nos termos das leis que se sucederam ao longo do tempo (art. 24, último parágrafo, do RD nº 2804/1866; art. 9 do DPR nº 200/1967; art. 10 do Decreto Legislativo nº 71/2011).
O procedimento de reconhecimento da cidadania iure sanguinis é um trabalho de reconstrução documental, na maioria dos casos extremamente complexo, justamente pela ausência de limites temporais e/ou geracionais e pela necessidade de aplicar diversas leis, inclusive antigas e já revogadas.
Em particular, como indicado na circular do Ministério do Interior K 28.1 de 8 de abril de 1991, o pedido deve ser acompanhado dos certidões de nascimento, casamento e eventual óbito de todas as gerações envolvidas, até os requerentes e seus filhos menores. Em resumo, o agente consular (assim como o juiz) deve reconstruir uma verdadeira “árvore genealógica”.
Para verificar o posse ininterrupta do status civitatis italiano, é necessário também apresentar prova nos autos de que o antepassado emigrado da Itália não se naturalizou voluntariamente estrangeiro antes do nascimento da segunda geração, ou que não renunciou à cidadania italiana, conforme disposto no artigo 8 da Lei nº 555/1912 e anteriormente no artigo 11, primeiro parágrafo, número 2, do Código Civil de 1865 (interpretado segundo os critérios da mencionada sentença nº 25317/2022 das Seções Unidas da Corte de Cassação).
Na esfera administrativa, é preciso também verificar se não ocorreram outras causas de interrupção da linha de transmissão da cidadania, como, por exemplo, a naturalização do pai durante a menoridade do filho.
O reconhecimento é seguido pelo pedido de transcrição dos atos de nascimento (e eventualmente de casamento) dos requerentes e de seus filhos menores, enviados pelo consulado a um município da República (geralmente, o último domicílio do ascendente emigrado da Itália).
O procedimento administrativo é muito semelhante ao jurisdicional, excetuando-se a diferente distribuição do ônus da prova. Na via administrativa, cabe ao requerente comprovar a inexistência de efeitos interruptivos da transmissão ou da manutenção da cidadania: por exemplo, deve demonstrar documentalmente que não houve naturalizações estrangeiras voluntárias antes de 15 de agosto de 1992. Na via administrativa, a prova é exclusivamente documental.
Por fim, é diferente o efeito do reconhecimento administrativo em relação ao reconhecimento jurisdicional. O reconhecimento administrativo é sempre prestado com base na documentação disponível nos autos: eventuais circunstâncias interruptivas, ainda que não supervenientes, que venham a ser descobertas após o reconhecimento — e que não tenham sido identificadas (ou mesmo tenham sido consideradas incorretamente) no momento do reconhecimento administrativo — podem dar ensejo à revisão da decisão de reconhecimento, a qualquer tempo.
Isso porque o reconhecimento do status de cidadão não é uma autorização nem uma concessão de benefícios econômicos, razão pela qual não se aplica o prazo previsto no artigo 21-novies, parágrafo 1º, da Lei nº 241/1990.
Além disso, não existe no ordenamento jurídico italiano nenhuma disposição análoga ao artigo 18 do Código Civil espanhol ou ao parágrafo 3(2) da lei alemã sobre a cidadania de 1913. Em outras palavras, o ordenamento jurídico italiano não atribui qualquer efeito aquisitivo da cidadania ao tratamento de fato de uma pessoa como cidadã.
Consequentemente, o reconhecimento como cidadão por parte da administração, ainda que por longo tempo, não equivale a um “posse de estado” (isto é, um status consolidado de fato) capaz de consolidar o direito.
Isso torna necessário esclarecer também a aplicação intertemporal das normas e de eventuais declarações de inconstitucionalidade, sobre as quais ainda existem diferenças significativas entre a interpretação da administração e a jurisprudência — também em virtude do fato de que a sentença das Seções Unidas da Corte de Cassação n.º 4466/2009 conferiu expressamente ao juiz a faculdade de desconsiderar uma lei por via interpretativa, negando essa mesma faculdade à administração.
IV. Efeitos da ausência de limites ao reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis
À parte algumas diferenças marginais, tanto a interpretação jurisprudencial quanto a administrativa favorecem amplamente a possibilidade de os descendentes de emigrantes italianos apresentarem pedido de reconhecimento da cidadania italiana.
A extensão desse fenômeno levou, ao longo dos anos, a um aumento exponencial dos pedidos de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis por parte de cidadãos estrangeiros que podem contar com pelo menos um ascendente italiano.
As consequências na composição da população de cidadania italiana residente no exterior estão resumidas na tabela a seguir, extraída do cadastro unificado do registro dos italianos residentes no exterior e dos registros consulares, compilado nos termos do artigo 5 da Lei n.º 459/2001.
Totale cittadini residenti all’estero |
Nati in Italia |
Nati all’estero |
|
dicembre 2013 |
4.482.115 |
1.507.627 |
2.974.488 |
dicembre 2014 |
4.636.647 |
1.548.974 |
3.087.673 |
dicembre 2015 |
4.811.163 |
1.600.965 |
3.210.198 |
dicembre 2016 |
4.973.942 |
1.651.090 |
3.322.852 |
dicembre 2017 |
5.114.469 |
1.687.125 |
3.427.344 |
dicembre 2018 |
5.288.281 |
1.727.790 |
3.560.491 |
dicembre 2019 |
5.486.081 |
1.781.433 |
3.704.648 |
dicembre 2020 |
5.652.080 |
1.816.566 |
3.835.514 |
dicembre 2021 |
5.806.068 |
1.835.431 |
3.970.637 |
dicembre 2022 |
5.933.418 |
1.843.884 |
4.089.534 |
dicembre 2023 |
6.134.100 |
1.862.954 |
4.271.146 |
dicembre 2024 |
6.412.752 |
1.916.455 |
4.496.297 |
Em 11 anos, o número de nascidos no exterior aumentou 51% (um acréscimo de 1,5 milhão a partir de um valor inicial inferior a 3 milhões), enquanto os nascidos na Itália, no mesmo período de referência, aumentaram 27% (um acréscimo de cerca de 410 mil unidades em relação a um valor inicial de pouco mais de 1,5 milhão).
Dos cidadãos residentes no exterior ao final de 2024, mais de 70% haviam nascido fora da Itália, com uma proporção crescente tanto em números absolutos quanto em percentual.
A tabela presumivelmente subestima o número de residentes no exterior nascidos fora da Itália, pois não inclui os casos não atualizados (por exemplo, cidadãos cujos procedimentos de reconhecimento de cidadania junto aos consulados já foram concluídos, mas cujas certidões de nascimento ainda não foram transcritas nos registros AIRE mantidos pelos municípios italianos).
Nos registros consulares, em dezembro de 2024, o número de cidadãos italianos nascidos no exterior e residentes no exterior subiu para 5.178.336 pessoas.
É particularmente significativo o caso da América do Sul, destino de massivas ondas de emigração italiana desde o final do século XIX, com picos no início do século XX e nos dois períodos pós-guerra.
Para os descendentes de italianos, que possuem a cidadania do país de nascimento por jus soli, a posse de uma cidadania europeia oferece vantagens significativas. O passaporte italiano permite viver e trabalhar livremente em qualquer país da União Europeia (incluindo os países ibéricos, que há tempos se tornaram destinos de imigração, também devido à afinidade linguística).
Além disso, o passaporte italiano permite entrada livre sem visto não apenas nos países da União Europeia, mas também nos Estados Unidos e em muitos outros países que impõem exigência de visto aos portadores de passaportes sul-americanos.
Os levantamentos anuais realizados em aplicação da Lei nº 459/2001 revelam o crescimento exponencial de cidadãos italianos residentes na América do Sul. Na ocasião do primeiro levantamento, os residentes na América do Sul eram 818.481. No levantamento mais recente disponível, os residentes eram 2.073.614.
Os dados estatísticos do ISTAT não apontam movimentos migratórios significativos da Itália para a América do Sul.
A tabela a seguir, atualizada até 31 de dezembro de 2024, indica a composição das comunidades de cidadãos italianos residentes no Brasil, Argentina e Venezuela.
Cittadini italiani scritti negli schedari consolari al 31/12/2024 |
|||
Totale |
Nati in Italia |
Nati all’estero |
|
Brasile |
873.962 |
33.335 (3,8%) |
840.609 (96,2%) |
Argentina |
1.213.779 |
100.947 (8,3%) |
1.112.832 (91,7%) |
Venezuela |
159.788 |
23.515 (14,7%) |
136.273 (85,3%) |
O caso da Espanha é emblemático da tendência crescente, por parte de muitos cidadãos sul-americanos com dupla cidadania, de usar o passaporte italiano como “plano B” para emigrar para países diferentes da Itália.
Na Espanha, passou-se de 54.000 italianos residentes em 2004, para 144.000 em 2014, e para mais de 318.000 em 2024, com um aumento superior a 100% em cada década.
Embora tenha havido algum movimento migratório da Itália para a Espanha, dois terços dos italianos hoje residentes na Espanha (214.031 de um total de 318.132) nasceram fora da Itália.
O enorme volume de pedidos de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis apresentados aos escritórios consulares, especialmente na América do Sul (mas também em alguns países europeus, como a Espanha), gerou longas listas de espera e impactos negativos na prestação de serviços consulares.
O reconhecimento da cidadania não é um fim em si mesmo: ele acarreta demanda por serviços.
Por exemplo, cerca de três quartos dos passaportes italianos emitidos nos anos de 2022, 2023 e 2024 pelos consulados (1.187.553 de um total de 1.598.129) foram emitidos em favor de cidadãos italianos nascidos no exterior.
A saturação dos calendários de agendamentos nas representações diplomático-consulares gerou uma espécie de “turismo da cidadania”: muitos requerentes, para acelerar o trâmite administrativo, estabelecem temporariamente residência na Itália com o único objetivo de apresentar seu pedido de reconhecimento do status civitatis aos cartórios de registro civil dos municípios italianos, em lugar das autoridades consulares italianas competentes nos seus países de origem, nos termos do artigo 7, parágrafo 1º, da Lei nº 91 de 1992.
Outros recorreram diretamente ao juiz ordinário na Itália para obter o reconhecimento da cidadania por via judicial (vide infra o caso do Brasil), fato que determinou um notável aumento do contencioso em matéria de cidadania.
Nos últimos três anos, os processos judiciais pendentes passaram de 23.654 (dos quais 19.486 iniciados) em 2022 para 61.628 (dos quais 48.232 iniciados) em 2024, com um aumento de 37.974 processos pendentes (mais de 160% em relação a 2022) e de 28.746 novas ações (mais de 147% em relação a 2022).
Essas pendências, contudo, não correspondem necessariamente ao número de requerentes, pois é possível apresentar um pedido conjunto e, até este ano, era economicamente vantajoso fazê-lo, já que se exigia o pagamento de uma única taxa judicial. O artigo 1, parágrafo 814, da Lei nº 207/2024, entretanto, passou a exigir o pagamento da taxa por cada requerente individualmente.
Além disso, embora tais ações sejam regidas pelo rito sumário de cognição — e, portanto, teoricamente deveriam seguir um procedimento acelerado —, os processos pendentes crescem em ritmo superior ao das novas ações, contribuindo significativamente para o aumento do acúmulo judicial, sobretudo em alguns tribunais distritais (em particular, os de Veneza e de Bréscia).
Qualquer estimativa sobre o universo potencial de reconhecimentos da cidadania italiana iure sanguinis é puramente conjetural.
Em 2011, algumas fontes estimavam em mais de 60 milhões o número de ítalo-descendentes, mas trata-se de uma projeção baseada nos dados de migração do primeiro século de história unitária (cerca de 27 milhões de cidadãos emigrados, com picos nos duas décadas anteriores ao início da Primeira Guerra Mundial).
Outras estimativas falam em mais de 30 milhões de potenciais cidadãos italianos só no Brasil (que, com exceção da década de 1891-1900, nunca foi o principal destino da emigração italiana transoceânica).
Visto que, para fins de reconhecimento da cidadania, é suficiente ter um único ascendente — ainda que remoto — que tenha sido cidadão italiano, quanto mais o tempo passa, maior a possibilidade de que qualquer habitante dos países com alta emigração italiana (Argentina, Brasil, Uruguai, além de Estados Unidos, Canadá, Austrália, Venezuela…) possa reivindicar a cidadania italiana e, na prática, possa alegar já ter sido reconhecido como cidadão.
Entre a população dos países historicamente destinatários da emigração italiana (todos os quais atribuem sua cidadania iure soli), a porcentagem de cidadãos italianos potenciais (e muitas vezes também atuais) não é fixa, mas crescente.
Hoje, por exemplo, quase 3% da população argentina possui passaporte italiano (1,2 milhão de cidadãos italianos reconhecidos em uma população de 46 milhões). Em 2000, esse percentual era metade (1,5%, equivalentes a cerca de 550 mil cidadãos italianos reconhecidos em uma população de menos de 37 milhões).
E isso não apenas como resultado do ritmo de novos reconhecimentos por via administrativa ou judicial, mas também como efeito automático da dinâmica demográfica natural, que aumenta a probabilidade de que os recém-nascidos tenham a “gota de sangue italiano” suficiente para justificar a transmissão da cidadania italiana.
Segundo o anuário estatístico de 2024 do Ministério das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional, em 2023 estavam inscritos nos registros consulares 6.986.510 italianos (+4,2% em relação a 2022 e +7,4% em relação a 2021).
Somente em 2023, as representações diplomático-consulares do MAECI prestaram, em favor das comunidades de italianos residentes no exterior, um total de 1.128.149 atos consulares.
No que diz respeito à cidadania, em 2023, as representações diplomático-consulares italianas emitiram 92.539 atos de cidadania (em comparação com 89.791 em 2022 e 70.703 em 2021 e aos 69.217 atos de 2019). Os pedidos de cidadania deferidos positivamente em 2023 foram 69.056, enquanto há 135.197 pedidos pendentes. Em relação ao levantamento realizado em 2022, registra-se um aumento de cerca de 27% nos pedidos deferidos (foram 54.180 em 2022) e de 112% nos pedidos em lista de espera (63.598 em 2022).
O crescimento exponencial dos reconhecimentos de cidadania italiana iure sanguinis, tanto pela via administrativa quanto judicial, impacta também na composição do corpo eleitoral italiano, o que pode influenciar cada vez mais o processo de decisão política na Itália (por exemplo, dificultando cada vez mais o alcance do quórum em caso de referendos).
Um caso representativo do nível atual e potencial de demanda por serviços de cidadania é o do Brasil, com destaque para a maior circunscrição consular, a de São Paulo (onde hoje está inscrita cerca de 44% dos mais de 800.000 cidadãos italianos residentes no Brasil, ou seja, mais de 373.000 pessoas).
Nos últimos anos, o número de cidadãos na circunscrição consular de São Paulo aumentou:
• 4% em 2020;
• 7% em 2021;
• 8% em 2022;
• e 12% em 2023.
Mais de 90% dos que hoje solicitam o reconhecimento da cidadania italiana são ítalo-descendentes de quarta ou quinta geração, não falam nem compreendem a língua italiana e não mantêm qualquer vínculo com a Itália, exceto pelo laço genealógico com um emigrado italiano (e muitas vezes com origens ainda mais diversas).
A cidadania também é concedida a pessoas que não possuem qualquer ascendente italiano, pois os cônjuges de cidadãos residentes no exterior podem requerer, após três anos de casamento, uma naturalização facilitada (que, de fato, nunca é negada), transmitindo a cidadania também a seus filhos menores, mesmo sem qualquer vínculo sanguíneo com a Itália.
Outro dado importante extraído da experiência de São Paulo é o crescimento da porcentagem de pedidos de reconhecimento da cidadania iure sanguinis por via judicial em relação aos pedidos administrativos.
Se, em julho de 2023, as cidadanias obtidas judicialmente representavam 29% do total de novos cidadãos reconhecidos, em junho de 2024 passaram a representar 45% do total, correspondendo a 1.700 novos cidadãos por mês, totalizando cerca de 9.500 em 10 meses.
V. O equilíbrio dos valores constitucionais e a comparação internacional
Da reconstrução apresentada acima, emergem os seguintes elementos relevantes:
a) Uma parte significativa da jurisprudência se orienta para uma concepção do status de cidadania como uma situação permanente, imprescritível e acionável a qualquer tempo, inclusive em nome de pessoas falecidas que jamais se comportaram como cidadãos italianos, sem qualquer verificação da existência de vínculos efetivos com a Itália ou da inexistência de situações prejudiciais à segurança nacional;
b) A aquisição da cidadania ocorre de forma instantânea, mas seus efeitos são considerados duradouros tanto para o interessado quanto para seus descendentes, sem limites, inclusive no que se refere a situações anteriores à entrada em vigor da Constituição republicana;
c) A cidadania é uma condição ativada à discrição do interessado: pode permanecer adormecida por séculos (evitando assim consequências desfavoráveis, como impostos, serviço militar, obrigações de registro) e ser reativada a qualquer momento (concretamente, quando isso gerar benefícios: direito ao voto, possibilidade de residir e trabalhar em qualquer país da União Europeia e do Espaço Schengen, entrada nos Estados Unidos para turismo ou negócios sem visto, acesso à assistência pública de saúde na Itália, demais serviços da administração pública, proteção diplomática, etc.);
d) A partir do final do século XIX, o ordenamento teve uma tendência quase constantemente expansiva dos casos de aquisição ou manutenção da cidadania (por via legislativa e por via jurisprudencial), com tendência progressiva à ampliação — inclusive retroativa — de normas favoráveis ao estabelecimento da cidadania e à limitação interpretativa daquelas que dispõem sobre a perda ou a não aquisição do status;
e) consequentemente, qualquer descendente dos 27 milhões de emigrantes no primeiro século da história unificada pode, a qualquer momento, reivindicar a cidadania;
f) o número de “possuidores dormentes” da cidadania italiana é indeterminável e cresce com o tempo (quanto mais tempo passa, maior a probabilidade de qualquer pessoa residente no exterior ter, em seu patrimônio genético, a “gota de sangue italiano” suficiente para adquirir a cidadania);
g) por fim, persistem muitas incertezas na aplicação intertemporal das normas, das decisões de inconstitucionalidade e das mudanças nos entendimentos jurisprudenciais.
Nos últimos cinquenta anos, as decisões tanto da Corte Constitucional quanto dos tribunais ordinários (relativas essencialmente à interpretação das normas pré-constitucionais) levaram à expansão contínua do direito.
São sintomáticas as invocações aos princípios constitucionais contidas nas sentenças nº 4466/2009 e nº 25317/2022, ambas frequentemente citadas:
• O artigo 22 da Constituição, que proíbe privar alguém da cidadania “por motivos políticos”, é invocado como base para o “direito subjetivo permanente e imprescritível” ao status de cidadão italiano;
• Dos artigos 4 e 16 e seguintes da Constituição, que conferem uma série de direitos aos cidadãos, depreende-se que a cidadania italiana deve ser garantida nos termos mais amplos possíveis e que a renúncia só pode ser voluntária e explícita.
Nenhuma relevância é atribuída à passagem do tempo, tampouco ao desinteresse prolongado por parte dos beneficiários e seus antecessores.
Nenhuma relevância é dada às consequências práticas, que acabam por tornar substancialmente indeterminado o “povo” ao qual é atribuída a soberania.
Nenhuma importância é conferida ao fato de que se atribuem plenos direitos — inclusive políticos — a dezenas de milhões de pessoas que não mantêm qualquer contato com o território sob soberania italiana nem com a comunidade nacional, permitindo-lhes escolher se e quando se submeter aos deveres.
Na realidade, os princípios constitucionais mais frequentemente invocados nessa matéria não são exclusivos do ordenamento jurídico italiano.
Eles são patrimônio comum dos ordenamentos jurídicos dos países europeus, que todos, em maior ou menor grau, experimentaram significativos fenômenos migratórios.
Os principais países europeus preveem limitações à transmissão da cidadania por descendência para pessoas nascidas e residentes no exterior e que possuam outra cidadania.
Veja-se, por exemplo:
• Os artigos 17, letra a) 20, parágrafo 1, e 22, parágrafo 1, letras b) e f) do Código Civil espanhol (a primeira geração de nascidos no exterior pode adquirir a cidadania mediante declaração formal de opção; para a geração seguinte, há possibilidade de naturalização facilitada com um ano de residência na Espanha);
• O parágrafo 4(4) da atual Lei sobre Cidadania alemã de 1913 (os nascidos no exterior filhos de pais também nascidos no exterior adquirem a cidadania alemã apenas se forem registrados dentro de um prazo peremptório de um ano a partir do nascimento);
• O artigo 23-6 do Código Civil francês, que ameniza a ausência de limites geracionais na transmissão da cidadania no exterior, com a seguinte formulação do princípio da efetividade: “A perda da cidadania francesa pode ser reconhecida por sentença quando o interessado, de origem francesa por descendência, não possui nenhuma presunção legal de status francês e nunca teve residência habitual na França, caso seus ascendentes, dos quais deriva a nacionalidade francesa, também não tenham nem presunção legal de status francês, nem residência na França por pelo menos meio século. A sentença determina a data em que a cidadania francesa foi perdida. A sentença pode estabelecer que a cidadania foi perdida pelos ascendentes do interessado e que este jamais foi cidadão francês.”
Em todos os países mencionados, houve problemas intertemporais decorrentes da evolução da sensibilidade social, por exemplo, na eliminação das disparidades de gênero na transmissão da cidadania.
Em nenhum dos três países, contudo, foi prevista uma retroatividade ilimitada na equiparação.
No caso dos filhos nascidos dentro do casamento, a lei alemã de 1913 previa a prevalência da cidadania do pai.
Para os nascidos a partir de 1º de janeiro de 1975, foi prevista a equiparação plena entre a linha paterna e a materna para filhos nascidos no casamento.
Para os filhos de mãe alemã nascidos entre 1º de abril de 1953 e 31 de dezembro de 1974, foi prevista a possibilidade de solicitar a cidadania alemã por meio de declaração, a ser apresentada até 31 de dezembro de 1977.
Para filhos nascidos fora do casamento, a lei alemã de 1913 previa a prevalência da cidadania da mãe.
Os filhos ilegítimos de pai alemão só foram equiparados aos filhos legítimos de pai alemão a partir de 1º de julho de 1993.
Para os nascidos até 30 de junho de 1993, era possível adquirir a cidadania apenas com três anos de residência na Alemanha e com declaração apresentada antes de completar 23 anos de idade.
A quarta reforma da lei sobre cidadania, em vigor desde 20 de agosto de 2021, estabeleceu um prazo de 10 anos para os nascidos após 23 de maio de 1949 (data de entrada em vigor da Lei Fundamental da Alemanha, que consagra a igualdade entre os sexos) para apresentarem uma declaração de aquisição da cidadania alemã nos casos em que a legislação vigente à época de seu nascimento contivesse discriminações de gênero.
Concretamente, aplica-se a:
• filhos legítimos de mãe alemã nascidos entre 23 de maio de 1949 e 31 de dezembro de 1974;
• filhos nascidos entre 23 de maio de 1949 e 31 de março de 1953 de mãe alemã que tenha perdido a cidadania ao se casar com estrangeiro;
• cidadãos alemães de nascimento que tenham perdido a cidadania por legitimação por parte do pai estrangeiro entre 23 de maio de 1949 e 31 de março de 1953.
Essa declaração pode ser apresentada também por descendentes e implica a aquisição da cidadania com efeito retroativo (ex tunc).
Trata-se, portanto, de uma naturalização facilitada, condicionada ao cumprimento dos requisitos previstos para a naturalização, incluindo a ausência de condenações penais superiores a dois anos.
O artigo 3 da Constituição alemã estabelece, em termos amplamente coincidentes com o artigo 3 da Constituição italiana, o princípio da igualdade, com menção específica à igualdade entre homens e mulheres²¹.
Em resumo, mesmo diante de uma previsão constitucional idêntica, o ordenamento alemão regulou legislativamente os efeitos, evitando a criação retroativa de um número indeterminado de cidadãos que, por décadas, não exerceram direitos nem deveres, nem mantinham vínculo com vínculo particular com a Alemanha (caso estivessem residindo na Alemanha, poderiam perfeitamente ter solicitado a naturalização).
A legislação espanhola sempre previu, desde a redação original do Código Civil de 1889, a transmissão da cidadania tanto pela via paterna quanto materna.
O artigo 22 do Código Civil (na versão vigente até 5 de agosto de 1954) estabelecia que a esposa seguia a cidadania do marido, o que significava a perda da cidadania espanhola pela mulher que se casasse com um estrangeiro e adquirisse a cidadania dele.
A recente Lei nº 20/2022 (“Lei da Memória Democrática”) previu, somente para os filhos nascidos no exterior de mulheres espanholas que perderam a cidadania por casamento com estrangeiro antes da entrada em vigor da Constituição de 1978, a possibilidade de, no prazo de dois anos, optar pela cidadania espanhola.
Essa opção, no entanto, tem eficácia limitada aos filhos: para os netos, a cidadania só pode ser obtida por naturalização facilitada, mediante um ano de residência na Espanha.
A legislação francesa regula expressamente a aplicação intertemporal das modificações das leis sobre cidadania.
O artigo 17-1 do Código Civil (introduzido em 1993)²³ estabelece que as novas normas que atribuem a cidadania por nascimento se aplicam apenas às pessoas ainda menores de idade na data de sua entrada em vigor, sem prejuízo aos direitos adquiridos por terceiros e sem que a validade dos atos realizados anteriormente possa ser contestada com base na nacionalidade. A norma foi expressamente qualificada como de interpretação autêntica. O artigo 17-2 declara expressamente que a cidadania é determinada pela lei vigente no momento em que o ato ou fato ocorreu.
Como interpretação autêntica, é indicado expressamente que a norma se aplica às leis vigentes antes de 19 de outubro de 1945 (data da ordenação que promulgou o novo Código da Nacionalidade após a Segunda Guerra Mundial, um pouco antes da entrada em vigor da Constituição da IV República, que determinou a plena equiparação entre homens e mulheres).
Pois bem, a lei francesa vigente antes de 1945 (Lei sobre a Nacionalidade de 10 de agosto de 1927) permitia a transmissão da cidadania francesa por ambos os genitores, mas apenas em caso de filiação dentro do casamento e nascimento em território francês.
Nos demais casos, desde 1927, a cidadania também podia ser obtida pela via materna, mas com certas limitações e diferenças em relação à transmissão por via paterna.
A distinção para os nascidos no exterior foi eliminada com o Código da Nacionalidade de 1945, que passou a permitir apenas um direito de opção para os franceses iure sanguinis, a ser exercido nos seis meses anteriores ao alcance da maioridade.
As diferenças remanescentes entre a linha paterna e a materna só foram eliminadas com a A lei de 9 de agosto de 1973 eliminou as diferenças remanescentes entre linha paterna e materna. Com base nos artigos 17-1 e 17-2 do Código Civil francês, o momento do nascimento ainda hoje determina a cidadania, mesmo quando essa determinação se baseia em princípios já superados.
Em resumo, é hoje necessário que o legislador intervenha para introduzir, na disciplina da aquisição da cidadania, um equilíbrio entre os valores constitucionais, em consonância com as necessidades da realidade social atual. O “povo” identificado no artigo 1º da Constituição como detentor da soberania não pode ser uma entidade indeterminável, desvinculada de qualquer laço com o território nacional sobre o qual se exerce tal soberania.
Ao mesmo tempo, um direito tendencialmente universal à cidadania, com plenos direitos civis e políticos, ativável a qualquer momento a critério de uma massa de dezenas de milhões de pessoas nascidas e criadas no exterior e cidadãs de outros Estados, aos quais devem fidelidade, não assegura tratamento igualitário em relação àquelas pessoas que, vivendo e trabalhando no território nacional, participam plenamente do conjunto de direitos e deveres que constituem uma sociedade democrática.
O caráter fundamental desses princípios, enraizados nos artigos 1º e 3º da Constituição, justifica a limitação do caráter imprescritível atualmente reconhecido pela jurisprudência ao direito de fazer valer a cidadania adquirida por automatismos legais, quando tal status permaneceu adormecido devido à inatividade dos interessados e de seus ascendentes, resultante de um vínculo mais forte com outro Estado.
Em outras palavras, a possibilidade ilimitada de ajuizamento de ações com base na cidadania iure sanguinis de pessoas vivas pressupõe que seja igualmente possível, sem limites, o reconhecimento judicial da cidadania dos ascendentes dos quais o requerente declara derivar seu direito à cidadania, mesmo que esses ascendentes jamais tenham sido reconhecidos anteriormente como cidadãos.
O resultado é que se atribui retroativamente o status de cidadão a pessoas falecidas há muito tempo, que em vida nunca se consideraram cidadãs italianas nem exerceram os direitos e deveres inerentes a esse status.
A possibilidade de se ajuizar indefinidamente o reconhecimento do status de cidadania de gerações passadas transforma o status de cidadão em uma condição que pode ser ativada a qualquer momento por uma multidão indefinida de pessoas nascidas e residentes no exterior e que já possuem a cidadania de outros países, com os quais têm vínculos culturais e de fidelidade claramente mais fortes do que aqueles que possam ter com a Itália.
Conferir a essa vasta massa de pessoas o status de cidadãos em igualdade de condições com pessoas nascidas e residentes na Itália, ou que possuem apenas a cidadania italiana, e, portanto, efetivamente vinculadas ao território e à cultura do nosso país, entra em conflito com princípios elementares de razoabilidade, configurando tratamento idêntico para situações marcadamente diferentes.
Consequentemente, a possibilidade ilimitada de recorrer à justiça em relação a situações do passado amplamente esgotadas em sua relevância prática (como é o caso da atribuição post mortem do status de cidadania ou, de toda forma, da atribuição a pessoas que jamais exerceram e jamais exercerão os direitos e deveres a ela inerentes) configura uma forma irrazoável de definir o “povo” a quem cabe a soberania, conforme o artigo 1º da Constituição, e, por consequência, do corpo eleitoral que exerce tal soberania pelas vias próprias de um ordenamento democrático, como é o italiano.
É, portanto, necessário intervir para limitar a possibilidade de ações judiciais sem prazo sobre situações do passado, impondo a elas limites que considerem adequadamente a relevância objetiva da passagem de longos períodos de tempo sem que tenham ocorrido contatos com a Itália capazes de formalizar os vínculos jurídicos aos quais o cidadão está sujeito.
A possibilidade de se estabelecer esse equilíbrio legislativo é reconhecida na já citada sentença das Seções Unidas da Cassação nº 25317/2022, segundo a qual: “O princípio da efetividade se traduz em uma constatação de implicações específicas: cabe a cada Estado determinar as condições que uma pessoa deve satisfazer para ser considerada investida de sua cidadania, isso com o limite, puramente negativo, representado pela existência de um vínculo efetivo entre o Estado em questão e a pessoa.
Cabe à legislação nacional estabelecer qual é esse vínculo.
Assim, a efetividade define o limite da liberdade dos Estados de conceder a aquisição da cidadania àqueles que não apresentem qualquer ponto real de conexão com o conjunto de relações nas quais se expressa a cidadania efetiva (ou substancial).
A razão é que o vínculo de cidadania jamais pode estar fundada em uma ficção. O princípio implica, em conclusão, que deve existir um vínculo real entre o Estado e o indivíduo, com base em elementos que revelem a cidadania além do dado meramente formal.
Por sua vez, a jurisprudência constitucional tem indicado, desde os anos 1980, que a cidadania iure sanguinis (por descendência) não constitui um direito ilimitado, nem é insensível aos vínculos de fato entre o indivíduo e a comunidade estatal. De um lado, embora não se possa contestar o interesse juridicamente relevante de ambos os pais para que seus filhos sejam cidadãos, ou seja, membros da mesma comunidade estatal da qual fazem parte, reconheceu-se que não existe um “direito” dos pais de “transmitir aos filhos” os respectivos status civitatis, mas que “é sempre o ordenamento estatal que prevê as hipóteses nas quais se realiza a aquisição da cidadania iure sanguinis”.
De outro lado, observou-se que “mais do que enfatizar a vontade do sujeito, valoriza-se a necessidade de uma assimilação jurídica à comunidade estatal por parte daqueles que são considerados, efetiva ou potencialmente, integrados à realidade sociopolítica que o ordenamento deve regular” (sentença nº 30 de 1983).
De forma coerente com essas indicações, as Seções Unidas da Corte de Cassação reconheceram que “nenhuma referência exclusiva ao nascimento ou ao mero jus sanguinis justificava ou justifica a aquisição do status de cidadão, que surge da filiação – hoje inclusive adotiva – sendo duvidosa e superada a conexão entre o simples fato de nascer de uma pessoa com uma cidadania específica e a aquisição dessa cidadania, com uma visão que se aproxima perigosamente do conceito de ‘raça’, incompatível com a civilização e, antes de tudo, com o artigo 3º da Constituição” (sentença nº 4466 de 2009).
Com referência específica aos parâmetros do juízo de igualdade/razoabilidade conforme o artigo 3º da Constituição, a Corte Constitucional afirmou que: “O princípio da igualdade exige que a uma categoria de pessoas, definida segundo características idênticas ou razoavelmente homogêneas em relação ao objetivo da norma considerada, seja atribuído um tratamento jurídico idêntico ou homogêneo, razoavelmente proporcional às características essenciais pelas quais essa categoria foi definida. Ao contrário, quando os sujeitos abrangidos por determinada norma, dirigida a disciplinar uma determinada situação, compõem uma classe de pessoas com características não homogêneas em relação ao objetivo da norma, o tratamento jurídico será conforme ao princípio da igualdade somente se resultar razoavelmente diferenciado com base nas distintas características próprias das subcategorias de pessoas que compõem essa classe […] O princípio da igualdade impõe ao juiz constitucional a verificação de que não haja violação de nenhum dos seguintes critérios:
a) correção da classificação feita pelo legislador em relação aos sujeitos considerados, tendo em conta a disciplina normativa instituída;
b) previsão, pelo mesmo legislador, de um tratamento jurídico homogêneo, razoavelmente proporcional às características essenciais da classe (ou das classes) de pessoas às quais esse tratamento se refere;
c) proporcionalidade do tratamento jurídico em relação à classificação realizada pelo legislador, levando em conta o objetivo da norma, proporcionalidade essa que deve ser examinada à luz dos efeitos práticos produzidos ou passíveis de serem produzidos nas relações concretas da vida” (sentença nº 163 de 1993).
Pois bem, reconhecer os mesmos direitos àqueles que têm apenas um vínculo biológico com uma pessoa que emigrou do nosso país há muito tempo, sem mais nenhum contato com a comunidade nacional, e a um cidadão nascido e criado na Itália, que frequentou escolas italianas e contribui ativamente para o desenvolvimento econômico e social da República, de fato configura uma violação ao princípio da igualdade, nos aspectos da proporcionalidade e razoabilidade do tratamento, justamente em razão dos efeitos práticos produzidos ou passíveis de serem produzidos nas relações concretas da vida.
Paralelamente, a Corte Constitucional também reconheceu como elemento significativo no juízo de igualdade o decurso do tempo, afirmando que “os eventos sobre os quais incide o passar do tempo são caracterizados por peculiaridades que os diferenciam de situações análogas, objeto de comparação” (sentença nº 6 de 1988), uma vez que “a sucessão no tempo de fatos e atos pode, por si só, tornar legítima a aplicação de uma determinada disciplina em relação a outra”.
Sob esse último ponto de vista, não se pode negar que, ao longo do tempo, os vínculos sociais, culturais e econômicos com o país de emigração se enfraquecem e, correlativamente, os vínculos com o país de radicação se tornam cada vez mais fortes, até se tornarem praticamente exclusivos no decorrer das gerações seguintes.
Ao lado do abandono da absoluta imprescritibilidade do status de cidadania (que, como mencionado, praticamente não encontra paralelo na legislação de outros países próximos a nós por cultura e tradição jurídica), parece mais coerente com o princípio da efetividade retornar à atribuição aos fatos e situações, aos quais a lei vincula a aquisição ou modificação do status de cidadão, do chamado “efeito instantâneo”, mencionado na sentença das Seções Unidas da Cassação n. 12061/1998. Isso, antes de tudo, em conformidade com a letra da lei. O Código Civil de 1865 não atribuía, como se alega, relevância à filiação, mas sim ao nascimento: o artigo 4º deve, de fato, ser lido em conjunto com os artigos 5º e 6º (que atribuíam relevância aos eventos relativos à cidadania do pai ou, com base no artigo 7º, da mãe, ocorridos “antes do nascimento do filho”), com o artigo 10, último parágrafo (que estabelece o princípio da iuris communicatio no caso de naturalização), com os artigos 11 e 14 (que definem com precisão o momento da perda da cidadania) e sobretudo com o artigo 15 (“A aquisição ou o reingresso na cidadania nos casos anteriormente descritos só tem efeito a partir do dia seguinte àquele em que foram cumpridas as condições e formalidades estabelecidas”).
A Lei nº 555/1912 confirmou esse arcabouço: além da correspondência praticamente exata de suas disposições específicas com as revogadas do Código Civil de 1865, o artigo 19 sublinha o mencionado efeito instantâneo (“O status de cidadania adquirido antes da presente lei não se modifica, salvo por fatos posteriores à entrada em vigor desta”), permitindo apenas por um breve período a possibilidade de reivindicar a cidadania conferida pela Lei de 1912 e anteriormente negada pelo Código Civil de 1865. Portanto, na ausência dessas manifestações de vontade, não se justifica uma interpretação retroativa do artigo 7 da mesma Lei nº 555/1912 (aqueles em posse de uma cidadania estrangeira adquirida iure soli não poderiam, com base no artigo 11 do Código Civil de 1865, gozar da cidadania italiana adquirida iure sanguinis, assim como, de acordo com a interpretação mais recente da Corte de Cassação, não poderiam mantê-la caso o genitor a tivesse perdido por naturalização).
A Lei nº 91/1992 (artigos 15 e 20) reproduz substancialmente as previsões da Lei nº 555/1912 (artigos 13 e 19), confirmando assim a cristalização e irretratabilidade dos fatos e situações anteriormente ocorridos. Tal interpretação parece mais aderente ao correto equilíbrio dos valores constitucionais, admitindo no “povo” indicado no artigo 1º da Constituição somente aqueles que, mesmo se submetendo às formalidades previstas por lei, demonstram querer fazer parte dele com um exercício ativo de direitos e deveres. Uma verificação que, na verdade, seria impossível em relação àqueles que já estão falecidos no momento em que os descendentes manifestam interesse em obter o reconhecimento dos efeitos (na maioria das vezes exclusivamente positivos) da pertença à comunidade nacional italiana.
Fora do ordenamento jurídico nacional, a atribuição da cidadania italiana também tem consequências à luz do direito da União Europeia, dado o artigo 9º do Tratado da União Europeia, segundo o qual: “A União respeita, em todas as suas atividades, o princípio da igualdade dos cidadãos, que se beneficiam de igual atenção por parte de suas instituições, órgãos e organismos. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a cidadania de um Estado-membro. A cidadania da União soma-se à cidadania nacional, sem a substituir”.
A cidadania de um Estado-membro é, portanto, o pressuposto jurídico para a titularidade da cidadania europeia. Nesse sentido, desde as decisões Airola (1975) e Micheletti (1992), o Tribunal de Justiça da União Europeia interveio sobre o tema, estabelecendo o princípio geral segundo o qual: “A determinação das formas de aquisição e perda da cidadania compete, em conformidade com o direito internacional, à competência de cada Estado-membro, competência que deve ser exercida no respeito do direito comunitário”. Assim, a conduta dos Estados-membros quanto às formas de concessão ou revogação da cidadania nacional está sujeita à análise do Tribunal de Justiça da União Europeia, em relação ao respeito pelo direito da União.
Indo ainda mais longe, com a sentença Tjebbes, o Tribunal de Justiça da UE afirmou que “no exercício da sua competência para definir os modos de aquisição e perda da cidadania, é legítimo que um Estado-membro considere que a cidadania seja expressão de um vínculo efetivo entre ele e os seus cidadãos, e que, consequentemente, vincule à ausência ou à cessação de tal vínculo efetivo a perda da sua cidadania”. A perda da cidadania de um Estado-membro baseada na ausência de um vínculo efetivo entre o cidadão e o Estado foi também objeto da sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia de 5 de setembro de 2023, Udlændinge- og Integrationsministeriet (Perda da nacionalidade dinamarquesa), Processo C-689/21. Nessa decisão, o Tribunal de Luxemburgo, ao reiterar o princípio consolidado de que a determinação das formas de aquisição e perda da cidadania cabe, em conformidade com o direito internacional, à competência de cada Estado-membro e que, em situações abrangidas pelo direito da UE, essa competência deve ser exercida no respeito do direito da União, reafirmou a legitimidade do objetivo de uma legislação nacional destinada a proteger a relação de solidariedade e lealdade entre um Estado-membro e seus cidadãos, e a reciprocidade de direitos e deveres que constituem o fundamento da cidadania.
De forma mais geral, o Tribunal de Justiça da União Europeia afirmou que as competências dos Estados em matéria de cidadania devem ser exercidas no respeito ao princípio da proporcionalidade (artigo 5.º, n.º 4, do TUE). Cabe ainda destacar que, mesmo respeitando devidamente as prerrogativas e a soberania dos Estados-membros, as legislações nacionais sobre cidadania devem estar em conformidade com o princípio da cooperação leal entre os Estados, previsto no artigo 4.º, n.º 2, do TUE, com o qual conflita a atribuição da cidadania europeia a um número indeterminado e indeterminável — ainda que quantificável em dezenas de milhões — de cidadãos de países terceiros. Como já mencionado, outros ordenamentos europeus reconhecem expressamente o princípio da efetividade em matéria de cidadania e não têm sido até agora objeto de críticas no âmbito europeu.
VI. Exposição da Intervenção Normativa
O artigo 1º, parágrafo 1º, contém uma disposição substancial que modifica as regras de transmissão da cidadania, conciliando diversas exigências, expressão, por sua vez, de diferentes valores constitucionais que precisam ser equilibrados: a manutenção dos laços com a Itália e o incentivo ao retorno migratório dos descendentes dos emigrados italianos e, ao mesmo tempo, a afirmação da necessidade de que a aquisição e a manutenção da cidadania italiana estejam ancoradas a vínculos efetivos com a República e com o seu território, evitando, para o futuro, o reconhecimento da cidadania a pessoas — ainda que nascidas anteriormente — que não correspondam às atuais exigências da comunidade nacional.
Na verdade, a medida dá aplicação concreta no nosso ordenamento ao princípio internacional do “vínculo efetivo” (genuine link), que não permite a oponibilidade de uma cidadania adquirida sem um vínculo efetivo com o país que a confere. Tal disposição se faz necessária para permitir uma determinação exata do “povo” ao qual o artigo 1º da Constituição atribui a soberania, ancorando tal noção ao território da República ou, de qualquer modo, a um vínculo ininterrupto e objetivo com ela. Isso também serve para aplicar o princípio da cooperação leal nas relações internacionais e com a União Europeia.
A aquisição da cidadania italiana implica automaticamente a aquisição da cidadania europeia com base no artigo 4º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, com a consequência de que nenhum Estado-membro é completamente livre para conceder sua cidadania a uma quantidade de milhões de habitantes de países extraeuropeus. Em outras palavras, a concessão da cidadania italiana não tem efeitos limitados ao ordenamento jurídico italiano, mas exige ser plenamente reconhecida pelos outros Estados e, em primeiro lugar, pelos da União Europeia.
Essa concessão deve, portanto, estar em conformidade com o princípio enunciado pela Corte Internacional de Justiça já na sentença do caso Nottebohm (Liechtenstein v. Guatemala) de 6 de abril de 1955: “para ser suscetível de ser invocada contra outro Estado, a cidadania deve corresponder à situação de fato” e, consequentemente, “a cidadania é um vínculo jurídico que tem como base um fato social de conexão, uma solidariedade efetiva de existência, de interesses, de sentimentos, unida a uma reciprocidade de direitos e deveres”.
O artigo 1º, parágrafo 1º, introduz o novo artigo 3-bis da Lei nº 91/1992, que concretiza o princípio do vínculo efetivo, limitando o reconhecimento da cidadania para aqueles que nasceram e residem no exterior.
A disposição é inserida após o artigo 3 da lei, pois não se trata de um caso de perda da cidadania italiana além daqueles previstos pelo artigo 13, mas sim de uma exclusão, com efeitos ex tunc, à aquisição automática da cidadania. A disposição, portanto, será aplicada em todos os casos em que, no futuro, a administração ou o juiz forem chamados a decidir sobre o reconhecimento de uma aquisição de cidadania, reivindicada com base na simples aplicação automática da lei, mas sem que, ao longo do tempo, os requerentes ou seus antecessores tenham realizado atos capazes de concretizar um vínculo real com a Itália em termos de exercício de direitos e cumprimento de deveres relacionados ao status de cidadão.
A possibilidade de tal avaliação também para pessoas já nascidas no momento da entrada em vigor da disposição aqui comentada é garantida pela longa vigência do princípio internacional do vínculo efetivo: a sentença da Corte Internacional de Justiça no caso Nottebohm indicou que já em 1955 existia uma ampla prática internacional em apoio à vigência desse princípio.
Além disso, deve-se observar que a “reconstrução” de um status de cidadania latente por um longo período, muitas vezes nunca reivindicado ao longo de gerações inteiras, é de qualquer forma uma operação que produz efeitos essencialmente para o futuro. Antes do reconhecimento como cidadãos, os interessados não gozavam desse status, sendo assim razoável, no balanço dos interesses constitucionais subjacentes à própria noção de cidadania, verificar a atualidade e a efetividade do vínculo com a comunidade nacional por parte daqueles que aspiram a obter uma cidadania fundada meramente no fato biológico da descendência.
Dado que a transmissão da cidadania deve basear-se em pressupostos claros, oponíveis judicialmente, a disposição tipifica, como expressões de vínculo efetivo, algumas circunstâncias objetivas, dedutíveis de atos concretos que indiquem um vínculo jurídico real e sólido com a Itália, resultante de registros públicos italianos (os registros do estado civil, de passaportes, de carteiras de identidade): não se trata apenas de uma limitação dos meios de prova, mas também de uma condição substancial.
A disposição é, portanto, uma implementação legislativa adicional dos princípios enunciados na referida sentença Nottebohm, que confere prevalência, na determinação da cidadania, à “cidadania efetiva, aquela que corresponde à situação de fato, aquela que se baseia em um vínculo de fato mais forte entre o interessado e o Estado”.
Considerou-se também a necessidade de que o vínculo efetivo seja um vínculo formal com o Estado italiano, e não um mero vínculo étnico ou biológico, em conformidade com o conceito internacionalmente reconhecido de cidadania, conforme resumido no artigo 2, letra a, da Convenção de 1997 do Conselho da Europa (“a nacionalidade é o vínculo jurídico com um Estado e não indica a origem étnica de uma pessoa”).
Em detalhes, o novo artigo 3-bis trata de forma uniforme — e de acordo com os novos princípios de efetividade do vínculo — tanto a atribuição da cidadania iure sanguinis aos nascidos no futuro quanto o reconhecimento futuro da cidadania a pessoas nascidas antes da entrada em vigor da disposição. Isso é esclarecido pela menção de que a norma derroga expressamente os artigos 1, 2, 3, 14 e 20 da Lei de 5 de fevereiro de 1992, n.º 91; o artigo 5 da Lei de 21 de abril de 1983, n.º 123; os artigos 1, 2, 7, 10, 12 e 19 da Lei de 13 de junho de 1912, n.º 555; bem como os artigos 4, 5, 7, 8 e 9 do Código Civil aprovado pelo Regio Decreto de 25 de junho de 1865, n.º 2358.
Como mencionado acima, trata-se de uma hipótese de não aquisição ex tunc da cidadania, e não de perda da mesma: a pessoa nascida no exterior — tanto antes quanto depois da entrada em vigor do novo artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992 — será considerada como nunca tendo adquirido a cidadania, caso se encontre nas condições previstas por essa norma. Isso visa evitar disparidades de tratamento irrazoáveis entre pessoas nascidas após a entrada em vigor da presente reforma e aquelas nascidas anteriormente, mas que, no momento da entrada em vigor da modificação, jamais exerceram qualquer direito ou cumpriram qualquer dever inerente à cidadania.
De fato, desde o momento em que a definição da comunidade nacional se torna subordinada a um vínculo (identificado pela norma no número de gerações decorridas desde a emigração), seria irrazoável continuar reconhecendo a cidadania a quem não possui tal vínculo. O artigo 1, parágrafo 1, portanto, introduz um novo artigo 3-bis na Lei n.º 91/1992, segundo o qual a aquisição automática da cidadania por descendência, adoção ou outra causa (como, por exemplo, aquela prevista no artigo 10, segundo parágrafo, da Lei n.º 555/1912 antes da entrada em vigor da Lei n.º 123/1983) será considerada como nunca tendo ocorrido em favor da pessoa nascida antes ou depois da entrada em vigor da reforma, caso ela se encontre em uma das situações descritas a seguir.
Em primeiro lugar, o caput introduz o novo princípio fundamental: a cidadania não se transmite automaticamente aos nascidos no exterior, e se preclui o seu reconhecimento também aos nascidos no exterior antes da entrada em vigor da disposição. Há exceções a esse novo princípio, previstas tanto no próprio caput quanto nas alíneas de “a)” a “e)”. Basta que ocorra uma única dessas exceções para que a cidadania se transmita automaticamente mesmo para quem nasce no exterior.
A primeira exceção é estabelecida já no próprio caput: em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre a Redução dos Casos de Apatridia (ratificada e executada na Itália nos termos da Lei de 29 de setembro de 2015, n.º 162), o novo artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992 será aplicado apenas aos nascidos no exterior que possuam outra cidadania. Portanto, não haverá limitações geracionais na transmissão da cidadania italiana iure sanguinis aos nascidos no exterior que não adquiram, por qualquer título, uma cidadania diversa no momento do nascimento (por exemplo, iure soli, se assim prevê a lei do Estado de nascimento, ou iure sanguinis, no caso de um dos pais possuir outra cidadania que se transmita automaticamente aos filhos).
As alíneas “a)” e “b)” estabelecem duas exceções à preclusão estabelecida no caput, referidas diretamente ao interessado. A alínea a) ressalva o caso da pessoa reconhecida como cidadã por autoridade consular ou pelo prefeito competente, com base em pedido apresentado até 27 de março de 2025 às 23:59 (horário de Roma), independentemente do local em que o pedido tenha sido apresentado: desse modo, atribui-se relevância não ao fato fortuito de ter nascido antes ou depois da data de entrada em vigor da presente disposição, mas sim à circunstância de o sujeito ter ou não se ativado antes dessa data. A norma deixa claro que a exceção só se aplica aos reconhecimentos legitimamente realizados em decorrência de pedido feito para tal fim: essa delimitação expressa visa conferir a necessária certeza às hipóteses de aquisição da cidadania, prevendo que sejam relevantes apenas as decisões administrativas expressamente destinadas ao reconhecimento da cidadania ou dela diretamente decorrentes. Portanto, não será válida uma simples solicitação de agendamento ou outra manifestação genérica de interesse. Evita-se, assim, que o interessado possa invocar um ato administrativo de qualquer natureza que mencione o status de cidadão de forma meramente indireta ou incidental, sem que tenha havido um reconhecimento nas formas previstas pela lei e em conformidade com os requisitos exigidos. A disposição também especifica que os pedidos apresentados até as 23h59 de 27 de março de 2025 (horário de Roma) serão decididos com base na legislação vigente em 27 de março de 2025.
A alínea b) estabelece uma outra exceção relacionada diretamente ao interessado. Em conformidade com os princípios gerais e a fim de evitar ainda mais o prolongamento dos tempos processuais, prevê-se a validade dos reconhecimentos judiciais de cidadania referentes a processos iniciados com ação judicial proposta antes de 27 de março de 2025 às 23h59 (horário de Roma). O tratamento diferente em relação aos procedimentos administrativos justifica-se pela intrínseca diversidade entre o reconhecimento judicial e o administrativo, além da necessidade de evitar o aumento do acúmulo de processos judiciais civis, em descompasso com os objetivos do PNRR (Plano Nacional de Recuperação e Resiliência). A disposição também estabelece que os pedidos apresentados até as 23h59 do dia 27 de março de 2025 serão julgados com base na legislação aplicável naquela data.
As alíneas c) e d) trazem exceções relacionadas aos pais ou adotantes. Para que não opere a preclusão da transmissão da cidadania prevista no caput, basta que um dos pais cidadãos italianos tenha nascido na Itália ou tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento do interessado. Se ambos os pais forem cidadãos, é suficiente que apenas um deles cumpra o requisito de nascimento ou de residência estabelecido pela lei. Caso apenas um dos pais seja cidadão, esse será o único relevante para a verificação do requisito, sendo irrelevante a nacionalidade ou residência do outro genitor estrangeiro — a cidadania não será transmitida ao filho se somente o genitor estrangeiro tiver nascido ou residido na Itália.
Essa residência “qualificada” — de pelo menos dois anos consecutivos — alinha-se com o panorama jurídico internacional. O artigo 7, letra e, da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade de 1997 faz uso da expressão “residência habitual”. Essa Convenção ainda não está em vigor na Itália, mas, tendo sido ratificada por 21 Estados europeus, representa um importante parâmetro para uma reforma que considere os impactos internacionais da legislação sobre cidadania.
No direito italiano (artigo 43, parágrafo 2.º, do Código Civil), a residência já é definida como “domicílio habitual”. No entanto, não faltam exemplos, tanto no direito internacional quanto no europeu, em que a residência é ainda mais qualificada. Dado que se trata de uma condição que possui um peso decisivo para a aquisição ou não da cidadania italiana, a residência — que deve ser efetiva e comprovada pela autoridade competente nos termos da lei — deverá ter duração mínima. Assim, não será suficiente ter registrado residência na Itália por um breve período apenas para contornar a limitação prevista pelo novo artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992. Pelo contrário, será exigida uma permanência em território italiano concretizada por pelo menos dois anos consecutivos.
Por fim, para maior clareza, destaca-se que o filho nascido no exterior de genitor que esteja fora do território nacional por missão oficial a serviço do Estado italiano não se enquadra nas restrições do novo artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992. Isso porque esse genitor não pode ser considerado residente no exterior, já que é proibido o registro desses servidores nas listas do AIRE (Anagrafe degli Italiani Residenti all’Estero) conforme o artigo 1, parágrafo 9, letra b), da Lei de 27 de outubro de 1988, n.º 470 (“Não são inscritos nas referidas anagrafes […] os funcionários públicos em serviço no exterior e as pessoas que com eles convivem, desde que tenham sido notificados às autoridades locais nos termos das Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares de 1961 e 1963, ratificadas pela Lei de 9 de agosto de 1967, n.º 804”).
A alínea e), por fim, estabelece uma outra exceção à preclusão da transmissão da cidadania italiana determinada pelo caput do novo artigo 3-bis. Para que tal preclusão não se aplique, será suficiente que um só dos ascendentes cidadãos de primeiro grau dos pais ou dos adotantes tenha nascido na Itália.
Destaca-se que as alíneas c), d) e e) preveem que os requisitos de nascimento e residência sejam avaliados somente em relação aos ascendentes que possuam cidadania italiana (respectivamente, pais e avós no caso do nascimento e apenas os pais no caso da residência): essa escolha foi motivada pela necessidade de vincular a transmissão automática da cidadania à existência de um vínculo efetivo com a Itália, tanto por parte dos ascendentes cidadãos quanto por parte do descendente ao qual a cidadania será transmitida.
Aos filhos reconhecidos, declarados judicialmente ou não reconhecíveis, aplicam-se os mesmos critérios previstos, de maneira geral, no artigo 1 da Lei n.º 91/1992, conforme determinado pelo artigo 2 da mesma lei. Também aos filhos adotivos aplica-se a mesma disciplina, como expressamente previsto no novo artigo 3-bis da lei.
O novo artigo 3-bis é inspirado em princípios comuns à legislação de diversos países europeus, especialmente da Espanha (artigo 20, parágrafo 1, letra b, do Código Civil, que limita a transmissão à apenas uma geração e não de forma totalmente automática, exigindo uma declaração a ser feita antes dos 20 anos de idade) e da Alemanha (parágrafo 4, inciso 4, da lei de cidadania de 1913, no texto atualmente vigente, que não permite que filhos de alemães nascidos no exterior, também nascidos no exterior, adquiram automaticamente a cidadania alemã, salvo se registrados no prazo de um ano a partir do nascimento). Em comparação com os exemplos espanhol e alemão, optou-se por ampliar o número de gerações (de uma para duas) nas quais continuará a operar a transmissão automática da cidadania italiana mesmo em caso de nascimento no exterior, já que é a primeira vez que a legislação italiana introduz limitações geracionais. Ao mesmo tempo, evitou-se impor ônus administrativos de declaração, mantendo por ora o princípio da total automaticidade da transmissão, embora com limitações baseadas na geração.
Em virtude do disposto no parágrafo 2, o ônus de provar que não se aplica a preclusão ao reconhecimento da cidadania, como determinado pelo novo artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992, recai sobre o requerente. Não são aceitos como provas o juramento nem o testemunho oral.
Em particular, o novo parágrafo 2-ter do artigo 19-bis do Decreto Legislativo n.º 150/2011 estabelece uma disciplina específica sobre o ônus da prova em litígios relativos à cidadania. Segundo a sentença das Seções Unidas da Corte de Cassação n.º 25317/2022, quem reivindica a posse da cidadania iure sanguinis tem apenas o ônus de provar o vínculo de descendência, sendo atribuído ao Estado (normalmente representado pelo Ministério do Interior) o ônus de provar a existência de eventuais causas impeditivas à aquisição ou à manutenção da cidadania.
Contudo, essa distribuição do ônus da prova não se revela adequada à realidade concreta dos litígios sobre cidadania, nos quais apenas os requerentes têm acesso aos fatos e documentos relevantes. Com efeito, a legislação previu (pelo menos até 15 de agosto de 1992) eventos significativos que interrompem a aquisição ou manutenção da cidadania, todos ocorridos em ordenamentos jurídicos estrangeiros (como mudanças de residência, aquisição voluntária de outra cidadania, exercício voluntário de direitos políticos após a aquisição não voluntária de uma cidadania estrangeira).
Não é razoável, nesse contexto, impor ao Estado o ônus (inclusive financeiro) de realizar pesquisas em arquivos estrangeiros sobre tais fatos e situações, que muitas vezes são bastante antigos. Na prática, a distribuição do ônus da prova determinada pela sentença citada representa uma vantagem indevida para os requerentes e um ônus financeiro irrazoável para o Estado italiano, premiando de forma desproporcional situações de prolongada inércia dos interessados.
RELAÇÃO TÉCNICA
O artigo 1º, parágrafo 1, introduz um novo artigo 3-bis na Lei nº 91, de 5 de fevereiro de 1992. A disposição introduz uma limitação na transmissão da cidadania por nascimento (isto é, a cidadania adquirida automaticamente por descendência de cidadão ou cidadã italianos). Os filhos de pai ou mãe cidadãos, nascidos no exterior, tanto antes quanto depois da entrada em vigor da disposição, quando seus ascendentes de primeiro e segundo grau também tiverem nascido no exterior, não serão mais automaticamente cidadãos, salvo nas hipóteses expressamente previstas na norma (pessoas que não possuam outra cidadania; pessoas das quais um dos pais cidadãos tenha residido na Itália por pelo menos dois anos antes do nascimento; pessoas que tenham apresentado validamente um pedido documentado em sede administrativa ou judicial antes de 27 de março de 2025).
A disposição não acarreta novos ou maiores encargos para as finanças públicas. Embora reduza a base teórica de pessoas que podem solicitar o reconhecimento da cidadania junto às repartições diplomático-consulares, não se imputam à disposição efeitos de redução da arrecadação da taxa consular prevista no artigo 7-bis da Tabela Consular anexa ao Decreto Legislativo nº 71/2011 (fixada em 600 euros, conforme disposto, por fim, no artigo 1º, parágrafo 639, da Lei Orçamentária de 2025). Na data atual, de fato, a quantidade de pedidos que os consulados podem receber é notavelmente inferior à demanda existente.
No primeiro século da história da unidade nacional, cerca de 27 milhões de cidadãos italianos emigraram. Uma estimativa conservadora calcula em mais de 60 milhões o número de ítalo-descendentes. Entre esses, o número daqueles que possuem pelo menos um ascendente de segundo grau (avô ou avó) nascido na Itália ainda é particularmente elevado, tendo em vista que a emigração transoceânica em massa durou até bem depois da Segunda Guerra Mundial.
A estimativa da base residual foi obtida a partir de certos índices presuntivos, com base na atividade dos consulados nos últimos anos. Os pedidos de cidadania definidos pelos consulados em 2023 foram 69.056, enquanto estavam pendentes 135.197 solicitações. Em relação aos dados de 2022, registra-se um aumento de cerca de 27% nos pedidos definidos (54.180 em 2022), correspondendo, contudo, a um aumento de 112% nas solicitações em lista de espera (63.598 em 2022).
A projeção matemática dos dados relativos à comparação entre 2022 e 2023 — dois anos que podem ser considerados representativos do ponto de vista do tratamento das solicitações, dado que houve plena retomada da atividade consular após o biênio 2020-2021, marcado pelas restrições da pandemia — mostra que o “descompasso” entre a demanda potencial e a capacidade concreta de processamento por parte dos consulados, mantidas as mesmas condições, tende a se ampliar exponencialmente.
Numa projeção de 10 anos, estimando um aumento percentual constante de 27% ao ano no número de solicitações processadas, e um aumento de 112% ao ano no número de novos pedidos, haverá 186.451 solicitações processadas frente a nada menos que 1.514.206 solicitações pendentes.
Trata-se, além disso, de uma hipótese que superestima a ampliação da capacidade operacional do serviço, pois se baseia no pressuposto de um aumento constante da atividade dos consulados — algo que, mantidos os mesmos recursos humanos e estruturais, é bastante improvável de ocorrer na prática, especialmente ao longo de um período tão prolongado.
Mesmo admitindo um aumento das solicitações apresentado de forma menos acentuada do que os 112% da simulação anterior, permanece confirmada a impossibilidade de gestão de todos os pedidos pelos consulados, dada sua capacidade de processamento inferior à demanda.
Conclui-se, assim, que a redução da base potencial de solicitantes, causada pela limitação dos casos de aquisição da cidadania iure sanguinis, conforme previsto no artigo 1º, parágrafo 1, do presente dispositivo, não acarretará, mesmo em um horizonte temporal de médio a longo prazo, uma redução no número efetivo de solicitações recebidas pelos consulados. Isso porque a diferença entre a demanda e a oferta desse serviço é tão ampla que, mesmo com a diminuição dos titulares de direito, o número de requerentes continuará a ser superior à capacidade máxima de processamento dos consulados.
Ressalta-se, ainda, que a contribuição consular é devida pela análise do pedido, e não pelo efetivo reconhecimento da cidadania: com efeito, não se podem excluir, especialmente no primeiro período, inúmeros casos de pedidos apresentados mesmo sem os requisitos legais. Além disso, o fato de a lei agora limitar o número de gerações pelas quais a cidadania pode ser transmitida para os nascidos no exterior implica que os processos de reconhecimento da cidadania dos descendentes serão no futuro mais simples (sendo excluídas as longas cadeias de transmissão hoje previstas). Com isso, é possível que a disposição acarrete, ao menos em um horizonte de curto a médio prazo (alguns anos), um aumento no número de pedidos que os consulados poderão receber e processar, já que para cada processo será requerido um tempo de análise aproximadamente proporcional ao número de gerações a serem “reconstruídas” durante o procedimento.
No que se refere, por outro lado, à contribuição administrativa de até 600 euros que os municípios podem exigir pelos pedidos de reconhecimento iure sanguinis, nos termos do artigo 1º, parágrafo 636, da Lei Orçamentária de 2025, recorda-se que, diferentemente do que é previsto para a taxa de valor equivalente cobrada pelos consulados, essa disposição confere aos municípios uma faculdade e não um dever legal de instituir a cobrança. Trata-se, além disso, de norma de introdução recente e que ainda não produziu efeitos significativos nos orçamentos municipais. De qualquer forma, no contexto da Lei Orçamentária de 2025, não foram prudencialmente atribuídos efeitos financeiros favoráveis à disposição. Assim, a variação na base teórica de possíveis requerentes não pode ser associada a impactos nos saldos das finanças públicas.
Esclarece-se que as normas que instituem as taxas administrativas em favor dos consulados e dos municípios (artigo 7-bis da Tabela Consular anexa ao Decreto Legislativo nº 71/2011 e artigo 1º, parágrafos 636 e 637 da Lei Orçamentária de 2025) estabelecem expressamente que os valores são devidos pela análise do pedido e não pelo reconhecimento da cidadania: os valores são arrecadados mesmo em caso de indeferimento do pedido, inclusive por normas supervenientes.
O parágrafo 2 contém disposições de caráter processual que não são suscetíveis de gerar novos ou maiores encargos para as finanças públicas. Regula-se, em particular, o ônus da prova nos procedimentos de reconhecimento da cidadania.
PROJETO DE LEI
Art. 1º
1. É convertido em lei o Decreto-Lei 28 de março de 2025, n. 36, que contém disposições urgentes em matéria de cidadania.
2. A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário Oficial da República Italiana.
Disposições urgentes em matéria de cidadania.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Vistos os artigos 77 e 87, quinto parágrafo, da Constituição;
Vista a Lei de 23 de agosto de 1988, n. 400, que disciplina a atividade do Governo e a organização da Presidência do Conselho de Ministros, em particular o artigo 15;
Visto o Código Civil aprovado pelo Decreto Real de 25 de junho de 1865, n. 2358, e em particular os artigos de 4 a 15;
Vista a Lei de 13 de junho de 1912, n. 555, contendo disposições “Sobre a cidadania italiana”;
Vista a Lei de 21 de abril de 1983, n. 123, contendo “Disposições em matéria de cidadania”;
Vista a Lei de 5 de fevereiro de 1992, n. 91, contendo “Novas normas sobre a cidadania”;
Visto o Decreto Legislativo de 1º de setembro de 2011, n. 150, contendo “Disposições complementares ao Código de Processo Civil em matéria de redução e simplificação dos procedimentos civis de cognição, nos termos do artigo 54 da Lei de 18 de junho de 2009, n. 69”, e em particular o artigo 19-bis;
Considerando que as disposições posteriormente adotadas em matéria de cidadania desde a reunificação nacional foram até agora interpretadas no sentido de conceder às pessoas nascidas no exterior a faculdade de solicitar o reconhecimento da cidadania sem qualquer limite temporal ou geracional, nem encargos de demonstrar a existência ou a manutenção de vínculos efetivos com a República;
Considerando que esse arranjo normativo determina o crescimento contínuo e exponencial do número de potenciais cidadãos italianos residentes fora do território nacional e que, também em razão da posse de uma ou mais cidadanias diversas da italiana, estão predominantemente ligados a outros Estados por vínculos profundos de cultura, identidade e fidelidade;
Considerando que a possível ausência de vínculos efetivos com a República por parte de um número crescente de cidadãos — que poderia alcançar uma quantidade igual ou superior à população residente no território nacional — constitui um fator de risco sério e atual para a segurança nacional e, em virtude da adesão da Itália à União Europeia, também para os demais Estados membros da mesma e do Espaço Schengen;
Considerando que, em aplicação do princípio da proporcionalidade, é oportuno prever a manutenção da cidadania italiana e, consequentemente, europeia para as pessoas nascidas e residentes no exterior às quais o status de cidadão já tenha sido validamente reconhecido;
Considerando que é oportuno prever a aplicação da legislação substantiva anterior às controvérsias judiciais e aos procedimentos administrativos instaurados antes da deliberação do Conselho de Ministros sobre o presente decreto;
Considerada, portanto, a necessidade e urgência extraordinárias de introduzir limitações à transmissão automática da cidadania italiana para pessoas nascidas e residentes no exterior, condicionando-a a indicadores claros da existência de vínculos efetivos com a República;
Considerada, portanto, a necessidade e urgência extraordinárias de realizar um balanceamento entre os princípios dos artigos 1º e 3º da Constituição, aplicando as referidas limitações a todos os futuros reconhecimentos de cidadania italiana e evitando a intrínseca irrazoabilidade de reconhecimentos da cidadania italiana com base em critérios diferentes, determinados por um fator casual e não indicativo de vínculos efetivos com a República, como o nascimento dos requerentes, em lugar do efetivo exercício de direitos ou cumprimento de deveres relacionados ao status de cidadão;
Considerada a necessidade e urgência extraordinárias de introduzir medidas para evitar, enquanto não se aprova uma reforma orgânica das disposições em matéria de cidadania, um afluxo excepcional e incontrolado de pedidos de reconhecimento da cidadania, de modo a não comprometer o funcionamento ordenado dos consulados no exterior, dos municípios e dos tribunais;
Vista a deliberação do Conselho de Ministros, adotada na reunião de 28 de março de 2025;
Sob proposta do Presidente do Conselho de Ministros e dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional e do Interior, de concerto com os Ministros da Justiça e da Economia e Finanças;
PROMULGA
o seguinte Decreto-Lei:
Artigo 1
(Disposições urgentes em matéria de cidadania)
1. À Lei de 5 de fevereiro de 1992, n. 91, após o artigo 3 é inserido o seguinte:
«Art. 3-bis –
1. Em derrogação aos artigos 1, 2, 3, 14 e 20 da presente lei, ao artigo 5 da Lei de 21 de abril de 1983, n. 123, aos artigos 1, 2, 7, 10, 12 e 19 da Lei de 13 de junho de 1912, n. 555, bem como aos artigos 4, 5, 7, 8 e 9 do Código Civil aprovado pelo Regio Decreto de 25 de junho de 1865, n. 2358, é considerada como nunca tendo adquirido a cidadania italiana a pessoa nascida no exterior — mesmo antes da data de entrada em vigor do presente artigo — e que esteja em posse de outra cidadania, exceto nos seguintes casos:
a) o status de cidadão do interessado foi reconhecido, de acordo com a legislação aplicável em 27 de março de 2025, com base em pedido apresentado com a documentação necessária ao consulado ou ao prefeito competente até às 23h59 (horário de Roma) da referida data;
b) o status de cidadão do interessado foi judicialmente reconhecido, de acordo com a legislação aplicável em 27 de março de 2025, em virtude de ação judicial proposta até às 23h59 (horário de Roma) da mesma data;
c) um dos pais ou adotantes cidadãos nasceu na Itália;
d) um dos pais ou adotantes cidadãos residiu na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes da data de nascimento ou de adoção do filho;
e) um ascendente cidadão de primeiro grau dos pais ou dos adotantes cidadãos nasceu na Itália.
2. O artigo 19-bis do Decreto Legislativo de 1º de setembro de 2011, n. 150, é modificado como segue:
a) o título passa a ser:
«Controvérsias em matéria de reconhecimento do estado de apátrida e de cidadania italiana»;
b) após o parágrafo 2, são adicionados os seguintes parágrafos:
«2-bis. Salvo os casos expressamente previstos por lei, nas controvérsias sobre o reconhecimento da cidadania italiana não são admitidos o juramento nem a prova testemunhal.
2-ter. Nas controvérsias sobre o reconhecimento da cidadania italiana, aquele que solicita o reconhecimento deve alegar e provar a inexistência das causas legais de não aquisição ou de perda da cidadania.
Artigo 2
(Entrada em vigor)
1. O presente decreto entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário Oficial da República Italiana e será apresentado às Câmaras para sua conversão em lei.
Il presente decreto, munito del sigillo dello Stato, sarà inserito nella Raccolta ufficiale degli atti normativi della Repubblica italiana. È fatto obbligo a chiunque spetti di osservarlo e di farlo osservare.
Dato a Roma, addì 28 marzo 2025
MATTARELLA
MELONI, Presidente del Consiglio dei ministri
TAJANI, Ministro degli affari esteri e della cooperazione internazionale
PIANTEDOSI, Ministro dell’interno NORDIO, Ministro della giustizia GIORGETTI, Ministro dell’economia e delle finanze
Visto, il Guardasigilli: NORDIO