O ativismo judicial na Itália contra os direitos dos cidadãos ítalo-brasileiros

O ativismo judicial é um conceito que tem gerado intensos debates no âmbito jurídico e político. Trata-se da prática na qual o Poder Judiciário, em suas mais diversas instâncias e graus de jurisdição, assume um papel proativo na interpretação da Constituição e na criação de precedentes que influenciam diretamente a legislação e a vida social. Essa postura muitas vezes influenciada por forças políticas, ultrapassa a função tradicional da magistratura, gerando polêmicas sobre os limites entre os poderes.

O ativismo judicial ocorre quando os tribunais adotam interpretações amplas e progressistas da lei, muitas vezes em resposta à inércia do Poder Legislativo ou Executivo. Essa postura pode resultar na ampliação e/ou supressão de direitos fundamentais, na revisão ilegítima de normas ou até mesmo na criação de novas obrigações legais muitas vezes injurídicas, sem uma base legislativa clara.

PATROCINANDO SUA LEITURA

Embora o ativismo judicial não esteja expressamente previsto na Constituição, ele decorre do princípio da jurisdição constitucional, que confere ao Judiciário a prerrogativa de interpretar a Carta Magna e garantir sua efetividade. Na Itália, forças ocultas tentam fazer com que a Corte Constitucional promova a revisão injustificada de leis, como é o caso da Lei 91/1992 que trata da Cidadania Italiana iure sanguinis, entre outros direitos, plenamente vigente há 33 anos.

Recentemente, tem-se observado um ativismo judicial significativo por parte de alguns juízes de primeiro grau na Itália, em relação aos direitos de cidadãos ítalo-brasileiros que buscam o reconhecimento de sua cidadania por direito de sangue. Decisões judiciais têm imposto a suspensão indevida e equivocada na tramitação de ações nos tribunais italianos, como já ocorreu em Bolonha, Campobasso e Caltanissetta.

Essas restrições à tramitação de processos de reconhecimento da cidadania italiana por descendência, que já geraram a suspensão na tramitação de milhares de ações judiciais, tem gerado e gerará danos irreversíveis a dezenas de milhares de cidadãos que terão o julgamento de mérito dos seus direitos simplesmente adiado, diga-se, indevidamente, e sem qualquer motivo ou razão lógico-técnico-jurídica.

Essas decisões políticas por parte de juízes na Itália têm gerado intensos debates sobre a interferência do Judiciário em direitos historicamente garantidos dos cidadãos ítalo-descendentes, de todo o mundo. Essa postura tem sido criticada por especialistas, que argumentam que tais decisões ultrapassam a mera interpretação da lei e configuram uma forma de restrição arbitrária ao direito de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis.

Além disso, há um crescente debate sobre a influência da extrema-direita no ativismo judicial na Itália. Certas decisões judiciais têm refletido posturas mais conservadoras, alinhadas a discursos políticos de setores extremistas, impondo barreiras adicionais a direitos de italianos nascidos no exterior, imigrantes e minorias. Essa influência tem gerado preocupações sobre a imparcialidade do Judiciário e o impacto dessas decisões na preservação dos direitos fundamentais.

Outro aspecto preocupante é a presença de xenofobia e racismo contra cidadãos ítalo-brasileiros na Itália, manifestada em recentes decisões judiciais, bem como em ações de órgãos públicos municipais italianos. Há relatos de discriminação sistemática no processo de reconhecimento da cidadania por direito de sangue, com exigências burocráticas excessivas e prazos desproporcionais em comparação a outros grupos.

Além disso, órgãos públicos italianos têm adotado medidas restritivas que atacam direitos fundamentais desses cidadãos, dificultando sua integração e acesso a benefícios legalmente garantidos. Esses fatores agravam a exclusão e reforçam um padrão de desigualdade e preconceito institucionalizado.

O ativismo judicial desperta críticas tanto da classe política quanto de estudiosos do Direito. Seus detratores argumentam que ele compromete a separação dos poderes e enfraquece a democracia, pois permite que juízes não eleitos pelo povo exerçam funções típicas do Legislativo. Ademais, há preocupação com a segurança jurídica, uma vez que decisões baseadas em interpretações subjetivas podem gerar instabilidade normativa.

Por outro lado, defensores do ativismo judicial argumentam que ele é necessário para corrigir omissões do Legislativo e garantir a efetivação de direitos fundamentais. Em contextos de crise política ou de negligência legislativa, o Judiciário pode atuar como um freio contra retrocessos democráticos e sociais.

Os efeitos do ativismo judicial são amplos e diversificados. Por um lado, ele tem sido responsável por avanços em direitos humanos e sociais, contra atitudes inconstitucionais de políticos radicais, impulsionando políticas públicas e assegurando direitos de minorias. Por outro, tem gerado enorme insegurança jurídica aos cidadãos, crises institucionais e desgastes entre os poderes, já que juízes não exercem atividade legiferante e não têm o poder de legislar.

Além disso, o ativismo judicial pode prejudicar os cidadãos no Estado Democrático de Direito ao enfraquecer a previsibilidade das normas jurídicas. Quando juízes adotam posturas que extrapolam a interpretação da legislação vigente, podem criar instabilidade jurídica, dificultando o planejamento de indivíduos e empresas. A falta de critérios objetivos em decisões judiciais politicamente ativistas também pode levar a desigualdades na aplicação da justiça, comprometendo a confiança no sistema judiciário e enfraquecendo a democracia.

Em sistemas democráticos, o equilíbrio entre os poderes é essencial. O ativismo judicial, quando exercido com responsabilidade, pode ser um mecanismo de proteção dos direitos fundamentais. No entanto, seu abuso pode levar a um desequilíbrio institucional, comprometendo a previsibilidade e estabilidade do ordenamento jurídico.

O ativismo judicial é um fenômeno complexo, que reflete as interações entre direito, política e sociedade. Embora possa ser um instrumento valioso para garantir direitos e avanços sociais, é essencial que seja exercido dentro de parâmetros que respeitem a separação dos poderes e a legitimidade democrática. O desafio está em encontrar um equilíbrio que permita ao Judiciário atuar de forma responsável, sem usurpar as funções dos demais poderes do Estado.

Enfim, é inadmissível que magistrados utilizem de sua atividade judicante para prestarem serviços a partidos e correntes políticas, ao arrepio da lei, desrespeitando normas consolidadas no ordenamento jurídico italiano, direitos fundamentais dos cidadãos, afrontando a Constituição e o estado Democrático de Direito.


* Luiz Scarpellli é advogado com atuação no Brasil, Itália e outros países europeus, especializado em cidadania italiana “iure sanguinis”. 

Texto publicado originariamente na edição 303 da Revista Insieme.