“FATO É QUE OS 730 DIAS MUDA MUITA COISA, E COMO MUDA”
CURITIBA – PR – A respeito dos novos 730 dias: será que ninguém percebeu a manobra administrativa que foi encontrada para não satisfazer de imediato os requerimentos dos mais de 200 ou mais mil descendentes em fila de espera? Acredito que no Brasil sejam mais de 500 mil, aliás. Essa manobra, caros, pode de fato acabar com as filas ilegais em breve, mas pode criar uma nova situação de espera: a fila legal.
Fato é que os 730 dias muda muita coisa, e como muda: trata-se de mais tempo para que a autoridade consular responda formalmente ao pedido que foi formalmente apresentado pelo requerente em fila há anos, quando foi chamado. Isso faz com que demore mais tempo para que ele tenha resposta consular e, por óbvio, faz com que os outros que ainda não foram chamados e continuam em fila também esperem mais tempo.
Por outro lado, ao meu ver, essa manobra estabelecida pelo Conselho de Ministros pode ser utilizada pelas autoridades consulares para acabar definitivamente com a fila de espera da cidadania, que é totalmente ilegal pois não prevista pelo ordenamento jurídico italiano. Mas como?
Digamos que a autoridade consular chame todos aqueles que estão em fila de espera há anos para apresentarem os documentos necessários ao reconhecimento da nacionalidade, de uma única vez, como já foi sugerido anteriormente pelo advogado do Consulado de Curitiba. Certamente muitos requerentes não terão os documentos prontos para o start do procedimento conforme determinam as circulares ministeriais e, portanto, não conseguirão prepará-los de imediato ou no prazo que o consulado estipular.
Mesmo assim, se conseguirem, poderão entregar os documentos formalmente ao consulado, via protocolo, que por sua vez, terá – apenas a partir de então – os 730 dias para analisar a documentação entregue pelo interessado (e de todo o seu núcleo familiar). Detalhe, ao final desse tempo – e provavelmente a autoridade consular poderá deixar pra responder nos últimos dias do prazo – a resposta poderá ser negativa ao reconhecimento da nacionalidade, por exemplo, no sentido de necessidade de sanar vícios em relação aos documentos produzidos pela parte, sejam estes de retificações, documentos não civis, inexistentes, naturalização brasileira do imigrante, período e origem de imigração ou qualquer outra alegação administrativa para impedir a continuação do processo e a final atribuição da nacionalidade italiana.
Bem, se isso ocorrer – e pode ocorrer – o requerente terá que preparar nova documentação ou adequá-la e reapresentá-la, iniciando assim novos 730 dias, e assim, sucessivamente até que esteja tudo conforme o que determina a legislação italiana concernente.
No melhor das hipóteses, se tudo estiver OK, o requerente poderá ter a sua nacionalidade reconhecida em dois anos e alguns dias. No pior das hipóteses, em 4 anos ou mais. Claro, bem menos dos 15 anos que a fila ilegal – invenção tipicamente brasileira – prevê.
Contudo, essa análise é uma hipótese. Nada foi dito ainda pelas autoridades consulares em acabar com as filas ou apresentação em massa de documentos pelos requerentes em fila. Caso esse chamamento venha a ocorrer.
Com essas modificações, espero apenas que não seja necessário produzir documentos em inteiro teor e muito menos que as traduções ao idioma italiano aqui no Paraná e Santa Catarina sejam feitas exclusivamente por tradutor publico juramentado. Também desnecessário seria apresentar documento de óbito, pois é óbvio que a nacionalidade foi mesmo transmitida em vida ao descendente pelo titular do “status civitatis italiano” e o fato do sujeito ter morrido depois em nada influencia na transmissão iuris sanguinis do direito à nacionalidade. Solicitar tais documentos visa apenas onerar mais ainda a situação e dificultar a intenção do requerente em iniciar o procedimento, visto que uma certidão de inteiro teor pode custar aproximadamente R$ 80,00 e as traduções cerca de R$ 80,00 a R$ 100,00 por lauda, dependendo do tipo de documento a ser traduzido
Aliás, essa historia de necessidade de tradução via tradutor juramentado ocorre apenas aqui no Paraná. Em outros consulados Brasil a fora, tipo o de Porto Alegre, a tradução deve ser feita necessariamente por tradutor não juramentado. Por que será tamanha disparidade de tratamento??? Essa falta de uniformização é assustadora e quem paga o pato é o requerente, como sempre!
Apesar da novidade dos 730 dias ter sido anunciada como novidade na questão “cidadania italiana”, o problema da ineficiência consular via continuar, senão piorar. Quanto aos nossos representantes parlamentares que já opinaram ou não a respeito dessa novidade, enquanto uns devem aprender muito sobre a realidade acima descrita e outros devem entender que dessa mesma realidade não decorre deveres, o tempo de espera anda é logo e efetivamente, repito, efetivamente, nada ainda foi feito. Sem falar na ineficiência e engessamento dos Comites, que não estão nem aí para as filas, apenas esperando o carnaval do ano que vem passar para preparar eleições para renovar (ou não) o nada fazer em relação às filas.
Como bem utilizou a expressão o On. Porta, a “dramaticidade da situação” vai continuar “para além dos aspectos procedimentais”, perdurando o nariz de palhaço na cara dos enfileirados e o sorriso de deboche das autoridades e daqueles representantes dos órgãos aparentemente legitimados a representar a comunidade ítalo-brasileira com e sem cidadania italiana. A falta de respeito em relação aos enfileirados, como já mencionei dantes no artigo conclusivo do movimento “nariz de palhaço”, ainda perdura, infelizmente.
Elton Diego Stolf é advogado e professor de Direito internacional. Mestre em integração europeia pela Università degli studi di Padova, Itália e em Relações internacionais pela UFSC. E-mail: stolf@studiolegale.adv.br