Tribunais questionavam ausência de vínculo efetivo com a Itália; Corte declara inconstitucionalidade “inadmissível” e confirma direito dos descendentes
A tão aguardada decisão da Corte Constitucional Italiana sobre a cidadania iure sanguinis — por direito de sangue — foi publicada nesta quarta-feira, 31 de julho de 2025, em Roma. Por meio da Sentença n.º 142/2025, a Corte rejeitou os pedidos de limitação da cidadania por descendência, declarando inadmissíveis ou improcedentes as questões levantadas por quatro tribunais de primeira instância italianos.
A decisão consolidou ações remetidas principalmente pelo Tribunal Ordinário de Roma, mas também incorporou argumentos e questões semelhantes levantadas por outros tribunais italianos, como os de Bolonha, Milão e Florença. Esses tribunais questionavam a constitucionalidade do artigo 1.º da Lei n.º 91/1992, o qual reconhece como italiano, desde o nascimento, qualquer filho de pai ou mãe cidadãos. O alvo das críticas era a ausência, no modelo italiano, de critérios que exigissem um vínculo efetivo com o Estado italiano por parte de requerentes nascidos e residentes no exterior, em geral descendentes de emigrantes italianos com múltiplas nacionalidades.
A Corte, no entanto, recusou-se a intervir no mérito da questão, alegando que cabe ao Parlamento, e não ao Poder Judiciário, decidir sobre eventuais mudanças no modelo de transmissão da cidadania. Em sua decisão, os juízes da Consulta ressaltaram que qualquer intervenção da Corte com o objetivo de condicionar a cidadania por descendência — como exigência de residência, cultura ou idioma — implicaria escolhas discricionárias de grande impacto, que não competem à função jurisdicional.
O legislador, escreveu a Corte, dispõe de uma margem de discricionariedade particularmente ampla para determinar os pressupostos da aquisição da cidadania.
Ao examinar os argumentos dos tribunais, a Corte observou que não se discutia a legitimidade da transmissão da cidadania por laços de sangue em si, mas sim a suposta insuficiência desse vínculo nos casos em que os descendentes também estavam ligados a outros ordenamentos jurídicos. Ainda assim, considerou que tal questionamento envolveria uma pluralidade de variáveis — culturais, sociais, migratórias — que não podem ser decididas judicialmente, sob pena de usurpação de função legislativa.
Com isso, foram declaradas inadmissíveis as censuras baseadas nos artigos 1.º, 3.º e 117.º da Constituição italiana, inclusive aquelas que alegavam descumprimento de obrigações da União Europeia e tratados internacionais.
A decisão também rechaçou as alegações de que o modelo atual criaria desigualdade com relação a outras formas de aquisição da cidadania, como a naturalização. Segundo a Corte, não há identidade de situações, uma vez que o fundamento da cidadania por descendência é diverso dos mecanismos de atribuição por residência ou casamento.
Por fim, os juízes rejeitaram a tentativa de trazer para a análise o Decreto-Lei n.º 36/2025 (agora convertido na Lei n.º 74/2025) — o chamado “Decreto da Vergonha” — que introduziu recentemente limites à cidadania iure sanguinis para filhos menores nascidos no exterior. Segundo a Corte, essas normas não se aplicam aos casos em exame, que foram iniciados antes da entrada em vigor da nova legislação.
Frustração para quem esperava mudança
O julgamento da Corte era acompanhado com atenção tanto por “movimentos nacionalistas” italianos, que pressionam por um freio à cidadania por sangue, quanto por associações da diáspora, especialmente na América Latina, que defendem o modelo como expressão histórica do vínculo da Itália com seus emigrantes.
Para estes últimos, a decisão representa uma vitória jurídica, ainda que sem reconhecer explicitamente a legitimidade histórica do modelo. Já para os críticos da norma atual, a Corte se esquivou de enfrentar o problema de fundo.
A Corte Constitucional reconhece que o legislador, ou seja, o Parlamento italiano, tem grande discricionariedade para regular a disciplina da atribuição da cidadania
Todavia, a “Consulta” advertiu que novas normas estarão sempre sujeitas à análise de legitimidade constitucional pois devem respeitar os cânones da razoabilidade e proporcionalidade, bem como lembrou que a jurisprudência constitucional exclui a possibilidade que o critério fundante da cidadania possa se basear em termos discriminatórios.
A seguir, publicam-se na íntegra os textos oficiais da Corte Constitucional: o comunicado à imprensa e a sentença completa. Também está disponível, no canal da Revista Insieme no YouTube, uma entrevista com os juristas Marco Mellone, Giovanni Bonato e Monica Restaniohttps://www.youtube.com/watch?v=0RMb9FI9qVg comentando os desdobramentos da decisão.
Confira o vídeo, mas um resumo da entrevista conjunta poderia ser este: embora a recente sentença da Corte Constitucional italiana seja uma vitória importante no contexto nacional, a discussão sobre o direito à cidadania por descendência está longe de terminar. De acordo com o jurista Marco Mellone, a questão deverá avançar para instâncias jurídicas superiores da Europa, especificamente o Tribunal de Justiça da União Europeia (Luxemburgo)e Corte Europeia dos Direitos Humanos (Estrasburgo)
Isso se deve ao fato de que a cidadania, especialmente por descendência, é considerada um direito humano segundo os tratados europeus. A restrição ou tentativa de revogação retroativa desse direito pode violar princípios fundamentais do ordenamento jurídico europeu, como: Direito à identidade cultural e nacional; e Segurança jurídica e Proibição de discriminação com base no local de nascimento. Antecipa-se, assim, que a batalha jurídica poderá migrar também para o cenário europeu, buscando decisões que possam anular definitivamente os efeitos de leis consideradas abusivas, como o decreto Taiani.
Escritório de Comunicação e Imprensa da Corte Constitucional
Comunicado de 31 de julho de 2025
CIDADANIA IURE SANGUINIS: CENSURAS INADMISSÍVEIS
Não é admissível uma intervenção da Corte Constitucional que limite a aquisição da cidadania por descendência, por meio de uma sentença manipulativa que faça escolhas, entre múltiplas opções possíveis, marcadas por ampla margem de discricionariedade e com impactos significativos no sistema jurídico.
É o que se lê na sentença número 142, depositada hoje, com a qual a Corte Constitucional declarou inadmissíveis e improcedentes várias questões de legitimidade constitucional levantadas pelos Tribunais de Bolonha, Roma, Milão e Florença, relativas ao artigo 1.º da Lei n.º 91 de 1992, na parte em que, ao estabelecer que «[é] cidadão por nascimento: a) o filho de pai ou mãe cidadãos», não prevê qualquer limite à aquisição da cidadania iure sanguinis.
As questões chegaram à Corte a partir de ações de reconhecimento de cidadania iniciadas por requerentes descendentes de cidadãos ou cidadãs italianos, mas nascidos no exterior, residentes no exterior e com cidadania de outro Estado. Os tribunais remetentes contestaram tal norma na medida em que não estabelece qualquer critério apto a garantir a efetividade do vínculo com o ordenamento jurídico italiano, o qual, segundo os próprios tribunais, não existiria nos casos em questão.
Os juízes constitucionais esclareceram que o legislador dispõe de «uma margem de discricionariedade particularmente ampla» para determinar os pressupostos da aquisição da cidadania, enquanto cabe à Corte verificar se as normas que regulam a aquisição do status civitatis não recorrem a critérios totalmente alheios aos princípios constitucionais ou que com eles colidam.
Em particular, a Corte observou que os tribunais remetentes não questionaram, de forma geral, a idoneidade do vínculo de filiação para justificar, à luz dos princípios constitucionais, a aquisição da cidadania. Ao contrário, puseram em dúvida que, na presença de requerentes vinculados de diferentes formas a ordenamentos jurídicos estrangeiros, a mera descendência de um cidadão ou cidadã italianos seja suficiente para fundamentar a aquisição do status de cidadão, na ausência de outros elementos de conexão com o ordenamento jurídico italiano.
A multiplicidade e generalidade das variáveis sobre as quais se baseiam as dúvidas de constitucionalidade levantadas e, correlatamente, a variedade de escolhas discricionárias que a Corte deveria realizar — dentro de um leque de opções com impactos significativos no sistema — levaram à inadmissibilidade da maior parte das questões de legitimidade constitucional apresentadas. Em particular, foram consideradas inadmissíveis as censuras relativas aos artigos 1.º, 3.º e 117, parágrafo primeiro, da Constituição, este último em relação às obrigações impostas pelo direito da União Europeia. Igualmente, foi considerada inadmissível a questão levantada com base no artigo 117, parágrafo primeiro, da Constituição, em relação às obrigações internacionais, não tendo os tribunais indicado qual norma internacional teria sido violada e da qual derivaria o alegado descumprimento das referidas obrigações.
Além disso, a Corte declarou improcedentes as questões que alegavam uma irrazoável disparidade de tratamento entre a referida norma e outros mecanismos de aquisição da cidadania. Para tais censuras, a Corte considerou ausente a «identidade substancial de situações» que é necessária para constatar esse tipo de vício de inconstitucionalidade.
Por fim, a Corte rejeitou os pedidos das partes constituídas no processo para que se pronunciasse sobre a nova disciplina — introduzida, durante o curso do julgamento, pelo Decreto-Lei n.º 36 de 2025, convertido na Lei n.º 74 de 2025 — que impôs limites à aquisição da cidadania iure sanguinis. A Corte esclareceu que essa nova disciplina não se aplica aos processos judiciais que deram origem às questões de legitimidade constitucional examinadas.
Roma, 31 de julho de 2025
Palazzo della Consulta, Piazza del Quirinale 41 – Roma
Tel. 06.4698224 / 06.4698438
REPÚBLICA ITALIANA
EM NOME DO POVO ITALIANO
A CORTE CONSTITUCIONAL
composta por: Presidente: Giovanni AMOROSO; Juízes: Francesco VIGANÒ, Luca ANTONINI, Stefano PETITTI, Angelo BUSCEMA, Emanuela NAVARRETTA, Maria Rosaria SAN GIORGIO, Filippo PATRONI GRIFFI, Marco D’ALBERTI, Giovanni PITRUZZELLA, Antonella SCIARRONE ALIBRANDI, Maria Alessandra SANDULLI, Roberto Nicola CASSINELLI, Francesco Saverio MARINI,
pronunciou a seguinte
SENTENÇA
nos julgamentos de legitimidade constitucional do art. 4 do Código Civil aprovado por decreto régio de 25 de junho de 1865, n. 2358; do art. 1 da Lei de 13 de junho de 1912, n. 555 (Sobre a cidadania italiana); do art. 1, parágrafo 1º, alínea a), da Lei de 5 de fevereiro de 1992, n. 91 (Novas normas sobre a cidadania), promovidos pelo Tribunal Ordinário de Bolonha, seção especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação de cidadãos da UE, com despacho de 26 de novembro de 2024; pelo Tribunal Ordinário de Roma, seção de direitos da pessoa e imigração, com despacho de 21 de março de 2025; pelo Tribunal Ordinário de Milão, décima segunda seção especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação de cidadãos da União Europeia, com despacho de 3 de março de 2025; e pelo Tribunal Ordinário de Florença, seção especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação de cidadãos da UE, com despacho de 7 de março de 2025; inscritos, respectivamente, sob o número 247 do Registro de Despachos de 2024 e sob os números 65, 66 e 86 do Registro de Despachos de 2025, e publicados na Gazzetta Ufficiale da República Italiana, primeira série especial, números 4, 16 e 18 do ano de 2025.
Vistos os atos de constituição de A. D. S. A. e outros, C. B. d. A. e outros, J. A. A. N. e outros, E. D. F. A. G. e outros, bem como os atos de intervenção da AUCI – Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana e da AGIS – Associazione Giuristi Iure Sanguinis, no julgamento inscrito sob o n. 247 reg. ord. de 2024, do Circolo Trentino de São Paulo do Brasil e do Circolo Domus Sardinia, no julgamento inscrito sob o n. 86 reg. ord. de 2025;
ouvida na audiência pública de 24 de junho de 2025 a juíza relatora Emanuela Navarretta;
ouvidos os advogados Marco Mellone e Antonio Achille Cattaneo por A. D. S. A. e pelas demais partes constituídas, bem como os advogados Diego Corapi, Giovanni Bonato, Monica Lis Restanio e Patrizio Ivo D’Andrea por E. D. F. A. G. e pelas demais partes constituídas;
deliberado na sessão de conselho do dia 24 de junho de 2025.
Considerando os fatos
1.– Com despachos datados, respectivamente, de 26 de novembro de 2024 (inscrito sob o n. 247 reg. ord. de 2024), de 21 de março de 2025 (inscrito sob o n. 65 reg. ord. de 2025), de 3 de março de 2025 (inscrito sob o n. 66 reg. ord. de 2025), e de 7 de março de 2025 (inscrito sob o n. 86 reg. ord. de 2025), os Tribunais Ordinários de Bolonha, seção especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação de cidadãos da UE, de Roma, seção de direitos da pessoa e imigração, de Milão, décima segunda seção especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação de cidadãos da União Europeia, e de Florença, seção especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação de cidadãos da UE, suscitaram questões de legitimidade constitucional do art. 1, parágrafo 1º, alínea a), da Lei de 5 de fevereiro de 1992, n. 91 (Novas normas sobre a cidadania), na parte em que, ao dispor que “[é] cidadão por nascimento: a) o filho de pai ou mãe cidadãos”, não prevê qualquer limite à aquisição da cidadania iure sanguinis.
1.1.– Somente o Tribunal de Milão também contestou o art. 4 do Código Civil aprovado pelo decreto régio de 25 de junho de 1865, n. 2358, bem como o art. 1 da Lei de 13 de junho de 1912, n. 555 (Sobre a cidadania italiana), igualmente na parte em que não impõem qualquer limite à aquisição da cidadania iure sanguinis.
1.2.– Todos os juízos remetentes consideram violados os arts. 1, segundo parágrafo, e 3 da Constituição, este último sob a ótica da irrazoabilidade e da desproporcionalidade.
Os Tribunais de Bolonha, Milão e Florença suscitam ainda questões de legitimidade constitucional com base no art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, no que se refere às obrigações internacionais e aos vínculos decorrentes da pertença da Itália à União Europeia, sendo estes últimos especialmente relacionados ao art. 9 do Tratado da União Europeia (TUE) e ao art. 20 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Por fim, o Tribunal de Roma e o de Milão consideram que a norma contestada infringe o art. 3 da Constituição, por ensejar uma irrazoável disparidade de tratamento em relação a diferentes termos de comparação.
2.– No plano fático, os juízes remetentes informam que devem verificar a cidadania italiana de demandantes, a quibus, nascidos no exterior — em particular no Brasil e no Uruguai —, ali residentes e com a cidadania desses mesmos países, que alegam uma linha ininterrupta de descendência de cidadãos ou cidadãs italianos (nascidos na Itália, respectivamente: em 27 de abril de 1874 os referidos no julgamento de Bolonha; em 27 de janeiro de 1873 os do julgamento de Roma; em 14 de setembro de 1843 os do julgamento de Milão; em 11 de janeiro de 1903 os do julgamento de Florença).
3.– Quanto à relevância das questões, os remetentes sustentam que devem aplicar a disciplina impugnada e que estão obrigados a reconhecer a cidadania italiana de todos os requerentes, uma vez que estes apresentam o único pressuposto aquisitivo da cidadania italiana previsto na referida legislação.
O juiz de Milão exclui expressamente, ainda, a possibilidade de uma interpretação conforme à Constituição das disposições legais em discussão.
4.– Em seguida, os juízes a quibus fundamentam, com argumentos amplamente convergentes, a não manifesta infundamentação das questões de legitimidade constitucional levantadas.
4.1.– Em caráter preliminar, detêm-se, com exposições de extensão e profundidade variáveis, nas razões contextuais que justificariam as dúvidas quanto à constitucionalidade.
4.1.1.– Em particular, os Tribunais de Bolonha e Florença expõem detalhadamente a singularidade da situação italiana, marcada, sobretudo no século passado, por um intenso fenômeno migratório de saída. Citando diversas fontes, observam que entre 1870 e 1970 cerca de 27 milhões de cidadãos italianos teriam deixado o país, e que aproximadamente metade deles jamais teria retornado. Seus descendentes superariam presumivelmente o número de cidadãos que atualmente residem na Itália.
4.1.2.– A despeito de tal contexto, o ordenamento jurídico italiano estaria entre os poucos que não estabeleceram limites ao reconhecimento da cidadania por descendência ou iure sanguinis.
A situação estaria ainda agravada, por um lado, pelo advento de tecnologias que facilitam a reconstrução da própria linha de descendência e, por outro, pelo caráter atrativo da cidadania italiana, tendo em vista as graves crises econômicas que afetaram os países para os quais o fenômeno migratório se dirigiu majoritariamente. Atualmente, de fato, a cidadania italiana ofereceria a possibilidade de se transferir para qualquer país da União Europeia e de evitar a exigência de visto de entrada nos Estados Unidos da América.
4.1.3.– O quadro fático delineado pelos remetentes se completa com a constatação da inércia e da condição “de paralisação dos consulados no exterior” (assim o indicam os despachos inscritos nos n.º 247 reg. ord. de 2024 e n.º 86 reg. ord. de 2025; no mesmo sentido também o despacho inscrito no n.º 65 reg. ord. de 2024), o que teria multiplicado os pedidos de reconhecimento da cidadania perante os tribunais italianos.
5.– À luz dessa premissa, os remetentes consideram que a disciplina impugnada está simultaneamente em desacordo com a noção de “povo”, constante do art. 1, segundo parágrafo, da Constituição, e com o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, previsto no art. 3 da Constituição.
5.1.– Quanto a essa primeira alegação, os argumentos apresentados pelos quatro juízes a quibus são substancialmente convergentes e, em parte, perfeitamente sobreponíveis (especialmente os apresentados pelos Tribunais de Bolonha e de Florença).
Segundo os remetentes, o art. 1, segundo parágrafo, da Constituição implicaria uma “estreita coincidência entre povo e soberania” (assim no despacho inscrito no n.º 247 reg. ord. de 2024), a qual seria alterada pelo art. 1, parágrafo 1º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, na medida em que este atribuiria “a cidadania a dezenas de milhões de pessoas desprovidas de efetivo vínculo com a Itália” (idem).
5.2.– Da relevância atribuída às normas sobre cidadania em relação à noção de povo derivaria – segundo os remetentes – a existência de limites constitucionais à discricionariedade legislativa, não podendo tais categorias ser consideradas como “caixas vazias, deixadas à absoluta discrição do Legislador” (assim o despacho inscrito no n.º 86 reg. ord. de 2025 e, em sentido idêntico, o despacho inscrito no n.º 247 reg. ord. de 2024).
A “cidadania [seria] densa de conteúdos pacificamente consistentes no conjunto de direitos e deveres reconhecidos pelas normas constitucionais, que ditam os princípios sobre os quais se funda o conceito de ‘povo italiano’” (despacho inscrito no n.º 66 reg. ord. de 2025). Ela apresentaria “como dados e traços estruturais e imanentes a relacionalidade e a integração com a comunidade dos cidadãos e, portanto, implicaria e pressuporia também proximidade ao povo e ao território” (assim o despacho inscrito no n.º 65 reg. ord. de 2025).
Segundo os remetentes, a normativa impugnada desvincularia a cidadania de “condições de pertencimento, participação, relacionalidade, integração, proximidade” com o ordenamento italiano, tornando-a um “status puramente abstrato, pertencente a uma esfera meramente individual”, privando-a, assim, de sua “dimensão comunitária e publicística, além de substancialidade e efetividade” (nesse sentido, despacho inscrito no n.º 65 reg. ord. de 2025).
A norma impugnada acabaria, em essência, por incluir no conceito de povo ao qual pertence a soberania “sujeitos de fato totalmente alheios à comunidade nacional” (despacho inscrito no n.º 66 reg. ord. de 2025).
5.3.– Os remetentes consideram que, para que o vínculo derivado da linha de descendência seja critério suficiente para afastar as dúvidas de legitimidade constitucional, não bastaria evocar o art. 29 da Constituição, pois tal norma constitucional faria referência a uma noção de família que pressupõe um “necessário enraizamento na realidade social” (nesse sentido, despacho inscrito no n.º 247 reg. ord. de 2024).
Da mesma forma, os juízes a quibus excluem que o art. 35 da Constituição possa contrariar a inconstitucionalidade da disciplina impugnada, uma vez que a necessária proteção ao trabalho no exterior não implicaria o direito ao “reconhecimento da cidadania após gerações” (despacho inscrito no n.º 247 reg. ord. de 2024).
5.4.– O sentido da violação do art. 1, segundo parágrafo, da Constituição seria apreciado, em particular, segundo os juízes a quibus, relacionando-se o princípio enunciado por tal disposição ao art. 3 da Constituição, sob o prisma da irrazoabilidade e da ausência de proporcionalidade.
Seria, de fato, irrazoável e desproporcional não impor qualquer limite ao mecanismo de aquisição da cidadania por mera descendência.
Tal violação não encontraria correção suficiente nas disposições que preveem que apenas oito deputados dentre quatrocentos (art. 56, segundo parágrafo, da Constituição) e quatro senadores dentre duzentos (art. 57, segundo parágrafo, da Constituição) podem ser eleitos na “circunscrição Exterior” (art. 1 da Lei de 27 de dezembro de 2001, n.º 459, “Normas para o exercício do direito de voto dos cidadãos italianos residentes no exterior”). Tal normativa, com efeito, não neutralizaria a “evidente interferência da desmedida dilatação do número de cidadãos no exercício da soberania popular, seja pela possibilidade de inscrição, de qualquer modo, nas listas eleitorais internas, seja pela incidência no quórum previsto para o referendo popular, pelo art. 75, quarto parágrafo, da Constituição […] seja pela operatividade do referendo constitucional, de que trata o art. 138 da Constituição” (assim, despachos inscritos nos n.ºs 247 reg. ord. de 2024 e 86 reg. ord. de 2025).
5.5.– Com o objetivo de sanar o vulnus denunciado, as diversas ordens judiciais indicam soluções distintas.
O Tribunal de Bolonha propõe como “ponto de equilíbrio razoável […] o limite de duas gerações, salvo prova de que um dos ascendentes ou a pessoa interessada tenha vivido na Itália por pelo menos dois anos”; em alternativa, evoca a hipótese de “levar em consideração o mais longo prazo de esquecimento previsto no ordenamento, de 20 anos, como na prescrição dos crimes mais graves e na usucapião de bens imóveis e direitos reais imobiliários”.
O Tribunal de Roma entende que a aquisição da cidadania por nascimento deve ocorrer automaticamente, “caso o requerente estrangeiro possa demonstrar diretamente a cidadania [italiana] do(s) genitor(es)”; enquanto, nos casos em que se deva retroceder até a cidadania de um ascendente de segundo grau, deveria ser aplicado o art. 4, parágrafo 1º, da Lei n.º 91 de 1992, norma em relação à qual também levanta uma questão de legitimidade constitucional por irrazoável disparidade de tratamento.
Ainda, o Tribunal de Milão não identifica o remédio para sanar o vulnus, salvo indiretamente, ao levantar também uma questão de legitimidade constitucional por irrazoável disparidade de tratamento em relação à disciplina prevista para o cônjuge de cidadão ou cidadã italianos.
Por fim, o Tribunal de Florença limita-se a indicar a necessidade de se identificar limitações razoáveis aptas a superar as dúvidas manifestadas.
6.– Com um segundo grupo de impugnações, todos os juízes remetentes — com exceção do Tribunal de Roma — identificam também uma violação do art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, em relação tanto às “obrigações internacionais” quanto aos “vínculos decorrentes do ordenamento comunitário”, estes últimos com referência específica ao art. 9 do TUE e ao art. 20 do TFUE.
6.1.– Quanto à primeira alegação, os juízes a quibus observam que o direito internacional, embora reserve aos Estados a disciplina da cidadania, impor-lhes-ia, no entanto, o respeito ao princípio da efetividade do vínculo de cidadania; por conseguinte, não poderiam ser consideradas “avaliações de direito interno que não se baseiem em uma efetiva pertença do indivíduo ao grupo social” (assim o despacho n.º 247 reg. ord. de 2024).
Os remetentes, distanciando-se da sentença da Corte de Cassação, seções unidas civis, de 24 de agosto de 2022, n.º 25317, segundo a qual “certamente o vínculo de sangue não é uma fictio”, consideram que a disciplina impugnada entraria em conflito com as obrigações internacionais, pois qualquer “pretensão do Estado de considerar seu cidadão aquele que, na realidade, não mantém com ele vínculos sociais efetivos, carece de fundamento internacional; por isso, os demais Estados não estariam obrigados a respeitá-la” (ainda conforme o referido despacho).
Nesse sentido, os juízes a quibus detêm-se amplamente sobre a sentença da Corte Internacional de Justiça, de 6 de abril de 1955, Liechtenstein contra Guatemala, segundo a qual a cidadania implicaria “um fato social de vínculo, uma ligação genuína de existência, interesses e sentimentos, juntamente com a existência de direitos e deveres recíprocos”.
6.2.– Em seguida, ainda com base no art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, os Tribunais de Bolonha, Milão e Florença questionam a legitimidade constitucional do art. 1, parágrafo 1º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, por suposta incompatibilidade com os vínculos impostos, através do art. 9 do TUE e do art. 20 do TFUE, pelo direito da União Europeia.
Em especial, os despachos de Bolonha e de Florença recordam que o art. 9 do TUE atribui a cidadania europeia a “quem possuir a cidadania de um Estado-membro” e que o art. 20 do TFUE prevê que seja “instituída uma cidadania da União. É cidadão da União aquele que possui a cidadania de um Estado-membro. A cidadania da União soma-se à cidadania nacional e não a substitui”.
O direito da União Europeia, embora deixe aos Estados-membros a regulamentação da cidadania, imporia o respeito ao princípio da efetividade e à autenticidade da cidadania nacional. De fato, a cidadania europeia acarretaria a atribuição de uma série de direitos e deveres (tais como a liberdade de circulação e residência no interior da União, com o respectivo direito de exercer atividade laboral e de solicitar o reagrupamento familiar), além dos direitos de participação política e do direito de obter proteção diplomática por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado-membro no território de um país terceiro, onde o próprio Estado de origem não esteja representado.
O Tribunal de Milão entende ainda que o direito europeu pressuporia, para fins da livre circulação dos cidadãos europeus, “um vínculo territorial entre o cidadão e o país comunitário de origem”.
De modo geral, os remetentes duvidam que a norma impugnada respeite os vínculos impostos pelo direito da União Europeia e, especificamente, “o princípio da proporcionalidade”, conforme desenvolvido pela jurisprudência da Corte de Justiça (nesse sentido, despachos inscritos nos n.ºs 247 reg. ord. de 2024 e 86 reg. ord. de 2025).
7.– Por fim, os Tribunais de Roma e de Milão suscitam questões de legitimidade constitucional do art. 1, parágrafo 1º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, por violação do art. 3 da Constituição, sob o prisma da disparidade de tratamento identificada em relação a diferentes regimes jurídicos.
7.1.– Em particular, no ato introdutório do Tribunal de Roma é sugerida uma similitude entre a situação de quem tem um ascendente cidadão italiano de grau remoto e quem descende de alguém que era cidadão italiano e deixou de sê-lo, sendo esta última hipótese contemplada tanto pelo art. 4, parágrafo 1º, da Lei n.º 91 de 1992, referente à aquisição da cidadania com base em meros pressupostos legais, quanto pelo art. 9, parágrafo 1º, alínea a), da mesma lei, relativo à aquisição concessiva da cidadania.
Em ambas as hipóteses, a aquisição da cidadania estaria limitada a dois graus de ascendência parental e exigir-se-ia a presença de outros requisitos, “que dizem respeito […] a uma efetiva relacionalidade do requerente com o Estado, o território, o povo italianos”.
Não obstante, entre os dois regimes normativos, seria o primeiro – segundo o remetente de Roma – o “mais apropriadamente comparável” à disciplina impugnada. Em ambos os casos, a cidadania é adquirida com base na mera verificação dos requisitos exigidos, configurando-se, ipso iure, portanto, como direito subjetivo, e não como mero interesse legítimo.
Em particular, segundo o Tribunal de Roma, não haveria “diferença substancial – tal que justificasse uma diferença tão marcante de disciplina jurídica como a existente entre o artigo 4, parágrafo 1º, de um lado, e, do outro, o artigo 1, parágrafo 1º, alínea a), da Lei n.º 91/1992 – entre a situação de quem (possuindo cidadania de outro Estado) descende de um pai ou de um avô que foi cidadão italiano mas deixou de sê-lo (antes do nascimento do requerente, ao menos no caso do pai, pois de outro modo se enquadraria na hipótese mais geral do filho de cidadão) e a situação de quem (também cidadão estrangeiro) descende de pais e avós e, com frequência, de ascendentes em linha reta de grau ainda mais remoto que não tenham (ou que não conste terem) jamais reconhecido, reivindicado, exercido ou possuído o status civitatis”.
Em ambos os casos, faltaria a “efetividade da cidadania”.
7.2.– Passando às objeções formuladas pelo Tribunal de Milão, este também constata, de forma geral, a diferença de abordagem entre a disciplina que regula a aquisição da cidadania iure sanguinis e outras normas que também atribuem cidadania, mas que, como aquelas concernentes aos cidadãos de países terceiros, exigem “a demonstração específica de seu enraizamento no território nacional”.
Especificamente, o juiz a quo de Milão fundamenta a suspeita de irrazoável disparidade de tratamento, nos termos do art. 3 da Constituição, em um tertium comparationis constituído pela norma que permite a aquisição da cidadania com base no vínculo matrimonial com um cidadão ou cidadã italianos. Tal disciplina exige, em particular, a comprovação de um nível intermediário de conhecimento da língua italiana ou, alternativamente, a assinatura de um acordo de integração.
8.– Com atos depositados, respectivamente, em 10 de fevereiro, 5 e 6 de maio de 2025, constituíram-se: nove requerentes da ação principal em trâmite perante o Tribunal de Bolonha; todos os requerentes da ação principal perante o Tribunal de Milão; e todos os requerentes da ação principal perante o Tribunal de Roma, os quais, em 17 de junho de 2025, também depositaram, fora do prazo, uma memória complementar.
Além disso, constituíram-se nos autos, em 16 de maio de 2025, quatro requerentes da ação principal em trâmite perante o Tribunal de Florença – que, em 3 de junho de 2025, também depositaram memória complementar – e, em 20 de maio de 2025, outros sete requerentes da mesma ação principal.
9.– Todas as partes constituídas alegaram a inadmissibilidade das questões levantadas, com argumentos em parte sobrepostos ou coincidentes.
9.1.– Segundo as defesas dos requerentes nos processos principais perante os Tribunais de Bolonha, Florença e Roma, as impugnações seriam inadmissíveis, pois os juízes a quibus teriam suscitado dúvidas sobre uma norma – o art. 1, parágrafo 1º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992 – que não seria aplicável a todos os requerentes, uma vez que alguns deles nasceram antes da entrada em vigor dessa norma.
Além disso, os remetentes teriam, de todo modo, identificado erroneamente as normas aplicáveis, tendo deixado de impugnar também aquelas relativas ratione temporis aos diversos ascendentes dos requerentes, ou seja, o Código Civil de 1865, a Lei n.º 555 de 1912 e a Lei de 21 de abril de 1983, n.º 123 (Disposições em matéria de cidadania).
9.2.– Em seguida, as defesas de todos os requerentes nos quatro processos principais alegaram a inadmissibilidade das questões por não terem os juízes a quibus tentado uma interpretação conforme à Constituição.
9.3.– Ainda, as defesas de todas as partes, com exceção dos requerentes perante o Tribunal de Florença que se constituíram por ato de 16 de maio de 2025, contestaram que as questões se baseiam em um pressuposto segundo o qual os requerentes das ações principais não teriam outro vínculo com a Itália senão aquele derivado do laço de filiação, o que seria apenas postulado e não demonstrado. Os juízes a quibus não teriam “coletado qualquer tipo de informação sobre a vida, a cultura, a língua, os aspectos motivacionais e emocionais e todos os demais fatores que poderiam ser relevantes para verificar o pressuposto fático de onde partiu o raciocínio jurídico do juiz a quo, ou seja, a não-pertença substancial dos requerentes à Comunidade italiana” (atos de constituição nos autos de 10 de fevereiro de 2025, de 5 de maio de 2025, de 6 de maio de 2025 e de 20 de maio de 2025). Os remetentes teriam se limitado, de maneira apodítica, a concluir que os requerentes “não seriam membros ‘efetivos’ da Comunidade italiana. Tudo isso, sem verificação, sem prova, sem instrução processual”.
Tal observação soma-se à consideração de que a motivação subjacente às ações principais não decorreria de reais dúvidas de legitimidade constitucional, mas sim da necessidade de reagir ao sobrecarregamento de pedidos que chegaram às autoridades judiciárias italianas, em consequência da ineficiência e dos atrasos por parte das autoridades consulares.
9.4.– As defesas de todas as partes, com exceção dos requerentes perante o Tribunal de Florença que se constituíram por ato de 16 de maio de 2025, também contestaram a admissibilidade das impugnações, argumentando que a fundamentação sobre a não manifesta infundamentação das questões estaria em contraste com a jurisprudência desta Corte, com o direito vigente e com a prática dos tribunais perante os quais tramitam as ações principais.
Em particular, segundo as referidas defesas, a jurisprudência constitucional já teria se debruçado sobre o critério do ius sanguinis, de modo que, se sua aplicação “sem outras condições fosse inconstitucional […] então tal aspecto não teria podido escapar ao controle, ainda que indireto, desta Egrégia Corte” (atos de constituição nos autos de 10 de fevereiro e de 5, 6 e 20 de maio de 2025).
A essas considerações as partes acrescentam que nenhum juiz jamais manifestou dúvidas de legitimidade constitucional sobre a aquisição da cidadania iure sanguinis. Ao contrário, a Corte de Cassação teria destacado, inclusive recentemente, em seções unidas (são citadas Cass. n.º 25317 de 2022 e Cass., seções unidas civis, sentença de 24 de agosto de 2022, n.º 25318), que o referido critério está “intimamente ligado à história italiana e à específica escolha, constante e centenária, do legislador italiano de manter (através do vínculo de sangue, precisamente) a relação entre a Itália e seus ‘filhos’, independentemente de onde tenham nascido e vivido” (assim os já mencionados atos de constituição).
As mesmas partes concluem, portanto, no sentido de que “até hoje existe um inconfundível e sólido ‘direito vivo’ sobre a legitimidade constitucional do direito de transmissão da cidadania por via sanguínea, jamais colocado em discussão, nem mesmo em tempos recentes”.
9.5.– Todas as partes também alegaram a inadmissibilidade das questões por se tratar de matéria reservada à discricionariedade do legislador.
Em particular, as defesas mencionadas no ponto anterior consideram que esta Corte não poderia “colocar em discussão aquilo que foi e ainda é uma escolha […] do legislador” em matéria de cidadania, fruto de uma sua avaliação “discricionária”.
Consideram, portanto, que o eventual acolhimento das questões de legitimidade constitucional equivaleria a uma “violação do artigo 70 da Constituição, no que diz respeito ao detentor da função legislativa, do artigo 71 da Constituição, no que tange aos sujeitos titulares da iniciativa legislativa, e do artigo 134 da Constituição, no que se refere às funções desta Egrégia Corte Constitucional”.
9.6.– Em seguida, as defesas de todas as partes alegaram o caráter manipulativo do tipo de intervenção sistêmica requerido a esta Corte, bem como a natureza genérica e apodítica das impugnações.
Nas defesas das partes indicadas no ponto 9.4, essa objeção é fundamentada ressaltando que a intervenção requerida equivaleria à sugestão de introduzir uma reforma que contemplasse “novas condições legislativas, ausentes no texto normativo atual e jamais adotadas pelo Estado italiano em cento e sessenta anos de disciplina da cidadania italiana”. Ademais, segundo essas defesas, a argumentação dos remetentes seria “genérica, hipotética, abstrata”.
No ato de constituição em juízo depositado em 16 de maio de 2025 por alguns requerentes perante o Tribunal de Florença, contesta-se, de modo mais específico, que, em uma matéria na qual é elevada a discricionariedade legislativa, apresenta-se a esta Corte uma intervenção que “implica avaliações sistêmicas confiadas à apreciação do legislador e escolhas de fundo entre opções alternativas”, limitando o “critério de aquisição da cidadania iure sanguinis com elementos arbitrariamente determinados pelo próprio remetente e absolutamente desprovidos de qualquer apoio no ordenamento”.
Essa última defesa ressalta ainda, embora no contexto das considerações de mérito, o caráter genérico das impugnações quanto à definição do tipo de vínculo efetivo que deveria consolidar o laço com a Itália de quem nasce e vive no exterior. Observa-se, com efeito, que “os termos desse tipo de ligação são definidos de modo genérico e obscuro pelo remetente (o que significa vínculo com a ‘comunidade’? Residência no território? Por quanto tempo? Trata-se de vínculo ‘cultural’? E em que termos? Domínio da ‘língua’? Em que nível?)”.
9.7.– Por fim, ainda no ato de constituição em juízo depositado em 16 de maio de 2025, alega-se a inadmissibilidade por deficiência de fundamentação quanto à não manifesta infundamentação, por inadequação dos parâmetros invocados e porque, na impugnação relativa ao art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, com relação às obrigações internacionais, não teria sido indicada nenhuma “fonte específica de direito internacional que proibisse prever a aquisição da cidadania por descendência sem as limitações que ele [o remetente] supõe”.
10.– No mérito, todas as defesas das partes consideram não fundamentadas as questões levantadas, apresentando argumentos de teor semelhante, com motivações por vezes sobrepostas ou coincidentes.
10.1.– Não haveria, antes de tudo, violação dos artigos 1, segundo parágrafo, e 3 da Constituição, sob o prisma da irrazoabilidade e da desproporcionalidade.
10.1.1.– As defesas das partes recordam, preliminarmente, que a disciplina impugnada constitui o critério de atribuição da cidadania que vem sendo aplicado há cento e sessenta anos na Itália.
Seu funcionamento como critério de aquisição do status civitatis sem a exigência de outros pressupostos refletiria a escolha política feita pelo legislador de manter um vínculo com os emigrantes italianos e seus descendentes.
Tal vínculo teria trazido notáveis benefícios à Itália, tanto que “as remessas dos italianos emigrados ao exterior” teriam contribuído para sustentar a economia italiana, chegando a “representar quase 4% do PIB italiano em determinados anos”. Além disso, em ocasiões dramáticas como as duas guerras mundiais, muitos emigrantes “retornaram dos respectivos países de emigração e colocaram sua vida à disposição para servir o exército italiano [na] defesa da pátria”. E ainda, sempre que a Itália foi atingida por catástrofes naturais ou outros eventos graves, incluindo a emergência epidemiológica da COVID-19, as comunidades italianas descendentes de emigrantes teriam “imediatamente reagido com uma onda de solidariedade sem igual”, como demonstraria a criação de diversos fundos de solidariedade aos quais as defesas fazem referência.
A isso se soma o fato de que as comunidades italianas no exterior promoveriam a cultura italiana em seus respectivos países.
A escolha legislativa de preservar a pureza do ius sanguinis também não seria irrazoável nem desproporcional, visto que o cidadão italiano residente no exterior não oneraria o Estado, não tendo acesso aos benefícios do sistema de bem-estar italiano. Além disso, não haveria qualquer ameaça à integridade do princípio democrático, considerando que os cidadãos italianos no exterior apenas elegem 2% do Parlamento, exercendo, portanto, uma influência política limitada.
A própria Constituição, aliás, concederia especial proteção aos emigrantes e aos cidadãos italianos residentes no exterior (mencionam-se, a esse respeito, os artigos 35 e 48 da Constituição).
10.1.2.– Às considerações acima, a defesa das partes constituídas por ato de 16 de maio de 2025 acrescenta a observação de que a afirmação dos remetentes, segundo a qual a cidadania pressuporia uma noção de povo, encerraria um equívoco. Argumenta-se, de fato, que “o ‘povo’, a quem o art. 1 da Constituição atribui a soberania, consistiria na totalidade dos cidadãos, de modo que é o ‘povo’ que pressupõe a definição normativa de cidadania, e não o contrário”.
A mesma defesa ressalta, ainda, que “o Constituinte não teria pretendido incluir na Constituição os critérios de aquisição e de perda da cidadania, exceto pela proibição de privação por motivos políticos – art. 22 da Constituição”. Consequentemente, “os arts. 1 e 22 da Constituição não imporiam ao legislador qualquer limite positivo na definição do conjunto de regras que determinam a aquisição e a transferência da cidadania”.
Por fim, aponta-se uma contradição nas afirmações dos remetentes. Estes, de fato, não perceberiam que o caráter de aquisição a título originário próprio da cidadania e sua justiciabilidade por meio de uma decisão declaratória e não constitutiva fariam com que o vínculo considerado não fosse o com um ascendente remoto, mas sim o direto com o genitor, dada a “linha de transmissão ininterrupta” da cidadania.
10.1.3.– A essa observação conecta-se aquela feita pela defesa dos requerentes no processo de Bolonha, segundo a qual o petitum voltado a limitar a aquisição da cidadania iure sanguinis para os nascidos no exterior a duas gerações, salvo prova de residência na Itália, seria fonte de discriminação e não poderia ser aplicado retroativamente.
10.2.– As defesas das partes excluem, em seguida, que haja violação do art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição.
Não apenas contestam o uso indevido do conceito de “efetividade da cidadania”, que não encontraria qualquer respaldo na jurisprudência da Corte de Justiça da União Europeia invocada, como também observam que não foi de forma alguma demonstrado que o suposto princípio se expressaria “no sentido de impedir, em essência, que os Estados prevejam a aquisição da cidadania por descendência”.
10.3.– Por fim, as partes que se constituíram por ato depositado em 16 de maio de 2025 mencionaram a introdução — na pendência do presente julgamento — do Decreto-Lei de 28 de março de 2025, n.º 36 (Disposições urgentes em matéria de cidadania), que, naquele momento, ainda não havia sido convertido em lei.
Em seguida, na memória complementar depositada em 3 de junho de 2025 (posterior à conversão, com modificações, do referido decreto-lei na Lei de 23 de maio de 2025, n.º 74), a defesa dessas mesmas partes sustentou que a norma não se aplica aos processos judiciais dos quais se originam as questões de legitimidade constitucional, por ser a nova disciplina aplicável apenas aos procedimentos iniciados a partir de 28 de março de 2025. Portanto, as partes reiteram que o princípio da aquisição da cidadania iure sanguinis está enraizado na tradição jurídica italiana desde o Código Civil de 1865. Além disso, ressaltam que esse princípio é compartilhado por diversos Estados-membros da União Europeia, visto que a propagação do status civitatis a partir do status filiationis seria expressão da continuidade familiar, independentemente do local de nascimento.
Na visão da defesa dessas partes, o acolhimento das questões levantadas acarretaria uma perda retroativa em massa da cidadania, o que estaria em desacordo tanto com o art. 22 da Constituição quanto com o direito da União Europeia — especialmente no que tange ao princípio da proporcionalidade e ao direito ao contraditório —, assim como com o direito internacional, que contemplaria uma proibição de privação arbitrária da cidadania.
10.4.– As partes que se constituíram por ato depositado em 20 de maio de 2025 também se detiveram sobre o Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido, e, partindo do pressuposto de que tal disciplina se aplique também às ações principais, alegam que as normas correspondentes introduziriam limites retroativos ao reconhecimento da cidadania iure sanguinis, em violação a numerosos preceitos constitucionais (dentre os quais são mencionados os arts. 1, 2, 3, 10, 22, 24, 25, 29, 35 e 117 da Constituição).
A defesa dessas partes solicita, portanto, que esta Corte levante, perante si mesma, questões de legitimidade constitucional das normas previstas no Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido, ou, em alternativa, que promova o reenvio prejudicial de interpretação perante a Corte de Justiça da União Europeia para avaliar a compatibilidade da nova disciplina com o direito da União.
10.5.– Em 4 de junho de 2025, as partes do processo a quo, conforme o despacho inscrito no n.º 247 reg. ord. de 2024, depositaram, fora do prazo, uma memória complementar.
11.– Com atos depositados ambos em 11 de fevereiro de 2025, solicitaram intervir ad opponendum, no processo inscrito sob o n.º 247 reg. ord. de 2024, a AUCI – Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana e a AGIS – Associazione Giuristi Iure Sanguinis, argumentando em favor da admissibilidade de suas intervenções.
Em 3 de junho de 2025, a AUCI – Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana e a AGIS – Associazione Giuristi Iure Sanguinis depositaram memórias complementares de teor idêntico, insistindo nos argumentos expostos nos atos de intervenção.
12.– Em 11 de fevereiro de 2025, a Associazione USEF Brasil – Unione Siciliana Emigrati e Famiglie depositou uma opinio amicus curiae, admitida por decreto presidencial de 20 de maio de 2025.
Neste documento, a USEF sustenta que as questões levantadas são inadmissíveis, por não apresentarem uma solução constitucionalmente obrigatória, mas sim por adentrarem um campo reservado à discricionariedade legislativa. Além disso, não seriam indicados com precisão os parâmetros normativos europeus supostamente violados, tornando a impugnação relativa ao art. 117 da Constituição genérica e infundada.
Acrescenta-se que o acolhimento das questões comprometeria direitos já consolidados de milhões de descendentes de italianos no Brasil, violando os princípios de proporcionalidade e razoabilidade, em desacordo com a jurisprudência da Corte de Justiça da União Europeia em matéria de normas sobre cidadania.
A opinio destaca a importância da comunidade ítalo-brasileira, composta por cerca de 25 a 30 milhões de pessoas, que exerce uma função de ponte cultural e representa um recurso estratégico para a Itália. São citados estudos econômicos que demonstrariam como a dupla cidadania favorece investimentos, intercâmbios comerciais e mobilidade internacional.
13.– Com atos de teor idêntico, depositados em 20 de maio de 2025, apresentaram intervenção ad opponendum no processo inscrito sob o n.º 86 reg. ord. de 2025, o Circolo Trentino de São Paulo do Brasil e o Circolo Domus Sardinia, que, em 27 de maio de 2025, depositaram memórias sintéticas nos termos do art. 5, parágrafo 3º, das Normas Integrativas para os julgamentos perante a Corte Constitucional, com conteúdo de teor idêntico.
14.– Na audiência pública realizada no dia 24 de junho de 2025, as partes mantiveram as conclusões apresentadas nos respectivos escritos de defesa.
Considerado em direito
1.– Com os despachos inscritos sob o n.º 247 reg. ord. de 2024 e sob os números 65, 66 e 86 reg. ord. de 2025, os Tribunais de Bolonha, Roma, Milão e Florença suscitaram questões de legitimidade constitucional do art. 1, parágrafo 1º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, na parte em que, estabelecendo que “[é] cidadão por nascimento: a) o filho de pai ou mãe cidadãos”, não prevê qualquer limite à aquisição da cidadania iure sanguinis.
Somente o Tribunal de Milão também impugnou o art. 4 do Código Civil de 1865, bem como o art. 1 da Lei n.º 555 de 1912, sempre na parte em que não estabelecem nenhum limite à aquisição da cidadania iure sanguinis.
2.– Em particular, os juízes a quibus, chamados a aplicar a norma impugnada a requerentes que são descendentes de cidadãos ou cidadãs italianos, mas nasceram no exterior, ali residem e possuem a cidadania de outro Estado, questionam a legitimidade constitucional das normas citadas sob múltiplos aspectos.
2.1.– Todos os remetentes consideram violados os arts. 1, segundo parágrafo, e 3 da Constituição, este último sob o prisma da irrazoabilidade e da desproporcionalidade.
Sustentam, em especial, que o reconhecimento da cidadania em favor de quem, na presença dos elementos de vínculo com o ordenamento de um país estrangeiro, possa alegar apenas a descendência de um cidadão ou cidadã italianos, sem ter outros laços com o ordenamento interno, acarretaria uma profunda alteração da noção de povo, impactando o próprio exercício da soberania popular e, em última análise, o funcionamento da democracia.
2.2.– Os Tribunais de Bolonha, Milão e Florença também levantam questões de legitimidade constitucional com base no art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, relativas às obrigações internacionais e aos vínculos decorrentes da adesão da Itália à União Europeia, com referência específica ao art. 9 do TUE e ao art. 20 do TFUE.
Segundo os juízes a quibus, as fontes internacionais mencionadas obrigariam os Estados a prever normas sobre cidadania que comprovem um vínculo efetivo com o ordenamento jurídico que atribui o status civitatis.
2.3.– Por fim, os Tribunais de Roma e Milão consideram que a norma impugnada viola o art. 3 da Constituição, por estabelecer uma irrazoável disparidade de tratamento em relação a diferentes parâmetros de comparação.
O remetente de Roma identifica como tertium comparationis o art. 4, parágrafo 1º, da Lei n.º 91 de 1992, que disciplina a aquisição da cidadania por parte do descendente de quem foi, mas deixou de ser, cidadão italiano.
O juiz a quo de Milão, por sua vez, considera irrazoável a disparidade de tratamento em relação à norma que regula a aquisição da cidadania pelo cônjuge de cidadão ou cidadã italianos.
3.– Assim resumidas, em extrema síntese, as questões levantadas nos diversos processos, deve-se dispor sua reunião para que sejam decididas por uma única sentença, tendo em vista que têm por objeto normas idênticas ou semelhantes e se fundamentam em impugnações e parâmetros amplamente coincidentes (entre muitas, sentenças n.º 72 de 2025, n.º 171 de 2024 e n.º 220 de 2023).
4.– Nos processos reunidos, várias associações apresentaram pedido de intervenção, cuja participação como partes deve ser considerada inadmissível.
4.1.– Em particular, já foram declaradas inadmissíveis, por meio da ordem n.º 85 de 2025, as intervenções ad opponendum propostas pelo Circolo Trentino de São Paulo do Brasil e pelo Circolo Domus Sardinia, no processo instaurado pelo despacho do Tribunal de Florença, inscrito sob o n.º 86 reg. ord. de 2025.
4.2.– Igualmente, são inadmissíveis as intervenções propostas no processo instaurado pelo despacho do Tribunal de Bolonha, inscrito sob o n.º 247 reg. ord. de 2024, pelas associações AUCI – Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana e AGIS – Associazione Giuristi Iure Sanguinis, com atos de teor idêntico depositados em 11 de fevereiro de 2025.
4.2.1.– Segundo orientação consolidada desta Corte, a participação no julgamento incidental de legitimidade constitucional é reservada, além do Presidente do Conselho de Ministros e, no caso de lei regional, ao Presidente da Junta Regional (arts. 3 e 4, §§ 1.º e 2.º, das Normas Integrativas), a sujeitos titulares de um interesse qualificado, imediatamente relacionado com a relação substancial objeto da controvérsia e não simplesmente regulado, como qualquer outro, pela norma ou pelas normas objeto da impugnação (ex plurimis, despachos anexos às sentenças n.º 19 de 2025, n.º 144 e n.º 140 de 2024).
No tocante à posição de sujeitos representativos de interesses coletivos ou de categoria, como são os intervenientes, esta Corte já afirmou reiteradamente que é inadmissível sua intervenção quando tais sujeitos alegam, com relação ao objeto do julgamento incidental de legitimidade constitucional, apenas um interesse indireto, vinculado de forma geral aos fins estatutários de tutela de seus associados (despacho anexo à sentença n.º 19 de 2025, bem como sentenças n.º 130 e n.º 35 de 2023; despacho n.º 202 de 2020). Isso é ainda mais relevante considerando o vigente art. 6 das Normas Integrativas, que permite às formações sociais sem fins lucrativos e aos sujeitos institucionais portadores de interesses coletivos ou difusos relacionados à questão de legitimidade constitucional apresentarem a esta Corte uma opinião escrita como amici curiae (assim também o despacho anexo à sentença n.º 144 de 2024).
4.2.2.– Pois bem, as associações intervenientes não são titulares de um interesse qualificado, imediatamente relacionado à relação substancial deduzida em juízo, que legitime sua intervenção, uma vez que não possuem uma posição jurídica suscetível de ser prejudicada imediata e irremediavelmente pelo desfecho do julgamento incidental. Ao contrário, detêm apenas um interesse indireto com relação ao objeto do julgamento incidental de legitimidade constitucional do art. 1, parágrafo 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, sendo esse interesse vinculado, de forma geral, aos fins estatutários das duas associações, que prestam assistência a profissionais atuantes em procedimentos de reconhecimento e obtenção da cidadania italiana.
Por todas essas razões, os pedidos de intervenção da AUCI e da AGIS são inadmissíveis.
5.– Por outro lado, constituíram-se legitimamente nos autos diversas partes requerentes nos processos a quibus, as quais alegaram a inadmissibilidade e, de todo modo, a não procedência das questões levantadas.
Algumas dessas partes apontaram que — durante a pendência do presente julgamento — foi introduzido o Decreto-Lei n.º 36 de 2025, posteriormente convertido, o qual inovou a disciplina impugnada de forma nada marginal.
Especificamente, as partes que se constituíram com ato depositado em 20 de maio de 2025 consideraram que o referido decreto-lei é aplicável ao presente julgamento, enquanto aquelas que se constituíram com ato de 16 de maio de 2025 o excluíram. Ademais, as primeiras solicitaram a esta Corte que suscitasse, perante si mesma, questões de legitimidade constitucional da nova legislação.
6.– Torna-se, portanto, necessário examinar, em caráter preliminar, os traços da disciplina objeto das atuais questões e as modificações a ela introduzidas pelo referido decreto-lei.
6.1.– O impugnado art. 1, parágrafo 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992 estabelece que “[é] cidadão por nascimento: a) o filho de pai ou mãe cidadãos”.
O critério enunciado associa automaticamente o mecanismo de aquisição da cidadania ao status filiationis.
Isso é confirmado pelos subsequentes artigos 2, 3 e 14 da Lei n.º 91 de 1992, que, respectivamente, vinculam a aquisição do status civitatis ao reconhecimento do filho, à adoção, ou à existência de um vínculo de filiação que preceda a aquisição ou o reingresso na cidadania por parte do ascendente.
Tal disciplina retoma o que já fora previsto, ainda em um contexto não permeável ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, pela Lei n.º 555 de 1912 (a qual, no art. 1.º, primeiro parágrafo, considerava “cidadão por nascimento: 1.º o filho de pai cidadão”) e, antes ainda, pelo Código Civil de 1865, que, no art. 4 do Livro Primeiro, Título I, considerava “cidadão o filho de pai cidadão”, incorporando, por sua vez, o modelo do Code Napoléon de 1804, conforme o qual “[t]oda criança nascida de um francês em um país estrangeiro é francesa” (art. 10 do Livro Primeiro, Título I).
Removido o fator discriminatório do art. 1.º, primeiro parágrafo, da Lei n.º 555 de 1912, pela sentença n.º 30 de 1983 desta Corte, a regra da aquisição da cidadania por vínculo de filiação foi transposta, inicialmente, para o primeiro parágrafo do art. 5 da Lei n.º 123 de 1983, que, no segundo parágrafo, também previa que o filho com dupla cidadania, ao atingir a maioridade, teria o dever de optar por uma só cidadania no prazo de um ano.
Posteriormente, a Lei n.º 91 de 1992, por um lado, revogou a Lei n.º 123 de 1983, sem reproduzir o conteúdo normativo do referido art. 5, segundo parágrafo.
Por outro lado, com a disposição hoje impugnada, confirmou a correlação automática entre status civitatis e status filiationis.
6.2.– Em consonância com os traços próprios do pressuposto constitutivo da cidadania, ou seja, a condição de filho, a jurisprudência constitucional e a de legitimidade qualificaram a natureza desse modo de aquisição da cidadania como sendo a título “originário” (sentença citada n.º 30 de 1983, bem como Cass., sentenças n.º 25317 e n.º 25318 de 2022).
Concomitantemente, o direito vigente sublinhou que o status civitatis fundado no vínculo de filiação possui caráter “permanente e é imprescritível [e] passível de tutela a qualquer tempo com base na simples comprovação da hipótese aquisitiva integrada pelo nascimento de pai ou mãe cidadão italiano” (as citadas Cass., sentenças n.º 25317 e n.º 25318 de 2022).
6.3.– Diante do quadro normativo acima mencionado, interveio, durante a pendência do presente julgamento, o Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido, que afetou a correlação automática entre cidadania e status filiationis no caso de sujeitos nascidos no exterior e possuidores de outra cidadania.
Em particular, o art. 1.º, parágrafo 1.º, do Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido, acrescentou à Lei n.º 91 de 1992 um novo art. 3- bis, o qual prevê que, “em derrogação aos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 14 e 20 da presente lei, ao artigo 5 da Lei de 21 de abril de 1983, n.º 123, aos artigos 1.º, 2.º, 7.º, 10, 12 e 19 da Lei de 13 de junho de 1912, n.º 555, bem como aos artigos 4.º, 5.º, 7.º, 8.º e 9.º do Código Civil aprovado pelo R.D. n.º 2358 de 1865, considera-se que jamais adquiriu a cidadania italiana aquele que nasceu no exterior, mesmo antes da data de entrada em vigor do presente artigo, e possui outra cidadania, salvo se ocorrer uma das seguintes condições”.
As alíneas a), a-bis), b) identificam – na apresentação às autoridades competentes do pedido de reconhecimento da cidadania, acompanhado da documentação necessária e protocolado “até as 23:59, horário de Roma, […] de 27 de março de 2025” – o divisor que separa a persistente aplicabilidade da disciplina anterior da vigência das novas condições exigidas para a aquisição da cidadania iure sanguinis.
Estas últimas são, em particular, indicadas nas alíneas c) e d), que estabelecem que a cidadania italiana se adquire por meio do vínculo de filiação: se o ascendente de primeiro ou segundo grau possui, ou possuía no momento da morte, exclusivamente a cidadania italiana; ou se o genitor ou o genitor adotivo foi residente na Itália por pelo menos dois anos consecutivos após a aquisição da cidadania italiana e antes da data de nascimento ou adoção do filho.
Em seguida, são estabelecidas, no art. 1, §§ 1-bis e 1-ter, do Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido (disposições que integram o art. 4 da Lei n.º 91 de 1992 com os §§ 1-bis e 1-ter), diversas condições cumulativas para permitir que o filho menor de um cidadão italiano, que não se enquadre nas previsões do art. 3-bis, adquira a cidadania. No caso de aquisição ou reaquisição da cidadania por parte do genitor, a hipótese de aquisição do status civitatis pelo filho menor exige que este resida legal e continuamente na Itália por dois anos ou, caso tenha menos de dois anos de idade, a partir do nascimento (art. 1, § 1-quater, do Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido, que integra o art. 14, § 1.º, da Lei n.º 91 de 1992).
Por fim, são estendidas ao descendente do cidadão italiano as normas que se aplicam ao descendente de quem perdeu a cidadania italiana (art. 1, § 1-bis, do Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido, que amplia o âmbito de aplicação do art. 4, § 1.º, da Lei n.º 91 de 1992; bem como art. 1-bis, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido, que integra o art. 9, § 1.º, da Lei n.º 91 de 1992).
7. – Dado esse quadro normativo de referência, a nova disciplina, além das semelhanças com o que foi proposto nas decisões de remessa, não repercute na relevância das questões levantadas pelas mesmas.
Todos os litígios objeto dos processos principais foram, de fato, instaurados com base em pedidos judiciais apresentados antes de 27 de março de 2025, de modo que – nos termos do art. 3-bis, § 1.º, alínea b), da Lei n.º 91 de 1992, introduzido pelo art. 1, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 36 de 2025, conforme convertido – permanece aplicável aos processos a disciplina anterior, à qual se referem as atuais alegações.
Não existem, portanto, os pressupostos para devolver os autos aos juízos de origem.
8. – Da mesma forma, não se verificam as condições sob as quais esta Corte pode submeter a si mesma questões de legitimidade constitucional.
A nova disciplina não deve ser aplicada no julgamento constitucional (decisão n.º 73 de 1965 e, mais recentemente, decisão n.º 35 de 2024), nem existe uma “relação de pressuposição” entre esta e aquela deduzida pelo juiz a quo, de modo que a intervenção apenas sobre esta última não permitiria, de qualquer modo, a remoção da inconstitucionalidade (decisões n.º 94 de 2022 e n.º 18 de 2021). Igualmente, não se constatam os pressupostos da particular urgência (decisão n.º 73 de 1965) ou a necessidade de evitar que “a Corte – que é o único órgão competente para decidir sobre questões de constitucionalidade das leis – seja obrigada a aplicar leis inconstitucionais” (decisão n.º 22 de 1960 e, mais recentemente, decisão n.º 35 de 2024).
9. – Dito isso, pode-se proceder à análise das múltiplas exceções de rito levantadas pelas partes, a partir daquelas que esta Corte considera ictu oculi infundadas.
9.1. – São assim, em primeiro lugar, infundadas as exceções de inadmissibilidade que consideram não cumprido corretamente o ônus de motivar a não manifesta infundabilidade, uma vez que as decisões de remessa estariam em contraste com o entendimento desta Corte, da Corte de Cassação, bem como dos próprios Tribunais de origem, que, segundo as partes, teriam declarado e confirmado a “constitucionalidade” da norma contestada nos atos introdutórios.
Importa observar, antes de tudo, que esta Corte, até o momento, nunca foi chamada a se pronunciar sobre dúvidas de legitimidade constitucional que surgem nas presentes questões. Teve ocasião, de fato, de se manifestar sobre outras impugnações relativas à mesma disposição. Em particular, tratou da ausência de uma norma que permitisse a aquisição da cidadania também pela linha materna (sentença n.º 30 de 1983), mas não da ausência de norma que limitasse o mecanismo de aquisição iure sanguinis para pessoas nascidas no exterior, ali residentes e com a cidadania de outro Estado.
De qualquer modo, é sobretudo necessário lembrar que esta Corte – diferentemente do que sustentam as partes – julga a eventual inconstitucionalidade das normas; portanto, mesmo quando decide pela não procedência de uma questão, não reconhece a conformidade da norma impugnada com a Constituição, mas apenas exclui a existência do específico vulnus alegado.
9.2. – Também é manifestamente infundada a exceção que contesta a ausência de tentativa de interpretação conforme à Constituição, oposta à decisão de remessa do Tribunal de Milão, que explicitamente excluiu a possibilidade de superar, por via interpretativa, as dúvidas de legitimidade constitucional levantadas pela norma impugnada.
A mesma exceção, levantada também com relação às decisões dos outros juízos de origem, tampouco procede.
É, de fato, evidente que os juízes a quibus, ao solicitarem uma intervenção aditiva e manipulativa do art. 1, § 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, implicitamente consideraram que seu conteúdo literal não poderia abranger as complexas e múltiplas adições por eles propostas.
O juiz não tem o dever de explicitar o que já é evidente, de forma clara, pelo perfil literal da disposição.
Esta Corte reiterou, especialmente em decisões recentes, que o texto da norma constitui um limite intransponível, diante do qual a tentativa de interpretação conforme cede necessariamente espaço ao controle de constitucionalidade (entre outras, sentenças n.º 88 de 2025, n.º 44 de 2024, n.º 193 de 2022 e n.º 221 de 2019).
10. – Seguindo agora a ordem lógica das exceções, passam-se a examinar aquelas relativas à falta de relevância.
10.1. – Não é fundada, em primeiro lugar, a exceção de irrelevância das questões, levantada por algumas partes, sob o argumento de que os juízos de origem de Bolonha, Roma e Florença teriam impugnado apenas o art. 1, § 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, e não também as leis anteriores que regulavam a aquisição da cidadania iure sanguinis pelos ascendentes (a Lei n.º 123 de 1983, a Lei n.º 555 de 1912, até remontar ao Código Civil de 1865); e isso, embora alguns recorrentes tenham nascido antes da entrada em vigor da Lei n.º 91 de 1992.
Tal exceção é destituída de fundamento, uma vez que a cidadania italiana, nos termos do art. 1, § 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, pertence a quem é filho de cidadão ou cidadã italianos, sem que constitua obstáculo eventual norma diversa vigente no momento em que surge o vínculo de filiação.
O nascimento, de fato, representa o pressuposto de aquisição do status filiationis (assim como o reconhecimento e a adoção), mas é a condição de filho, enquanto tal, que constitui o título de aquisição do status civitatis.
10.2. – Inversamente, cumpre reconhecer de ofício a inadmissibilidade, por falta de relevância, das questões que o Tribunal de Milão levanta sobre toda a cadeia normativa acima mencionada, e precisamente sobre o art. 4 do Código Civil de 1865 e sobre o art. 1 da Lei n.º 555 de 1912.
Os processos principais não têm como objeto as leis que atribuem a cidadania italiana aos ascendentes dos atuais recorrentes, que, no máximo – e de forma meramente eventual – podem ser invocadas para apoiar a prova da cidadania italiana do genitor de quem busca o reconhecimento do próprio status.
Ao contrário, a disciplina objeto dos processos principais é aquela que regula a aquisição da cidadania italiana pelos recorrentes; e estes, com fundamento no art. 1, § 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, são cidadãos italianos, por serem filhos de italianos, mesmo que tenham nascido antes de 1992.
10.3. – Quanto à exceção que contesta a irrelevância das questões pela ausência de demonstração, com relação aos recorrentes, da falta de vínculos efetivos com o ordenamento jurídico italiano, esta deverá ser examinada juntamente com aquela que denuncia o caráter manipulativo da exigência de tais vínculos (infra, ponto 12 do “Considerado em direito”).
11. – Cumpre, por outro lado, avaliar a exceção de inadmissibilidade com fundamento no argumento de que a matéria estaria reservada à discricionariedade do legislador, apresentada por todas as defesas das partes.
Em particular, algumas delas sustentam que esta Corte não poderia “colocar em discussão aquela que foi e é uma escolha” do legislador em matéria de cidadania, fruto de uma avaliação “discricionária” por parte deste.
Consideram, portanto, a eventual procedência das questões de legitimidade constitucional como uma “violação do artigo 70 da Constituição, em relação ao titular da função legislativa, do artigo 71 da Constituição, em relação aos sujeitos com iniciativa legislativa, e do artigo 134 da Constituição, em relação às funções desta Ex.ma Corte Constitucional”.
A exceção – nos termos acima expostos – não é fundada.
11.1. – Esta Corte reconhece “que o legislador goza de ampla discricionariedade na disciplina da atribuição da cidadania” (sentença n.º 25 de 2025). Todavia, as normas previstas sobre o tema, assim como outras matérias marcadas por elevado grau de discricionariedade, “não se furtam por isso ao julgamento de constitucionalidade, pois devem sempre ser elaboradas segundo critérios de não manifesta irrazoabilidade e de proporcionalidade em relação às finalidades perseguidas (entre outras, sentenças n.º 88 de 2023, n.º 194 de 2019, n.º 202 de 2013 e n.º 245 de 2011)” (sentença n.º 25 de 2025 e, em sentido análogo, sentença n.º 195 de 2022).
Em particular, a jurisprudência constitucional excluiu que um critério fundante da cidadania possa ser definido em termos discriminatórios (como na já citada sentença n.º 30 de 1983, que identificou violação do art. 3 da Constituição na norma que previa “a aquisição originária apenas da cidadania do pai”, sem contemplar a mesma aquisição a título originário também no caso de cidadania italiana da mãe). Posteriormente, esta Corte considerou manifestamente irrazoáveis e desproporcionais, ao se aplicarem a pessoas com enfermidade ou deficiência física ou psíquica, normas que atribuíam a cidadania exigindo a demonstração de conhecimentos ou a realização de atos inexigíveis nessas condições (sentenças n.º 25 de 2025 e n.º 258 de 2017). Ainda, declarou inconstitucional norma que incluía de modo irrazoável, entre as causas impeditivas ao reconhecimento da cidadania, o falecimento do cônjuge do requerente ocorrido durante o prazo previsto para a conclusão do procedimento (sentença n.º 195 de 2022).
11.2. – Esta Corte, na verdade, não ignora a peculiaridade da impugnação apresentada com referência aos arts. 1, segundo parágrafo, e 3 da Constituição, que contesta o não cumprimento da noção de povo tal como refletida nas normas que a Constituição dedica à cidadania.
De fato, é preciso sublinhar que a Constituição não fornece uma definição de povo e se limita a delinear traços da cidadania, inseridos na complexidade do texto constitucional.
A Constituição associa a cidadania prioritariamente à participação política e aos direitos políticos (Título IV da Parte I da Constituição).
Atribui, então, aos cidadãos a titularidade de direitos e deveres (entre os quais o dever de defesa da Pátria; o de contribuir com os encargos públicos e o dever de fidelidade). Tal atribuição de direitos e deveres se insere, no entanto, no contexto de uma fonte – a Constituição –, cujos princípios fundamentais garantem a cada pessoa os direitos invioláveis e o próprio princípio da igualdade (já a sentença n.º 120 de 1967 e, em igual sentido, mais recentemente, a sentença n.º 53 de 2024), e cujas normas atribuem alguns deveres de solidariedade também a não cidadãos (basta considerar o dever de contribuir com os encargos públicos, que o texto constitucional, no art. 53, atribui a “todos”, ou a faculdade de prestar o serviço civil nacional, que esta Corte estendeu aos estrangeiros, qualificando a prestação do referido serviço como “cumprimento de um dever de solidariedade [e] como oportunidade de integração e formação para a cidadania”, nesse sentido, a sentença n.º 119 de 2015).
Ainda, a Constituição evoca a ideia de cidadania como pertencimento a uma comunidade que tem raízes culturais e linguísticas comuns, mas, ao mesmo tempo, desenha uma comunidade aberta ao pluralismo e que protege as minorias. Por fim, as normas constitucionais evocam uma correlação entre cidadania e território do Estado, como local que reflete um humus cultural comum e a partilha dos princípios constitucionais.
Diante do sentido articulado e complexo dos referenciais constitucionais à cidadania, cabe, portanto, ao legislador – que possui uma margem particularmente ampla de discricionariedade – identificar os pressupostos para a aquisição do status.
Todavia, compete a esta Corte verificar – com base na não manifesta irrazoabilidade e desproporcionalidade – se as normas que regulam a aquisição do status civitatis não recorrem a critérios totalmente alheios aos princípios constitucionais e àqueles múltiplos traços que – como destacado acima – caracterizam a cidadania.
Permanece assegurada ao legislador a possibilidade de definir concretamente também os conteúdos da cidadania, à luz dos princípios constitucionais.
11.3. – O que foi acima observado encontra correspondência na abordagem que o Tribunal de Justiça da União Europeia adotou com relação às restrições impostas em matéria de cidadania pelo direito da União Europeia, especialmente pelo art. 9 do Tratado da União Europeia (TUE) e pelo art. 20 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
De modo geral, o Tribunal de Justiça reconheceu que “a determinação das formas de aquisição e perda da cidadania é, conforme o direito internacional, de competência de cada Estado-membro” (Tribunal de Justiça, sentença de 7 de julho de 1992, processo C-369/90, Micheletti e outros, ponto 10).
Ao mesmo tempo, porém, o mesmo Tribunal especificou que essa competência estatal “deve ser exercida em conformidade com o direito da União” (Tribunal de Justiça, Grande Secção, sentenças de 29 de abril de 2025, processo C-181/23, Comissão Europeia contra República de Malta, pontos 42, 95 e 98; de 5 de setembro de 2023, processo C-689/21, Ministério da Imigração e Integração da Dinamarca, ponto 30; de 18 de janeiro de 2022, processo C-118/20, JY, ponto 49; de 2 de março de 2010, processo C-135/08, Rottmann, ponto 45; e a já citada sentença Micheletti, ponto 10).
Numa primeira fase, o Tribunal passou a censurar normas estatais que implicavam a perda do status civitatis perante um Estado-membro e, por consequência, perante a União Europeia. Em especial, considerou que as normas sobre cidadania contidas nos Tratados se opunham a tais disposições quando estas não permitiam, “em nenhum momento, um exame individual das consequências dessa perda, para os interessados, à luz do direito da União” (Tribunal de Justiça, Grande Secção, sentença de 17 de março de 2019, processo C-221/17, Tjebbes e outros; no mesmo sentido, sentença Udlændinge- og Integrationsministeriet, bem como, em casos de apatridia, as citadas sentenças JY, pontos 58, 59 e 73, e Rottmann, ponto 55).
Numa segunda fase, mais recente, o Tribunal de Justiça estendeu seu controle também às normas que atribuem a cidadania, observando que “o exercício da competência dos Estados-membros em matéria de definição dos requisitos para a concessão da cidadania de um Estado-membro não é, assim como sua competência sobre as condições de perda da cidadania, ilimitado” (sentença já citada, Comissão Europeia contra República de Malta, ponto 95).
Nessa perspectiva, destacou que a cidadania europeia se baseia “nos valores comuns previstos no artigo 2.º do TUE e na confiança mútua que os Estados-membros depositam uns nos outros no sentido de que nenhum deles exercerá tal competência de modo manifestamente incompatível com a própria natureza da cidadania da União” (sentença Comissão Europeia contra República de Malta, ponto 95).
O Tribunal de Justiça acrescentou ainda que os Tratados da União Europeia definem o conteúdo da cidadania europeia: na garantia aos cidadãos e seus familiares da livre circulação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento; na faculdade de usufruir dos direitos políticos e no direito à assistência das autoridades diplomáticas e consulares dos demais Estados-membros, nas mesmas condições que os cidadãos destes últimos (ainda, sentença Comissão Europeia contra República de Malta, pontos 84-90).
Com base nessas premissas, o Tribunal de Justiça considerou que as normas estatais sobre cidadania não devem ser exercidas “de modo manifestamente incompatível com a própria natureza da cidadania da União” (ainda, sentença Comissão Europeia contra República de Malta, ponto 95). Nesse sentido, considerou-se incompatível com o direito da União “um programa de naturalização” que concedia cidadania após pagamentos ou investimentos feitos no Estado-membro, por ser “assimilável a uma comercialização da concessão do status de cidadão de um Estado-membro e, por extensão, do status de cidadão da União” (idem, ponto 100).
11.4. – À luz das considerações anteriores, não é, portanto, fundada a exceção levantada pelas partes, uma vez que visa excluir, desde a origem, com base na discricionariedade do legislador, a admissibilidade de uma impugnação que conteste a estranheza de uma disciplina sobre cidadania em relação tanto aos princípios constitucionais quanto às normas do TUE e do TFUE, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça da UE.
12. – Contudo, é necessário observar, em seguida, que os juízos de origem, ao levantar as questões com referência aos arts. 1.º, primeiro parágrafo, e 3.º da Constituição, sob o aspecto da irrazoabilidade e da desproporcionalidade, bem como com referência ao art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, em relação ao art. 9 do TUE e ao art. 20 do TFUE, não contestam que o vínculo de filiação, enquanto pressuposto para a aquisição da cidadania, seja em si mesmo incompatível com os traços identificadores do status civitatis no texto constitucional, assim como nas fontes da União Europeia.
As impugnações não colocam em dúvida a ideia segundo a qual, em termos gerais, a pertença a uma comunidade familiar — que é parte da comunidade estatal — possa implicar também a pertença a esta última; critério sobre o qual, aliás, se fundamenta o status civitatis da maior parte dos cidadãos italianos.
Ao contrário, o que os juízes a quibus questionam é se, na presença de elementos de conexão com ordenamentos jurídicos estrangeiros por parte do requerente do reconhecimento da cidadania italiana, e na ausência de elementos de ligação com o ordenamento jurídico italiano além do ius sanguinis, o vínculo de filiação possa ser suficiente à função que está chamado a desempenhar como fundamento da cidadania, já que a própria comunidade familiar, verificados tais pressupostos positivos e negativos, não seria mais capaz de transmitir uma pertença à comunidade estatal.
12.1. – Pois bem, precisamente em relação a esse tipo de impugnação, as partes levantam outras exceções específicas de inadmissibilidade.
Em primeiro lugar, argumentam que esta Corte não pode, por meio de uma intervenção manipulativa de sistema, substituir-se ao legislador na definição de uma pluralidade de pressupostos. Por um lado, teria que estabelecer os elementos de ligação com ordenamentos jurídicos estrangeiros que enfraqueceriam irremediavelmente a função própria do ius sanguinis. Por outro lado, deveria indicar, de forma combinada e sistematicamente correlata, os critérios de ligação com o ordenamento jurídico italiano cuja ausência tornaria o vínculo de filiação insuficiente para cumprir sua função de atribuição da cidadania.
Tal exceção se une àquela que contesta o caráter genérico das impugnações, nas quais alguns juízos propõem várias soluções alternativas, enquanto outros nem sequer indicam de que forma o alegado vulnus deveria ser sanado. A isso se acrescenta o argumento de que a generalidade das impugnações seria tamanha que nem sequer levaria em consideração — segundo as partes constituídas nos autos com o ato depositado em 16 de maio de 2024 — a diversidade das situações que seriam afetadas pela intervenção desejada desta Corte.
Por fim, a essas exceções se soma aquela que contesta a irrelevância das impugnações, uma vez que os juízos a quibus teriam assumido, sem fornecer qualquer prova ou possibilidade de prova em contrário, que os requerentes não possuíam aqueles outros vínculos com o ordenamento italiano que permitiriam evitar o vulnus.
12.2. – As exceções são fundadas.
12.2.1. – Mesmo a simples identificação de perfis de correlação com ordenamentos jurídicos estrangeiros, cuja presença enfraqueceria a função atributiva do status civitatis própria do status filiationis, implica a necessidade de fazer escolhas discricionárias entre uma multiplicidade de opções possíveis.
Não por acaso, as decisões de remessa se limitam a descrever genericamente a situação dos recorrentes nos processos principais, que nasceram no exterior, são cidadãos de outro Estado e ali residem.
Esta Corte, então, deveria decidir se dá relevância ao nascimento no exterior e se este deve se somar a ambos os outros pressupostos ou apenas a um deles; depois, deveria avaliar se considera a residência no exterior do ascendente ou do descendente ou de ambos, e em que momento; por fim, deveria ponderar o significado da referência à dupla cidadania, que varia dependendo se diz respeito ao descendente ou também ao ascendente.
Além disso, intervir sobre cada um desses elementos implica não apenas avaliações discricionárias, mas também relevantes implicações sistêmicas.
12.2.2. – Os traços próprios de uma intervenção manipulativa e sistêmica, como aquela proposta pelos juízos a quibus, tornam-se ainda mais evidentes ao se considerar que esta Corte seria chamada a decidir, entre os muitos elementos identificadores da cidadania, qual ou quais seriam adequados para demonstrar suficientemente que, apesar da existência de elementos de conexão com ordenamentos jurídicos estrangeiros, a pertença ao núcleo familiar continua a exercer sua função justificadora de uma pertença também à comunidade estatal.
Esta Corte deveria, portanto, substituir-se ao legislador para avaliar se deve ser valorizado o vínculo cultural e linguístico com a comunidade estatal, levando em conta a condição dos cidadãos residentes no exterior, ou, ao contrário, privilegiar uma conexão com o território.
Não por acaso, as próprias proposições dos juízos a quibus oscilam entre múltiplas e diversas soluções.
A generalidade e o caráter manipulativo das impugnações tornam-se ainda mais evidentes quando se considera que os juízos de remessa tampouco enfrentam a considerável variedade de hipóteses que seriam potencialmente afetadas pela intervenção pretendida: aqueles que já solicitaram o reconhecimento da cidadania; aqueles que ainda não o fizeram, mas possuem o status filiationis; aqueles que ainda adquirirão tal status.
12.3. – Em resumo, o que se requer a esta Corte é uma intervenção manipulativa excessivamente complexa, que poderia abranger um leque extremamente amplo de opções, diante das quais se impõem escolhas permeadas de discricionariedade e que possuem repercussões significativas em termos de sistema.
Por essas razões, as questões de legitimidade constitucional levantadas com referência aos arts. 1.º, segundo parágrafo, 3.º e 117, primeiro parágrafo, da Constituição – este último em relação ao art. 9 do TUE e ao art. 20 do TFUE – são inadmissíveis.
13. – Igualmente inadmissível, por ausência de identificação da norma internacional interposta ao parâmetro, é a questão de legitimidade constitucional que alega violação do art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, em relação às obrigações internacionais.
Os juízos de remessa não especificam qual seria a fonte do direito internacional violada, da qual resultaria o descumprimento de obrigações internacionais.
Não são invocadas convenções internacionais que digam respeito, direta ou indiretamente, à cidadania. Não é mencionada a fonte do costume internacional, a qual, ademais, teria exigido uma impugnação também com relação ao art. 10 da Constituição. Tampouco há referências aos princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas, que constituem fontes do direito internacional nos termos do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
Ao contrário, os juízos a quibus se limitam a citar o caso Liechtenstein contra Guatemala (CIJ, sentença de 6 de abril de 1955), sobrepondo indevidamente o plano dos critérios de atribuição da cidadania com aquele, absolutamente distinto, que diz respeito à possibilidade de fazer valer a cidadania nas relações internacionais (somente para tais fins é que a decisão mencionada e a mais recente do CIJ, sentença de 4 de fevereiro de 2021, Qatar contra Emirados Árabes Unidos, pressupõem a existência de um vínculo efetivo e de uma ligação genuína com o ordenamento estatal).
Também a impugnação levantada com referência ao art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, relativamente às obrigações internacionais, é, portanto, inadmissível.
14. – São, ao contrário, admissíveis as questões levantadas, respectivamente, pelo Tribunal de Roma e pelo de Milão, com referência ao art. 3 da Constituição, sob o aspecto da irrazoável disparidade de tratamento.
Os juízos a quibus, de fato, ainda que tenham traçado alguns paralelos genéricos entre a norma impugnada, em sua aplicação à situação dos remetentes, e diversas normas de atribuição de cidadania, identificaram, posteriormente, com suficiente precisão, dois específicos tertia comparationis.
14.1. – Em particular, o remetente de Roma considera que o art. 1, § 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, ao ser aplicado a pessoas nascidas, residentes no exterior e com a cidadania do país estrangeiro, implicaria uma irrazoável disparidade de tratamento em relação ao art. 4, § 1.º, da mesma lei, que, entre as várias normas com as quais coloca em comparação a hoje examinada, seria a “mais adequadamente comparável”. Em ambos os casos — segundo o juiz a quo — estar-se-ia diante de uma cidadania adquirida ipso iure, isto é, com base no reconhecimento dos requisitos necessários, configurando-se, portanto, como um direito subjetivo e não como um interesse legítimo.
14.2. – O Tribunal de Milão, por sua vez, após confrontar a norma impugnada com diversas previsões de atribuição de cidadania, identifica, como tertium comparationis, a norma que regula a aquisição da cidadania pelo cônjuge, exigindo a demonstração de um nível intermediário de conhecimento da língua italiana ou, em alternativa, a assinatura de um acordo de integração.
15. – No mérito, as questões não são fundadas.
Uma impugnação por irrazoável disparidade de tratamento impõe a esta Corte, antes de tudo, verificar, à luz da ratio da disciplina, a homogeneidade entre as situações colocadas em comparação. Segundo constante jurisprudência constitucional, há violação do art. 3 da Constituição “quando situações substancialmente idênticas são disciplinadas de modo injustificadamente diverso e não quando à diversidade de disciplina correspondem situações não assimiláveis” (ex plurimis, sentenças n.º 171 de 2022, n.º 71 de 2021, n.º 85 de 2020, n.º 13 de 2018 e n.º 71 de 2015).
15.1. – Tal identidade substancial de situações falta, antes de tudo, na impugnação apresentada pelo Tribunal de Roma.
O art. 4, § 1.º, da Lei n.º 91 de 1992 disciplina hipóteses de aquisição do status civitatis por parte de estrangeiros que sejam filhos de pessoas que perderam a cidadania italiana. A norma impugnada, ao contrário, regula a aquisição iure sanguinis da cidadania por parte de descendentes de pessoas que são cidadãos ou cidadãs italianos.
Portanto, é suficiente o argumento relativo à falta de homogeneidade entre as situações comparadas.
15.2. – O pressuposto da homogeneidade entre as situações colocadas em comparação também falta com relação à impugnação levantada pelo Tribunal de Milão.
A aquisição da cidadania por casamento com um cidadão ou cidadã italianos baseia-se em um tipo de vínculo — o matrimônio — que não é sobreponível, nem mesmo considerando a ratio legis, ao vínculo de filiação.
Também essa impugnação, portanto, não é fundada.
16. – Em conclusão, são inadmissíveis as impugnações formuladas pelo Tribunal de Milão relativas ao art. 4 do Código Civil de 1865 e ao art. 1 da Lei n.º 555 de 1912.
Da mesma forma, são inadmissíveis as questões de legitimidade constitucional do art. 1, § 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, levantadas com referência aos arts. 1, segundo parágrafo, e 3 da Constituição, sob o aspecto da irrazoabilidade e da desproporcionalidade, bem como com referência ao art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, em relação às obrigações internacionais e aos vínculos decorrentes da adesão da Itália à União Europeia, estes últimos com referência ao art. 9 do TUE e ao art. 20 do TFUE.
Por fim, são infundadas as questões de legitimidade constitucional da mesma norma levantadas com referência ao art. 3 da Constituição, sob o aspecto da irrazoável disparidade de tratamento.
PELOS MOTIVOS EXPOSTOS
A CORTE CONSTITUCIONAL
reunidos os processos,
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declara inadmissíveis as intervenções da AUCI – Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana e da AGIS – Associazione Giuristi Iure Sanguinis, apresentadas no processo relativo à decisão inscrita sob o n.º 247 do Registro de Decisões de 2024;
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declara inadmissíveis as questões de legitimidade constitucional do art. 4 do Código Civil de 1865, aprovado pelo decreto real de 25 de junho de 1865, n.º 2358, e do art. 1 da Lei de 13 de junho de 1912, n.º 555 (Sobre a cidadania italiana), levantadas pelo Tribunal Ordinário de Milão, 12.ª Seção Especializada em Imigração, Proteção Internacional e Livre Circulação dos Cidadãos da União Europeia, com referência aos arts. 1, segundo parágrafo, e 3 da Constituição — este último sob os perfis da irrazoabilidade e desproporcionalidade, bem como da irrazoável disparidade de tratamento — e ao art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, em relação às obrigações internacionais e aos vínculos decorrentes da adesão da Itália à União Europeia, com referência ao art. 9 do Tratado da União Europeia e ao art. 20 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, conforme a decisão indicada no cabeçalho;
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declara inadmissíveis as questões de legitimidade constitucional do art. 1, § 1.º, alínea a), da Lei de 5 de fevereiro de 1992, n.º 91 (Novas normas sobre a cidadania), levantadas pelos Tribunais Ordinários de Bolonha (Seção Especializada em Imigração, Proteção Internacional e Livre Circulação de Cidadãos da UE), Milão (12.ª Seção Especializada em Imigração, Proteção Internacional e Livre Circulação dos Cidadãos da UE), Roma (Seção de Direitos da Pessoa e Imigração) e Florença (Seção Especializada em Imigração, Proteção Internacional e Livre Circulação de Cidadãos da UE), com referência aos arts. 1, segundo parágrafo, e 3 da Constituição — este último sob o aspecto da irrazoabilidade e da desproporcionalidade —, conforme as decisões indicadas no cabeçalho; bem como as questões levantadas pelos Tribunais Ordinários de Bolonha, Milão e Florença, com referência ao art. 117, primeiro parágrafo, da Constituição, em relação às obrigações internacionais e aos vínculos decorrentes da adesão da Itália à União Europeia, com referência ao art. 9 do TUE e ao art. 20 do TFUE, conforme as decisões indicadas no cabeçalho;
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declara infundadas as questões de legitimidade constitucional do art. 1, § 1.º, alínea a), da Lei n.º 91 de 1992, levantadas com referência ao art. 3 da Constituição, sob o aspecto da irrazoável disparidade de tratamento, pelos Tribunais Ordinários de Roma (Seção de Direitos da Pessoa e Imigração) e de Milão (12.ª Seção Especializada em Imigração, Proteção Internacional e Livre Circulação dos Cidadãos da UE), conforme as decisões indicadas no cabeçalho.
Assim foi decidido em Roma, na sede da Corte Constitucional, Palazzo della Consulta, em 24 de junho de 2025.
Assinado:
Giovanni AMOROSO, Presidente
Emanuela NAVARRETTA, Redatora
Roberto MILANA, Diretor da Secretaria
Depositada na Secretaria em 31 de julho de 2025
O Diretor da Secretaria
Assinado: Roberto MILANA
As sentenças e decisões da Corte Constitucional são publicadas na primeira série especial do Diário Oficial da República Italiana (nos termos dos arts. 3 da Lei de 11 de dezembro de 1984, n.º 839, e 21 do Decreto do Presidente da República de 28 de dezembro de 1985, n.º 1092) e na Coletânea Oficial das sentenças e decisões da Corte Constitucional (nos termos do art. 29 das Normas complementares para os julgamentos perante a Corte Constitucional, aprovadas pela própria Corte em 16 de março de 1956).
O texto publicado no Diário Oficial faz plena fé e prevalece em caso de divergência.