Caso Turim: Por que as defesas na Corte Constitucional da Itália são mantidas sob sigilo?

Quem acompanha o debate sobre o Decreto-Lei nº 36/2025 — o chamado “Decreto da Vergonha”, como ficou conhecido entre os ítalo-descendentes — depara-se com uma questão recorrente: por que ninguém tem acesso ao texto da defesa apresentada pela Avvocatura dello Stato, o órgão que representa juridicamente o Governo italiano, no processo que tramita perante a Corte Constitucional?

A resposta está no próprio funcionamento da justiça constitucional italiana. Todos os processos submetidos à Corte seguem um rigoroso regime de reserva processual, previsto no Regolamento di procedura della Corte costituzionale.

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Isso significa que as peças processuais — como as memorie difensive e os atti di costituzione — não são públicas enquanto o julgamento estiver em andamento. Durante essa fase, apenas os magistrados da Corte e os advogados oficialmente constituídos têm acesso ao conteúdo dos autos.

O objetivo é garantir que as decisões sejam tomadas com absoluta independência, sem interferência de campanhas de opinião, pressões políticas ou divulgação seletiva de trechos fora de contexto.

Somente após a audiência pública e a deliberação final, a Corte publica um resumo oficial das posições das partes, o chamado resoconto sommario dell’udienza. Mais tarde, na sentença definitiva, são mencionadas — ainda que de forma sintética — as principais teses jurídicas apresentadas por cada lado.

Em outras palavras: até o pronunciamento da Corte, o processo vive num espaço de silêncio institucional, onde prevalece a lógica jurídica e não a midiática. Esse sistema, que pode parecer excessivamente fechado ao olhar de quem vem de democracias mais “transparentes”, é parte da tradição jurídica italiana, que valoriza o decoro, a sobriedade e a imparcialidade no exercício da justiça constitucional.

Casos célebres sob o mesmo regime de sigilo

O sigilo que envolve o Caso Turim não é uma exceção: trata-se de uma prática consolidada da Corte Constitucional italiana. Diversas causas de grande repercussão nacional e internacional seguiram exatamente o mesmo protocolo de reserva:

O caso Berlusconi (2009) – Quando a Corte examinou a lei que concedia imunidade judicial ao então primeiro-ministro Silvio Berlusconi, as defesas do Governo e das partes permaneceram integralmente reservadas. Somente após a publicação da sentença — que declarou a norma inconstitucional — se soube que a Avvocatura havia sustentado a necessidade de imunidade para garantir a estabilidade institucional.

O caso Cappato (2019) – No julgamento sobre o suicídio assistido, envolvendo o ativista Marco Cappato, todas as memórias da Avvocatura e da defesa foram mantidas sob sigilo reforçado devido à sensibilidade ética e religiosa do tema. Apenas depois da decisão se soube que o Estado defendia a constitucionalidade integral da proibição penal.

Os decretos da pandemia (2021) – As ações que questionavam as restrições impostas durante a emergência sanitária da Covid-19 também tramitaram sob reserva processual completa. A Corte justificou a medida para “evitar interpretações políticas prematuras”, revelando depois que a Avvocatura defendera as medidas com base no princípio da proporcionalidade.

O caso Englaro (2008–2009) – Outro exemplo emblemático foi o processo sobre a suspensão de tratamento médico a Eluana Englaro, que comoveu o país. Mesmo diante da intensa cobertura midiática e do envolvimento direto da Igreja Católica, as peças processuais permaneceram inacessíveis até o pronunciamento final.

O caso Rosatellum (2017) – Na análise da lei eleitoral italiana, também conhecida como Rosatellum, a Corte blindou o processo para preservar a serenidade da deliberação em meio a um clima pré-eleitoral. Somente após a leitura da decisão se conheceu a linha de argumentação da Avvocatura.

Esses exemplos demonstram que, mesmo diante de pressões políticas, éticas ou midiáticas, a Corte Constitucional italiana mantém o mesmo princípio: proteger a independência de sua deliberação e o decoro da justiça constitucional, preservando o debate jurídico no interior das salas de audiência — e não nas páginas dos jornais.

Entre o silêncio e a transparência

Em casos como o Decreto-Lei nº 36/2025, essa reserva processual muitas vezes frustra a curiosidade de jornalistas, estudiosos e cidadãos. Mas é importante compreender que ela não implica falta de transparência, e sim uma escolha de método: proteger a serenidade do julgamento até que os magistrados se pronunciem de forma definitiva.

As informações que circulam antes da decisão — sejam declarações de advogados, notas oficiais ou análises acadêmicas — devem ser entendidas como interpretações externas, não como reprodução fiel dos autos. No fundo, trata-se de uma opção civilizatória: sacrificar a visibilidade imediata em favor da imparcialidade do juízo constitucional.