O Ministério do Interior da Itália publicou nesta quarta-feira (24/07) uma nova circular dirigida aos prefeitos e oficiais do estado civil com instruções operacionais complementares sobre a aplicação da Lei n.º 74/2025, que converteu em lei o chamado Decreto da Vergonha. A medida esclarece aspectos decisivos da nova legislação sobre cidadania italiana, especialmente no que diz respeito à transmissão da cidadania para filhos nascidos no exterior e já titulares de outra nacionalidade.
Assinada pelo diretor central para os Direitos Civis, a Cidadania e as Minorias, Fabrizio Orano, a circular reforça o endurecimento das regras para a transmissão automática da cidadania iure sanguinis (por direito de sangue) a filhos menores de italianos reconhecidos. As novas diretrizes detalham dois pontos fundamentais: o impedimento à transmissão da cidadania para certos filhos nascidos no exterior e a reinterpretação das normas relativas à iuris communicatio (comunicação de cidadania entre pais e filhos).
De acordo com a circular, a cidadania iure sanguinis não será mais transmitida automaticamente a filhos menores nascidos no exterior e com outra cidadania, caso o genitor tenha adquirido a cidadania italiana mas não tenha residido por pelo menos dois anos contínuos na Itália após essa aquisição e antes do nascimento da criança.
Com isso, um filho nascido no Brasil, por exemplo, não será considerado automaticamente cidadão italiano se seu pai ou mãe se tornou cidadão italiano mas residia fora da Itália na época da gestação. O texto ainda alerta os oficiais para que verifiquem rigorosamente a residência bienal do genitor, com o objetivo de evitar “inscrições anagráficas irregulares”.
Além disso, a circular esclarece que a regra vale para qualquer forma de aquisição da cidadania: por reconhecimento iure sanguinis, por naturalização, por benefício legal ou por reaquisição. A data a ser considerada para o início da contagem da residência varia conforme a modalidade de aquisição.
Comunicação de cidadania entre pais e filhos sofre nova leitura
A circular também apresenta novas interpretações sobre o artigo 14 da Lei n.º 91/1992, que regula a chamada iuris communicatio — mecanismo pelo qual filhos menores que convivem com pais recém-naturalizados adquirem automaticamente a cidadania.
Segundo o novo texto, a regra continua valendo automaticamente apenas para:
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filhos nascidos na Itália;
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filhos nascidos no exterior sem outra nacionalidade.
Por outro lado, no caso de filhos nascidos no exterior e com dupla cidadania, a aquisição por iuris communicatio fica condicionada a três exigências simultâneas:
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O genitor deve ter residido na Itália por ao menos dois anos antes do nascimento do filho;
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Deve ter residido na Itália por mais dois anos após adquirir ou readquirir a cidadania;
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O filho deve residir legalmente na Itália com o genitor por pelo menos dois anos antes do juramento (ou desde o nascimento, se tiver menos de dois anos).
Além disso, o texto ressalta que a cidadania só passa a valer a partir do dia seguinte ao juramento do genitor, e não da notificação do decreto de concessão. Juramentos prestados antes de 23 de maio de 2025 ainda seguem a regra anterior, sem exigência dos dois anos de residência do filho.
Uniformização e vigilância
A circular orienta que todos os prefeitos e oficiais de estado civil sejam notificados a fim de garantir a interpretação uniforme das novas regras em todo o território italiano. O documento também reforça a necessidade de rigor e vigilância na verificação dos requisitos de residência, em especial diante do risco de fraudes em registros anagráficos.
Impactos imediatos
Na prática, o texto dificulta a vida de milhares de famílias ítalo-descendentes, especialmente nas Américas, cujos filhos menores não residem na Itália e cujos genitores adquiriram a cidadania sem ter cumprido os períodos de residência exigidos. Organizações de defesa da cidadania já avaliam os impactos da circular e consideram novas medidas judiciais.
Com essa nova diretriz, o governo italiano consolida o cerco contra a cidadania por descendência no exterior — um movimento iniciado com o chamado Decreto Tajani e agora reforçado por instruções administrativas que visam limitar o alcance da cidadania italiana a contextos estritamente internos. Traduzimos para o português o inteiro teor da circular:
DEPARTAMENTO PARA AS LIBERDADES CIVIS E A IMIGRAÇÃO
DIREÇÃO CENTRAL PARA OS DIREITOS CIVIS, A CIDADANIA E AS MINORIAS
AOS SENHORES(AS) PREFEITOS – SEDE
AO SENHOR COMISSÁRIO DO GOVERNO PARA A PROVÍNCIA AUTÔNOMA DE TRENTO
AO SENHOR COMISSÁRIO DO GOVERNO PARA A PROVÍNCIA AUTÔNOMA DE BOLZANO
AO SENHOR PRESIDENTE DA REGIÃO AUTÔNOMA DO VALE DE AOSTA – AOSTA
e, para conhecimento,
AO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL – ROMA
AO DEPARTAMENTO PARA OS ASSUNTOS INTERNOS E TERRITORIAIS
Direção Central para os Serviços Demográficos – SEDE
ASSUNTO: Lei n.º 74, de 23 de maio de 2025, de conversão, com modificações, do Decreto-Lei n.º 36, de 28 de março de 2025, contendo “Disposições urgentes em matéria de cidadania”. Outras instruções operacionais.
Em complemento à circular desta Direção Central n.º 26185, de 28 de maio último, considera-se necessário fornecer novas instruções operacionais a respeito da aplicação das novas disposições introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 36/2025, convertido na Lei n.º 74/2025, também à luz dos questionamentos recebidos por parte dos Oficiais de Estado Civil dos municípios.
Em particular, é necessário fornecer alguns esclarecimentos relativos à condição referida na letra d) do art. 3-bis, ilustrada em combinação com o art. 1, parágrafo 1, letra a), e com o art. 14 da Lei n.º 91/1992.
1. TRANSMISSÃO DA CIDADANIA ITALIANA IURE SANGUINIS AO FILHO (NASCIDO NO EXTERIOR E DETENTOR DE OUTRA CIDADANIA) DE QUEM ADQUIRE A CIDADANIA ITALIANA (art. 3-bis, parágrafo 1, letra d), da Lei n.º 91/1992, em combinação com o art. 1, parágrafo 1, letra a), da mesma lei)
Como é sabido, o novo art. 3-bis da Lei n.º 91/1992 exclui a transmissão da cidadania iure sanguinis – prevista no art. 1, parágrafo 1, letra a), da Lei n.º 91/1992, segundo o qual “é cidadão por nascimento o filho de pai ou mãe cidadãos” – ao menor nascido no exterior e detentor de outra cidadania, salvo nas hipóteses ali previstas.
Em particular, com base na combinação do art. 3-bis, parágrafo 1, letra d), da Lei n.º 91/1992 e do art. 1, parágrafo 1, letra a), da mesma lei, para que seja possível a transmissão da cidadania italiana iure sanguinis ao nascido no exterior e detentor de outra cidadania, filho de genitor que tenha adquirido a cidadania italiana, é necessário que o genitor tenha residido na Itália por pelo menos dois anos contínuos após a aquisição da cidadania italiana e antes do nascimento do filho.
Deve, portanto, ser verificada a residência de dois anos do genitor já cidadão, e que o menor tenha nascido após o cumprimento desse período mínimo de residência. Verificadas essas condições, o menor nascido no exterior será considerado cidadão italiano iure sanguinis nos termos do art. 1, parágrafo 1, letra a), da Lei n.º 91/1992, desde o momento de seu nascimento.
A verificação da condição de residência de dois anos do genitor deve ser realizada com rigor, a fim de evitar o surgimento de inscrições anagráficas irregulares.
Especifica-se que o genitor que transmite a cidadania italiana iure sanguinis ao filho, na hipótese da letra d) do art. 3-bis da Lei n.º 91/1992, pode ter adquirido a cidadania italiana por qualquer título (iure sanguinis, naturalização, benefício de lei). Assim, para o cálculo do período de residência de dois anos exigido pela lei, será considerada a modalidade de aquisição do status civitatis:
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desde o nascimento, no caso de reconhecimento iure sanguinis;
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do dia seguinte ao juramento, no caso de naturalização;
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do dia seguinte à declaração de vontade de tornar-se cidadão ou da conclusão da residência bienal, no caso de aquisição por benefício de lei nos termos do art. 4, parágrafos 1, 1-bis e 2 da Lei n.º 91/1992;
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do dia seguinte, no caso de reaquisição;
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do dia seguinte à aquisição por iuris communicatione nos casos previstos no art. 14 da Lei n.º 91/1992.
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Na hipótese em que o menor nasça no exterior antes do cumprimento do requisito bienal de residência na Itália por parte do genitor, o menor não poderá adquirir a cidadania italiana iure sanguinis nos termos da combinação do art. 1, parágrafo 1, letra a), e da letra d) do art. 3-bis da Lei n.º 91/1992.
Nesse caso, poderá ser aplicada uma das seguintes hipóteses, se presentes os requisitos:
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Art. 4, parágrafo 1-bis, da Lei n.º 91/1992, segundo o qual o menor estrangeiro ou apátrida, cujo pai ou mãe são cidadãos por nascimento, torna-se cidadão se os pais ou o tutor declararem a vontade de aquisição da cidadania e se verificar um dos requisitos ali previstos (isto é, que, após a declaração, o menor resida legalmente por pelo menos dois anos contínuos na Itália, ou que a declaração seja apresentada dentro de um ano após o nascimento do menor ou da data posterior em que se estabeleça a filiação, inclusive adotiva, com cidadão italiano);
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Art. 4, parágrafo 1, da Lei n.º 91/1992, segundo o qual o menor estrangeiro ou apátrida, cujo pai ou mãe ou um dos ascendentes em linha reta são ou foram cidadãos por nascimento, torna-se cidadão se, ao atingir a maioridade, residir legalmente há pelo menos dois anos no território da República e declarar, dentro de um ano, a vontade de adquirir a cidadania italiana;
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Ao atingir a maioridade, nos termos do art. 9, parágrafo 1, letras a) e b), da Lei n.º 91/1992, conforme se trate, respectivamente, de filho de cidadão por nascimento ou de filho de cidadão naturalizado.
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2. TRANSMISSÃO DA CIDADANIA ITALIANA POR IURIS COMMUNICATIONE AO FILHO (NASCIDO NO EXTERIOR E DETENTOR DE OUTRA CIDADANIA) DE QUEM ADQUIRE/READQUIRE A CIDADANIA ITALIANA (art. 3-bis, parágrafo 1, letra d), da Lei n.º 91/1992, em combinação com o art. 14 da mesma lei)
Foram recebidos numerosos questionamentos quanto à aplicabilidade do art. 14 da Lei n.º 91/1992 (aquisição da cidadania por comunicação do direito) que, conforme o novo art. 3-bis, parágrafo 1, letra d), pode operar com referência ao menor nascido no exterior e detentor de outra cidadania somente quando se verificarem as condições ali indicadas.
Da combinação das disposições acima resulta que, a partir de 24 de maio de 2025, a aquisição da cidadania por comunicação do direito (com o requisito da residência bienal do menor interessado e da convivência com o genitor que adquiriu/readquiriu a cidadania) ocorre:
a. se o menor nasceu na Itália, sempre;
b. se o menor nasceu no exterior e não possui outra cidadania, sempre;
c. se o menor nasceu no exterior e possui outra cidadania, somente na hipótese de que o genitor tenha residido na Itália antes do nascimento do filho e por pelo menos dois anos contínuos após a sua aquisição/reaquisição da cidadania italiana (letra d) do parágrafo 1 do art. 3-bis).
Em outras palavras, o menor nascido no exterior e com outra cidadania poderá adquirir a cidadania italiana nos termos do art. 14 da Lei n.º 91/1992 somente se forem cumpridos todos os seguintes requisitos:
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antes do nascimento do menor, o genitor tenha residido na Itália por pelo menos dois anos contínuos (art. 3-bis, parágrafo 1, letra d);
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posteriormente à sua aquisição, o genitor continue a residir na Itália por pelo menos dois anos contínuos, nos termos do art. 3-bis, parágrafo 1, letra d). (Dado o silêncio da lei, para a aquisição da cidadania nos termos do art. 14 deve-se considerar suficiente essa condição de residência do genitor por dois anos após sua aquisição, não sendo necessário que o menor também tenha residido na Itália por dois anos após a aquisição da cidadania pelo genitor);
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na data da aquisição/reaquisição do genitor, o menor resida legalmente na Itália – convivendo com o genitor – por pelo menos dois anos contínuos (ou, se tiver menos de dois anos de idade, desde o nascimento) (art. 14).
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Verificadas todas as condições acima, o menor adquire a cidadania a partir do dia seguinte ao juramento do genitor (conforme art. 15 da Lei n.º 91/1992, no caso de aquisição por naturalização).
O art. 14 da Lei n.º 91/1992 faz referência expressa ao momento da aquisição da cidadania: portanto, não poderá ser considerada a data da notificação do decreto concessivo, mas apenas a data do juramento.
Daí resulta que, para os juramentos prestados até 22 de maio de 2025, aplica-se o quadro normativo anterior, e não será necessário verificar, para os filhos menores, a residência legal na Itália por pelo menos dois anos contínuos antes da naturalização do genitor; tal requisito foi introduzido com a conversão do Decreto-Lei e opera, portanto, somente para juramentos prestados a partir de 23 de maio de 2025 (que produzem efeito, como se sabe, a partir do dia seguinte).
Solicita-se às Senhoras e Senhores que transmitam as informações acima aos Prefeitos e Oficiais de Estado Civil dos Municípios, a fim de garantir uma interpretação uniforme das novas disposições.
O DIRETOR CENTRAL
Assinado: Orano