O advogado Antonio Achille Cattaneo foi o segundo a sustentar oralmente, nesta terça-feira, a defesa de requerentes ítalo-descendentes — em sua maioria brasileiros e uruguaios — cujos pedidos de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis foram colocados em dúvida por decisões das cortes regionais de Bolonha, Florença, Roma e Milão. Essas decisões questionaram a constitucionalidade da Lei nº 91/1992 e remeteram o tema à Corte Constitucional para julgamento.
Após a intervenção do advogado Marco Mellone, Cattaneo concentrou sua sustentação na decisão de remessa do Tribunal de Bolonha e denunciou o que classificou como uma visão distorcida e discriminatória da realidade das comunidades italianas no exterior.
Logo no início, evocou o discurso do presidente Sergio Mattarella, proferido uma semana antes no Conselho Geral dos Italianos no Exterior (CGIE), no qual o chefe de Estado reconheceu que “a história da emigração italiana é uma página essencial da identidade nacional”. Para Cattaneo, essas palavras são fundamentais para compreender o alcance social e constitucional da controvérsia em julgamento.
A principal crítica do advogado se dirigiu à tentativa de impor limites geracionais retroativos ao reconhecimento da cidadania iure sanguinis, algo que, segundo ele, viola o princípio da confiança legítima (legittimo affidamento) e o artigo 3.º da Constituição. “Nunca houve, em 160 anos, um tribunal que tivesse levantado dúvidas de constitucionalidade sobre essa norma. Nem mesmo quando a Corte, em 1983, reconheceu a cidadania também por via materna com base em uma sentença aditiva”, afirmou, ressaltando que a própria base do ius sanguinis foi moldada e consolidada com respaldo da jurisprudência constitucional.
Cattaneo advertiu para os riscos de exclusão com base em “leituras distorcidas” dos vínculos entre os descendentes e a nação italiana. Ele denunciou o “falso e difundido preconceito” de que os descendentes de emigrantes seriam sujeitos sem vínculo com o povo italiano, acusando o juiz a quo de ignorar o papel vital que essas comunidades exercem no mundo. “Eles representam uma enorme riqueza para a Itália, uma ponte viva entre culturas, línguas e identidades”, declarou.
O advogado também contestou os argumentos que relacionam o reconhecimento da cidadania a um suposto ônus fiscal ou ameaça à democracia italiana. Para ele, o princípio “no taxation without representation” não se aplica, pois cidadãos italianos residentes no exterior não usufruem de quase nenhum serviço público do Estado italiano, tampouco sobrecarregam o sistema previdenciário. “O sistema constitucional prevê, desde sempre, a eleição de 12 parlamentares da Circunscrição do Exterior, independentemente do número de cidadãos que vivem fora da Itália”, lembrou.
Cattaneo citou ainda a “nova mobilidade internacional” — como vem sendo chamada a emigração recente de jovens italianos qualificados —, destacando que meio milhão de graduados deixaram o país nos últimos 15 anos e mantêm vínculos sólidos com a Itália. “É justamente esse vínculo que a nova leitura jurídica ignora, ao desconsiderar a relação jurídica e afetiva construída por gerações de cidadãos e seus descendentes”, alertou.
Ao final de sua fala, o advogado criticou a incoerência da tentativa de impor um limite geracional à cidadania, lembrando que o Código Civil italiano reconhece efeitos jurídicos à parentela até o sexto grau. Segundo ele, a Lei nº 74/2025 — ao restringir retroativamente o reconhecimento da cidadania — entra em conflito com normas do próprio ordenamento jurídico civil italiano. “Se esta Corte não declarar a inconstitucionalidade da nova lei, que ao menos indique parâmetros que permitam uma interpretação constitucionalmente orientada da norma”, concluiu.
Além de Mellone e Cattaneo, sustentaram oralmente na audiência os advogados Diego Corapi, Giovanni Bonato, Monica Lis Restanio e Patrizio Ivo D’Andrea. A banca de defesa é composta ainda por Giovanni Caridi, Maristella Urbini, Alberto Lama, Alessandro Vernice, Franco Antonazzo, Riccardo De Simone, Bruno Troya, Silvia Contestabile e Fabio Caddedu.
A audiência, presidida por Giovanni Amoroso, foi transmitida ao vivo e acompanhada por centenas de pessoas previamente credenciadas. Considerada histórica, a sessão pública da Corte gerou ampla mobilização entre juristas, parlamentares e representantes das comunidades ítalo-descendentes de diversos continentes. A sentença está prevista para as próximas semanas ou meses.
A seguir, publicamos na íntegra os “apontamentos” do Dr. Cattaneo que serviram de base para sua sustentação oral:
“APONTAMENTOS para DISCUSSÃO – audiência de 24.06.2025
Em 17.06.2025, durante o encontro com o Conselho Geral dos Italianos no Exterior, o Presidente Mattarella destacou que:
(i) “Das grandes migrações posteriores à Unificação da Itália, às numerosas partidas no pós-guerra, gerações de italianos encontraram destinos melhores fora do nosso país, sustentando de forma determinante sua recuperação e desenvolvimento, inclusive com as remessas financeiras substanciais do século passado.”;
(ii) “O tema do decreto-lei que introduz a recente reforma da cidadania suscitou atenção e debate nas comunidades de italianos: ‘desorientação’ foi como o definiu, há pouco, a secretária-geral”;
(iii) “Será certamente útil, e merece ser acompanhada com atenção” — acrescentou — “a reflexão que será aberta sobre o tema no vosso Conselho nesta sessão, a fim de favorecer uma consideração ponderada, e eventualmente uma reconsideração, das questões levantadas.”
Caso esta Ilustríssima Corte não considere apropriado avocar para si mesma a questão da constitucionalidade da Lei n.º 74 de 23.05.2025, que converteu com modificações o Decreto-Lei n.º 36 de 28.03.2025, em virtude da eficácia retroativa substancial atribuída a essa norma, entende-se necessário, ou ao menos oportuno, que no provimento a ser emitido sejam formuladas observações jurídicas de conformidade aos princípios constitucionais da referida norma — necessárias/úteis por razões de proteção do sistema judiciário, economia processual e, sobretudo, para permitir à autoridade judiciária, perante a qual tramitam atualmente centenas de processos pós-reforma, realizar uma interpretação constitucionalmente orientada da mencionada norma (coisa que não se verifica na decisão de remessa do Tribunal de Bolonha, em claro contraste com o arcabouço normativo e jurisprudencial), e evitar a multiplicação de exceções de inconstitucionalidade.
Quanto a tais observações, será oportuno esclarecer, antes de mais nada, em relação ao conteúdo da decisão de remessa, que a escolha do legislador italiano sempre foi a de manter vínculos estreitos com os cidadãos forçados a emigrar, reconhecendo-lhes a possibilidade de manter a cidadania italiana e de transmiti-la também às gerações subsequentes nascidas no país de emigração.
Nesse sentido, deve-se interpretar não apenas a adoção do ius sanguinis como critério principal de atribuição da cidadania italiana, mas também — e principalmente — a ausência de qualquer limitação ou condição para a atribuição ou manutenção da cidadania italiana iure sanguinis, mesmo nos casos de residência ou nascimento no exterior, tanto do emigrante quanto de sua descendência.
De fato, o Código Civil de 1865 e a Lei n.º 555/1912 não previam qualquer disposição nesse sentido e, quando a Constituição entrou em vigor, essa normativa já havia contribuído para formar um “povo italiano”, uma “comunidade italiana” dentro e fora da Itália.
A Constituição estabeleceu os direitos e deveres de um cidadão perante o Estado, mas não determinou quem é ou quem não é cidadão, tampouco quem “merece” ou “não merece” sê-lo (o que, aliás, é a ideia implícita na decisão de remessa).
Em 160 anos de vigência dessa normativa, nunca houve um órgão jurisdicional que levantasse dúvidas constitucionais — de qualquer natureza, nem mesmo de forma incidental — a seu respeito.
Esta Excelentíssima Corte, por ocasião da Sentença n.º 30/1983, examinou justamente a constitucionalidade do art. 1.º, n.º 1, da Lei n.º 555/1912, na parte em que não reconhecia como cidadão por nascimento também o filho de mãe cidadã.
Naquela ocasião, esta Corte declarou inconstitucional o dispositivo justamente por não permitir a transmissão da cidadania por via materna. Portanto, a própria norma invocada no julgamento a quo — o ius sanguinis por via materna — foi de fato “cunhada” por esta Excelentíssima Corte mediante uma sentença aditiva. Seria, assim, uma contradição em termos considerar inconstitucional uma norma que deriva de uma sentença aditiva desta Corte.
Desde a decisão n.º 276/1974, esta Corte tem valorizado, no exame de constitucionalidade, o entendimento consolidado da jurisprudência, especialmente da jurisprudência de legitimidade (Corte di Cassazione), chegando inclusive a reconhecer a inadmissibilidade de um pedido de remessa quando este conflita de forma aberta e direta com “numerosas decisões da Corte de Cassação” proferidas ao longo do tempo (ex plurimis, Sent. n.º 64/1998).
A própria Corte de Cassação foi chamada dezenas de vezes (ex plurimis: n.º 3175 de 11/02/2010; n.º 14948, 14949, 14950 e 14951 de 21/06/2010; n.º 19502 de 13/09/2010; n.º 23075 e 23076 de 15/11/2010; n.º 7127 de 29/03/2011; Ord. n.º 20870 de 10/10/2011; Sent. n.º 21154 de 13/10/2011) a decidir sobre questões relativas à aplicação do ius sanguinis no ordenamento jurídico italiano — inclusive em casos semelhantes ao ora em julgamento, nos quais se alegava descendência de um ascendente italiano nascido em época pré-unitária.
Em todas essas ocasiões, a Suprema Corte não apenas nunca questionou a constitucionalidade do princípio do ius sanguinis, como também deixou claro que ele está intimamente ligado à história italiana e à escolha legislativa — constante e centenária — de manter, por meio do vínculo de sangue, a relação entre a Itália e seus “filhos”, independentemente de onde nascessem ou vivessem.
Por fim, vale recordar o princípio de direito consagrado pelas Seções Unidas da Corte de Cassação na Sentença n.º 25317/2022, segundo a qual:
“Segundo a tradição jurídica italiana, no sistema delineado pelo Código Civil de 1865, pela Lei de cidadania n.º 555/1912 e pela atual Lei n.º 91/1992, a cidadania por nascimento é adquirida originariamente iure sanguinis, e o status de cidadão, uma vez adquirido, é permanente, imprescritível e pode ser judicialmente reconhecido a qualquer tempo com base na simples prova da ocorrência do fato jurídico (nascimento de cidadão italiano); cabe ao requerente apenas comprovar o fato aquisitivo e a linha de transmissão, enquanto cabe à parte contrária, caso oponha exceção, apresentar prova interruptiva”.
Esse princípio jurídico hoje está em claro contraste com o limite geracional introduzido pela nova legislação e com sua respectiva eficácia retroativa substancial.
Em segundo lugar, deve-se observar que a Corte Constitucional, em múltiplas e importantes decisões, extraiu do artigo 3.º da Constituição a existência de um direito ao legítimo reconhecimento da confiança.
Esse princípio é, em particular, violado por normas que modificam, de forma desfavorável aos interessados, a regulamentação de relações jurídicas, quando isso implica um ordenamento irracional dos interesses em jogo.
Como estabelecido pela Corte Constitucional (cf. Sent. 216/2015), “a lei que intervém in peius sobre ordenamentos regulatórios previamente definidos deverá respeitar estritamente os princípios de razoabilidade e proporcionalidade e, em particular, realizar um criterioso balanceamento entre o interesse público e o dos particulares envolvidos”.
Nessa situação, a proteção do valor do legítimo reconhecimento da confiança — que encontra amparo constitucional no artigo 3.º da Constituição — impõe ao legislador a obrigação de não criar um ordenamento irracional dos interesses, capaz de frustrar a confiança dos cidadãos na segurança jurídica, que é, ao contrário, um elemento fundamental do Estado de Direito.
É possível, portanto, constatar a retroatividade substancial da nova norma (na medida em que se aplica a sujeitos nascidos sob a vigência da disciplina anterior), o que gera uma série de discriminações graves e irrazoáveis, em violação ao espírito do artigo 3.º da Constituição, entre quem iniciou o processo previsto pela legislação anterior até 27.03.2025 e quem não o fez.
A esse respeito, é preciso esclarecer que não se trata de negligência imputável aos interessados, uma vez que a transmissão do status civitatis italiano iure sanguinis é um instituto jurídico vigente desde a unificação da Itália, sobre o qual gerações inteiras de italianos puderam confiar.
Na decisão de remessa, o juiz a quo sustenta que os requerentes não possuem qualquer vínculo com o povo italiano (além de um ascendente nascido há muitos anos na Itália), já que nasceram e residem no exterior (pág. 3 da decisão de remessa).
A tese do juiz a quo baseia-se num elemento fático específico, ou seja, que os requerentes não teriam qualquer ligação com a Itália, exceto pela ascendência de uma bisavó italiana (pág. 3 da decisão de remessa).
Tal abordagem revela a falsa — e infelizmente difundida — convicção de que os descendentes de emigrantes italianos seriam indivíduos sem qualquer vínculo com a Itália e, portanto, não “mereceriam” ser considerados membros da Comunidade italiana (em desrespeito ao que estabelece a própria legislação).
Essa convicção é provavelmente fruto do desconhecimento da realidade das comunidades italianas no exterior, que representam, ao contrário, uma enorme riqueza para o Estado italiano e um motivo de orgulho nacional.
Foi o próprio Presidente Mattarella, no já mencionado encontro com o CGIE, quem destacou que:
“A história da emigração italiana é parte essencial da nossa identidade nacional. Das grandes migrações que se seguiram à Unificação da Itália, às numerosas partidas no segundo pós-guerra, gerações de italianos encontraram destinos melhores fora do nosso país, sustentando, de modo determinante, sua recuperação e desenvolvimento, inclusive com as substanciais remessas financeiras do século passado… A sua contribuição, sob uma perspectiva mais ampla, também se traduziu em vínculos preciosos entre a Itália e os países de acolhida, vínculos alimentados pelo respeito e pela admiração pelo que foram capazes de realizar. Além disso, sua contribuição ajuda a difundir as múltiplas expressões da cultura do nosso país.”
O próprio pressuposto fático sobre o qual se baseia a tese do juiz a quo — além de ser manifestamente incorreto e infundado — é extremamente vago, aleatório, indefinido, impreciso, mas sobretudo subjetivo, e compromete a necessária conexão lógico-fática entre o caso concreto e a suposta inconstitucionalidade da norma.
É oportuno lembrar aqui uma iniciativa institucional recente promovida pelo Estado italiano — em particular, pelo Ministério das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional — chamada “Turismo das raízes”.
Trata-se de um grande projeto voltado tanto a quem já conhece suas origens italianas e deseja organizar uma viagem para descobrir os lugares, os costumes e a cultura dos seus antepassados, quanto àqueles que ainda não os identificaram e que poderão contar com uma rede de genealogistas confiáveis.
Em outras palavras, o Estado italiano não apenas reconhece que existe uma imensa comunidade de italianos descendentes de emigrantes fora do território nacional, como deseja manter e fortalecer esse vínculo por meio de investimentos específicos.
A cidadania efetiva não é algo que dependa apenas do nascimento ou da residência em território nacional. Seria extremamente simplista e reducionista resolver essa questão nesses termos — como a decisão de remessa tenta fazer. Mas, sobretudo, corre-se o risco de excluir da Comunidade nacional uma vasta gama de pessoas com base em interpretações errôneas e enganosas.
O Presidente Mattarella, em seu discurso já citado, lembrou que:
“As coletividades italianas souberam tornar ‘próxima’ a Itália em todas as latitudes. Mesmo nos lugares mais remotos, foram autênticos embaixadores da italianidade. Trata-se de um elemento relevante na política internacional da nossa República, ao afirmar valores como o diálogo, a laboriosidade, a hospitalidade e a paz.”
Em resumo, o princípio que deve ser evidenciado é o de que se pode ser cidadão italiano mesmo a partir do exterior, e que o sentimento de pertencimento a uma comunidade, bem como o compartilhamento de seus valores, não deve — e não pode — ser deduzido exclusivamente da presença no território nacional.
A decisão de remessa (página 15) sustenta que estaríamos diante de uma inversão do princípio “sem tributação não há representação”, de modo que tais descendentes, mesmo sem contribuir para os gastos públicos na Itália, gozariam dos benefícios políticos e sociais derivados da condição de cidadãos.
Trata-se de uma afirmação absolutamente infundada. Na realidade, a maior parte do sistema de bem-estar social (por exemplo, assistência sanitária, assistência social, previdência) é reservada àqueles que, independentemente da nacionalidade, residam na Itália ou exerçam atividade laboral no país. É importante esclarecer — também para fins do artigo 53 da Constituição — que um cidadão residente no exterior não tem acesso ao sistema nacional de saúde, nem a prestações assistenciais em caso de impedimento para o trabalho, tampouco ao sistema previdenciário italiano, na ausência de contribuição. O cidadão residente no exterior, embora isento da maioria das obrigações fiscais, não representa um ônus para o Estado italiano, pois, não contribuindo, também não recebe. Não há, portanto, qualquer desproporção em relação ao artigo 53 da Constituição, até porque esse sistema vale para qualquer cidadão italiano residente no exterior, seja emigrado recentemente, já nascido no exterior ou descendente de um emigrante italiano nascido na Itália há cem anos.
A decisão de remessa (página 15) também alerta para um suposto perigo de “hegemonia política” por parte dos descendentes dos emigrantes italianos, devido ao seu potencial número elevado. Estaria em jogo “o funcionamento da democracia” e até mesmo “uma ruptura do próprio quadro constitucional”. Afirma-se ainda que “o reconhecimento arbitrário da cidadania a qualquer pessoa nascida numa área distante do planeta, diferente do território nacional, comprometeria seriamente o direito do povo italiano de exercer sua soberania” (página 12 da decisão de remessa). São afirmações muito graves, que precisam ser contestadas por serem manifestamente infundadas.
Como é sabido, os artigos 56 e 57 da Constituição definem o número fixo de parlamentares que os cidadãos italianos residentes no exterior podem eleger. São 8 deputados e 4 senadores, eleitos pela Circunscrição do Exterior, de um total de 600 membros do Parlamento (excluídos os senadores vitalícios), o que corresponde a 2% do Parlamento. É importante esclarecer que esse número de parlamentares é fixo, não depende da quantidade da população italiana no exterior, nem de outros fatores, mas sim do impacto objetivamente menor que as decisões políticas têm sobre a vida dos cidadãos residentes fora da Itália.
O juiz a quo insinua, na decisão de remessa, a existência de um risco migratório (para a Itália e para a Europa) proveniente dos países de origem dos ítalo-descendentes, em especial dos países sul-americanos, que se beneficiariam do passaporte italiano. Ao contrário disso, e como também foi observado no encontro com o CGIE, o Presidente Mattarella afirmou que hoje, no contexto multilateral global, cada vez mais espaço tem sido ocupado pela chamada “nova mobilidade”, composta por energias em movimento de todas as classes sociais e categorias profissionais, entre as quais naturalmente muitos jovens. Entre eles, contam-se cerca de meio milhão de graduados que, nos últimos 15 anos, partiram de todas as partes da Itália rumo a destinos como Reino Unido, Alemanha, Suíça, França, Espanha, Estados Unidos, para investir em seu futuro, levando consigo talento, paixão e muita determinação, contribuindo — mais uma vez — para o desenvolvimento dos países que os acolhem. É fruto dessa dimensão global, dessa aspiração à unidade que deriva da consciência do destino comum da humanidade. Para as gerações mais jovens — sobretudo quando não é uma escolha imposta pela falta de perspectivas adequadas no nosso país — a experiência no exterior representa frequentemente parte de um percurso de enriquecimento, que pode até preludiar ao retorno, numa dinâmica diferente do passado, em que a ida e o retorno desenham uma realidade de vasos comunicantes capazes de se enriquecer mutuamente, além de representar um desafio constante para a Itália, que precisa saber ser atrativa.
A atual massa de cidadãos italianos residentes no exterior (cerca de 6 milhões) é formada por quase 50% de pessoas nascidas na Itália, que depois emigraram (e não por chamados “oriundi” de terceira ou quarta geração). Mais precisamente, nos últimos dez anos mais de 100 mil cidadãos por ano (quase todos muito jovens) emigraram por razões econômicas e laborais bem conhecidas. No total, cerca de um milhão de cidadãos, mesmo descontando os que retornaram ao país. Esses cidadãos iure sanguinis (e seus descendentes) mantêm um vínculo de solidariedade e efetivo com o Estado italiano, e no entanto, eles e suas famílias, segundo o raciocínio do juiz a quo e da Lei n.º 74/2025 e do Decreto-Lei n.º 36/2025, estão destinados a não mais transmitir a cidadania italiana. A abordagem que vincula a cidadania à presença física obrigatória no território do Estado representa, portanto, um fator de privação da própria cidadania italiana.
A proposta legislativa formulada na decisão de remessa, de reconhecimento da cidadania italiana “dentro do limite de duas gerações, salvo prova de que um dos ascendentes ou a própria pessoa interessada tenha vivido na Itália por pelo menos dois anos”, foi integralmente acolhida e inserida no Decreto-Lei n.º 36/2025, convertido na Lei n.º 74/2025. De acordo com o artigo 74 do Código Civil, o parentesco é o vínculo entre pessoas que descendem de um mesmo tronco familiar, seja no caso de filiação dentro do casamento, fora dele, ou ainda por adoção. O Código Civil italiano reconhece efeitos jurídicos relevantes ao parentesco até o sexto grau (art. 77), prevendo também a possibilidade de herança “aos parentes até o sexto grau” (art. 572).
A limitação geracional introduzida, com eficácia retroativa, pela Lei n.º 74/2025, está, portanto, em contradição com essas disposições do Código Civil, configurando uma situação de conflito normativo ilegítimo.
Caso esta Ilustríssima Corte não considere apropriado avocar para si mesma a questão de legitimidade constitucional da Lei n.º 74 de 23.05.2025, de conversão com modificações do Decreto-Lei n.º 36 de 28.03.2025, solicita-se que, no provimento a ser emitido, sejam formuladas observações jurídicas de conformidade aos princípios constitucionais do conteúdo da referida norma, necessárias ou úteis para a proteção do sistema judiciário e para permitir à autoridade judiciária, perante a qual tramitam atualmente centenas de processos após a reforma, realizar uma interpretação constitucionalmente orientada da referida norma, evitando assim a proliferação de exceções de inconstitucionalidade.”