OEm meio à perplexidade geral do universo italiano em todo o planeta, o governo italiano publicou hoje no Gazzetta Ufficiale o Decreto-Lei nº 36, que impõe restrições inéditas ao reconhecimento da cidadania italiana a descendentes nascidos e residentes no exterior. A medida, segundo o texto, visa conter o crescimento exponencial de novos cidadãos com vínculos apenas formais com a Itália, além de preservar a segurança nacional e a estabilidade administrativa dos consulados e tribunais italianos.
O decreto afirma que, até agora, a legislação vinha sendo interpretada de maneira a permitir o reconhecimento da cidadania italiana sem limites de gerações e sem exigência de vínculos efetivos com o país, o que teria contribuído para o surgimento de uma população cidadã italiana fora do território nacional que, em breve, poderia ultrapassar em número os próprios residentes na Itália.
Fim do reconhecimento automático – A principal inovação do decreto está no Artigo 3-bis, que determina que não será mais considerado cidadão italiano aquele que nasceu no exterior e possui outra cidadania, mesmo que descendente de italianos, salvo se preencher critérios específicos.
Essas exceções incluem:
•Ter solicitado o reconhecimento da cidadania junto a um consulado ou prefeitura até 23h59 (hora de Roma) de 27 de março de 2025;
•Ter ajuizado ação judicial até a mesma data e horário;
•Ter um pai ou adotante italiano que tenha nascido na Itália;
•Ter um pai ou adotante italiano que tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento ou adoção do requerente;
•Ter um avô ou avó italiano (ascendente de primeiro grau dos pais) nascido na Itália.
Efeitos imediatos e limites processuais – O decreto entra em vigor já amanhã, 29 de março de 2025, e estabelece que os processos judiciais e administrativos já iniciados até o fim do dia 27 de março seguem regidos pelas normas anteriores. No entanto, as ações futuras já estarão submetidas às novas regras.
Além disso, o texto altera o Decreto Legislativo nº 150/2011, proibindo o uso de juramento e prova testemunhal em ações de reconhecimento de cidadania. O requerente deverá comprovar, com documentação objetiva, que não se enquadra nas causas legais de perda ou não aquisição da cidadania.
Objetivo: conter uma explosão de pedidos – Segundo o decreto, o objetivo é conter um “afluxo excepcional e incontrolado” de pedidos de reconhecimento de cidadania, que estaria prejudicando o funcionamento dos consulados, prefeituras e tribunais italianos. O governo afirma que está em curso uma reforma mais ampla sobre cidadania, mas que, diante da urgência, foi necessário adotar esta medida de imediato.
A decisão foi assinada pelo Presidente da República, Sergio Mattarella, pela primeira-ministra Giorgia Meloni e pelos ministros das Relações Exteriores, Interior, Justiça e Economia.
Reações e próximos passos – Organizações da diáspora italiana e juristas devem reagir nos próximos dias. O decreto ainda precisa ser convertido em lei pelo Parlamento italiano em até 60 dias, podendo ser confirmado, modificado ou revogado.
Enquanto isso, milhares de descendentes ao redor do mundo — especialmente na América do Sul, onde vive uma numerosa comunidade ítalo-descendente — buscam orientação para entender como a nova norma impacta seus direitos à cidadania. Abaixo publicamos, na íntegra, o texto do DL
DECRETO-LEI 28 DE MARÇO DE 2025, Nº 36
Disposições urgentes em matéria de cidadania
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Vistos os artigos 77 e 87, quinto parágrafo, da Constituição;
Vista a Lei de 23 de agosto de 1988, nº 400, que dispõe sobre “Disciplina da atividade do Governo e organização da Presidência do Conselho de Ministros”, em particular o artigo 15;
Visto o Código Civil aprovado por Decreto Real de 25 de junho de 1865, nº 2358, e em especial os artigos de 4 a 15;
Vista a Lei de 13 de junho de 1912, nº 555, que dispõe “Sobre a cidadania italiana”;
Vista a Lei de 21 de abril de 1983, nº 123, com “Disposições em matéria de cidadania”;
Vista a Lei de 5 de fevereiro de 1992, nº 91, com “Novas normas sobre a cidadania”;
Visto o Decreto Legislativo de 1º de setembro de 2011, nº 150, com “Disposições complementares ao código de processo civil em matéria de redução e simplificação dos procedimentos civis de cognição, nos termos do artigo 54 da Lei de 18 de junho de 2009, nº 69”, e em particular o artigo 19-bis;
Considerando que as normas adotadas posteriormente à unificação nacional em matéria de cidadania têm sido até agora interpretadas no sentido de permitir que pessoas nascidas no exterior solicitem o reconhecimento da cidadania sem qualquer limite temporal ou geracional, nem obrigação de demonstrar a existência ou manutenção de vínculos efetivos com a República;
Considerando que esse arranjo normativo tem causado o crescimento contínuo e exponencial do número potencial de cidadãos italianos residentes fora do território nacional e que, também devido à posse de uma ou mais cidadanias diferentes da italiana, encontram-se predominantemente ligados a outros Estados por vínculos profundos de cultura, identidade e fidelidade;
Considerando que a eventual ausência de vínculos efetivos com a República por parte de um número crescente de cidadãos, que poderia atingir ou superar a população residente no território nacional, constitui um fator de risco sério e atual para a segurança nacional e, em virtude da adesão da Itália à União Europeia, também para os demais Estados-membros e para o Espaço Schengen;
Considerando que, em aplicação do princípio da proporcionalidade, é adequado prever a manutenção da cidadania italiana — e, consequentemente, da cidadania europeia — para as pessoas nascidas e residentes no exterior a quem já tenha sido validamente reconhecida tal condição;
Considerando ser oportuno aplicar a legislação anterior às ações judiciais e aos procedimentos administrativos iniciados antes da deliberação do Conselho de Ministros que aprovou este decreto;
Reconhecida, portanto, a extraordinária necessidade e urgência de introduzir limitações na transmissão automática da cidadania italiana a pessoas nascidas e residentes no exterior, condicionando-a a indícios claros da existência de vínculos efetivos com a República;
Reconhecida a extraordinária necessidade e urgência de realizar um equilíbrio entre os princípios dos artigos 1º e 3º da Constituição, aplicando essas limitações a todos os futuros reconhecimentos de cidadania italiana e evitando a irrazoabilidade intrínseca de reconhecimentos com base em critérios distintos, fundados num fator aleatório e não indicativo de vínculos efetivos com a República — como o local de nascimento dos requerentes — em vez do efetivo exercício de direitos ou cumprimento de deveres associados à condição de cidadão;
Reconhecida a extraordinária necessidade e urgência de introduzir medidas para evitar, enquanto se aguarda a aprovação de uma reforma orgânica das disposições sobre cidadania, um fluxo excepcional e incontrolado de pedidos de reconhecimento de cidadania, capaz de comprometer o funcionamento ordenado dos consulados no exterior, dos municípios e das autoridades judiciais;
Vista a deliberação do Conselho de Ministros, adotada na reunião de 28 de março de 2025;
Sob proposta do Presidente do Conselho de Ministros e dos Ministros das Relações Exteriores e Cooperação Internacional e do Interior, em conjunto com os Ministros da Justiça e da Economia e Finanças;
Promulga-se o seguinte decreto-lei:
Art. 1
Disposições urgentes em matéria de cidadania
1. À Lei de 5 de fevereiro de 1992, nº 91, após o artigo 3 é inserido o seguinte:
Art. 3-bis. —
1. Em derrogação aos artigos 1, 2, 3, 14 e 20 da presente lei; ao artigo 5 da Lei de 21 de abril de 1983, nº 123; aos artigos 1, 2, 7, 10, 12 e 19 da Lei de 13 de junho de 1912, nº 555; e aos artigos 4, 5, 7, 8 e 9 do Código Civil aprovado por Decreto Real de 25 de junho de 1865, nº 2358; é considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana aquele que: tenha nascido no exterior, mesmo antes da entrada em vigor deste artigo, e seja titular de outra cidadania, salvo se verificar uma das seguintes condições:
a) a condição de cidadão do interessado tenha sido reconhecida, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, com base em pedido acompanhado da documentação necessária, apresentado ao consulado ou à prefeitura competente até às 23h59, horário de Roma, da mesma data;
b) a condição de cidadão do interessado tenha sido determinada judicialmente, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, com base em ação judicial proposta até às 23h59, horário de Roma, da mesma data;
c) um dos pais ou adotante cidadão tenha nascido na Itália;
d) um dos pais ou adotante cidadão tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento ou da adoção do filho;
e) um ascendente em linha reta de primeiro grau dos pais ou dos adotantes cidadãos tenha nascido na Itália.
2. Ao artigo 19-bis do Decreto Legislativo de 1º de setembro de 2011, nº 150, são feitas as seguintes alterações:
a) o título passa a ser:
“Controvérsias em matéria de apatridia e cidadania italiana”;
b) após o parágrafo 2, são inseridos os seguintes:
2-bis. Salvo nos casos expressamente previstos em lei, nas controvérsias relativas à verificação da cidadania italiana, não são admitidos o juramento e a prova testemunhal.
2-ter. Nas controvérsias relativas à verificação da cidadania italiana, o requerente deve alegar e provar a inexistência das causas legais de não aquisição ou de perda da cidadania.
Art. 2
Entrada em vigor
1. Este decreto entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário Oficial da República Italiana e será apresentado ao Parlamento para conversão em lei.
Este decreto, munido do selo do Estado, será inserido na Coleção Oficial dos Atos Normativos da República Italiana. É obrigação de todos aqueles a quem compete de respeitá-lo e fazê-lo respeitar.
Dado em Roma, aos 28 de março de 2025
MATTARELLA
Meloni, Presidente do Conselho de Ministros
Tajani, Ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional
Piantedosi, Ministro do Interior
Nordio, Ministro da Justiça
Giorgetti, Ministro da Economia e Finanças
Visto, o Ministro da Justiça: Nordio
Art. 3-bis. —
1. Em derrogação aos artigos 1, 2, 3, 14 e 20 da presente lei; ao artigo 5 da Lei de 21 de abril de 1983, nº 123; aos artigos 1, 2, 7, 10, 12 e 19 da Lei de 13 de junho de 1912, nº 555; e aos artigos 4, 5, 7, 8 e 9 do Código Civil aprovado por Decreto Real de 25 de junho de 1865, nº 2358; é considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana aquele que: tenha nascido no exterior, mesmo antes da entrada em vigor deste artigo, e seja titular de outra cidadania, salvo se verificar uma das seguintes condições:
a) a condição de cidadão do interessado tenha sido reconhecida, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, com base em pedido acompanhado da documentação necessária, apresentado ao consulado ou à prefeitura competente até às 23h59, horário de Roma, da mesma data;
b) a condição de cidadão do interessado tenha sido determinada judicialmente, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, com base em ação judicial proposta até às 23h59, horário de Roma, da mesma data;
c) um dos pais ou adotante cidadão tenha nascido na Itália;
d) um dos pais ou adotante cidadão tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento ou da adoção do filho;
e) um ascendente em linha reta de primeiro grau dos pais ou dos adotantes cidadãos tenha nascido na Itália.
2. Ao artigo 19-bis do Decreto Legislativo de 1º de setembro de 2011, nº 150, são feitas as seguintes alterações:
a) o título passa a ser:
“Controvérsias em matéria de apatridia e cidadania italiana”;
b) após o parágrafo 2, são inseridos os seguintes:
2-bis. Salvo nos casos expressamente previstos em lei, nas controvérsias relativas à verificação da cidadania italiana, não são admitidos o juramento e a prova testemunhal.
2-ter. Nas controvérsias relativas à verificação da cidadania italiana, o requerente deve alegar e provar a inexistência das causas legais de não aquisição ou de perda da cidadania.
Art. 2
Entrada em vigor
1. Este decreto entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário Oficial da República Italiana e será apresentado ao Parlamento para conversão em lei.
Este decreto, munido do selo do Estado, será inserido na Coleção Oficial dos Atos Normativos da República Italiana. É obrigação de todos aqueles a quem compete de respeitá-lo e fazê-lo respeitar.
Dado em Roma, aos 28 de março de 2025
MATTARELLA
Meloni, Presidente do Conselho de Ministros
Tajani, Ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional
Piantedosi, Ministro do Interior
Nordio, Ministro da Justiça
Giorgetti, Ministro da Economia e Finanças
Visto, o Ministro da Justiça: Nordio