Perguntam-me, com frequência o que são, que fazem e, principalmente, para que servem os Comites. Não integro a entidade, mas não posso, como jornalista, deixar de responder. A começar pela explicação do nome “Comitati degli Italiani all’Estero”, as coisas se complicam. Então derivo para comparações: é como se fosse a câmara municipal de vereadores. Ou a assembléia legislativa dos italianos.

Dizendo assim, as coisas ficam mais fáceis. Passa a ideia de que um “Cómites” (e não “comitê”, outros complicam ainda mais com “Com.It.Es”) é um órgão de representação, formado por integrantes eleitos pelo voto direto, que aos eleitores devem subordinação, respeito e prestação de contas.

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Não vou entrar aqui em outras minúcias, porque o objetivo desse artigo é outro. Sim, os Comites são instituídos por lei, são órgãos devidamente reconhecidos pelo governo italiano sem, entretanto, ter força e poder efetivo, apenas – como dizem – consultivo. Mas, em linhas gerais, é a expressão institucional dos italianos de uma determinada comunidade, geralmente coincidente com a jurisdição consular. Têm a ver, portanto, com tudo o que seja de interesse dessas comunidades, das filas da cidadania àquela dos passaportes, e muito, muito mais!

No site do Ministério das Relações Exteriores está escrito, em resposta à pergunta sobre o que fazem os Comites, que eles “representam a comunidade italiana, promovem os interesses dos italianos no exterior, ajudam na inserção da nova mobilidade, valorizam a contribuição italiana nas sociedades em que operam e preservam a memória histórica da emigração italiana”. Bem abrangente, não?

Ali nada está escrito sobre eles serem apêndices consulares ou atenderem ao comando dos cônsules de plantão. Então, vamos ao tema: o cônsul de Curitiba, Raffaele Festa, rompendo com uma tradição de harmonia e até, por vezes, de intrigante sossego, assustou-se com a dinâmica dos debates em nosso Comites (e do Intercomites ocorrido logo após a su chegada) e resolveu ditar as normas dentro da “assembleia legislativa” dos italianos que moram no Paraná e Santa Catarina.

Começou por querer regular a cobertura jornalística ou divulgação dos atos dessa “assembléia”. Isto tem um nome, mas não falemos ainda em censura à imprensa. Ele avisou que não queria câmeras, gravadores e, inclusive, celulares. E usou o próprio presidente da “assembleia” como canal de seu comando, talvez procurando uma forma de – como se diz – dar o tapa e esconder a mão. Teve até um certo sucesso. Num primeiro tempo, as coisas ficaram mais ou menos por isso, exceto que um dos conselheiros do Comites resolveu acender holofotes sobre o problema.

Censurado, não estive presente, mas é voz corrente que na assembleia seguinte, o assunto ainda fervia, quando outras questões entraram na pauta, provocados também pelo próprio cônsul em suas escolhas e ações na área administrativa, mas com repercussão na comunidade. O cônsul não suportou a crítica e se retirou da reunião.

Como é de praxe ou norma, sei lá, convidado para a  assembleia seguinte, a autoridade consular parte para o confronto: escreve ao presidente do Comites impondo condições para sua eventual participação. Entre outras coisas, não poderia haver gravação de audio e de vídeo. O único documento seria a ata, a ser elaborada – vejam bem – pelo secretário “habilitado” e “não ad hoc”. Além disso, as propostas (“e não comícios”, palavra dele) deveriam ser novas, e não repetitivas de precedentes reuniões. Invocava a ação do presidente como moderador e falava no “espírito” da lei italiana 286 de 2003 que, embora enuncie claramente que as assembléias dos Comites são públicas, ele quer que sejam públicas sem publicidade….

As reuniões do Comites PR/SC, desde que as acompanho a perder de vista, foram sempre totalmente gravadas (para ajudar na fiel confecção das atas, me explicaram). O secretário eleito, nem sempre presente, era substituído pelo suplente ou, por alguém nomeado “ad hoc” (normal em qualquer lugar). Sempre, quando possível, participei como jornalista dessas reuniões, fotografei, filmei, divulguei…. tive até oportunidade de falar. Modestamente, acho que tentei cumprir meu papel procurando, sempre, responder à pergunta inicialmente colocada: o que fazem e para que servem os Comites.

Pano rápido: no episódio que estamos atravessando, em que a censura consular extrapola os umbrais do Comites (vai do impedimento de cobrir processo eleitoral à cobertura de eventos culturais, incluindo boicote, mas esse é outro capítulo), o que está em jogo é a democracia, a cidadania, a liberdade de expressão, e o direito de informação. Mas, mais que isso, a sobrevivência de instituições como o próprio Comites.

Sim, porque se já para poucos ele significa alguma coisa, sufocado entre quatro paredes morrerá de inanição, apatia, desconhecimento. O fermento do debate, da multifacetada representação ativa e combativa que constrói (ou destrói) lideranças e ensaia soluções, cede lugar à paz dos cemitérios. Então, o assunto de fundo nesse debate é a democracia.

Autoridade dentro de suas competências que lhe são próprias, o cônsul não tem esse poder (nem convém que tenha!) de ditar normas no seio do Comites – nossa Assembleia Legislativa -, de dizer o que ali deve e ou o que não deve ser discutido; impor inclusive a forma de discussão; dizer quem é o secretário ou quem não pode ser; descer a detalhes para delimitar a feitura da ata; impor temas ou restringir a discussão ou a  rediscussão de temas, se pisa ou se repisa argumento…

Mais, não competiria ao cônsul regular se, no exercício de seu mandato conquistado nas urnas, algum conselheiro faz comício ou não (aliás, comícios são próprios dos parlamentos, não?) e assim por diante. Nem – e agora vem a questão que me toca mais de perto – tentar evitar que as ideias e debates de interesse público ganhem de volta as ruas e becos da comunidade, de onde elas vieram através do voto que produziu representantes, impondo uma mordaça sobre a mídia, sobre a imprensa (aliás, essas sessões deveriam ser transmitidas ao vivo!).

Além de atentar contra a democracia e contra a liberdade de imprensa e do cidadão, proibir isso tudo é matar os Comites! É esse, como vejo, o ponto central do debate.