Texto consolida medidas do Decreto Tajani e introduz risco de perda da cidadania para nascidos no exterior sem vínculos efetivos com a Itália
O governo italiano deu mais um passo concreto na tentativa de limitar o reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis (por direito de sangue) aos descendentes de emigrantes. Apresentado oficialmente no Senado da República no dia 8 de abril de 2025, o Disegno di Legge (DDL) S. 1450, de iniciativa do governo liderado por Giorgia Meloni e assinado pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, propõe alterações profundas na legislação vigente.
O texto – numa análise inicial – não apenas consolida o conteúdo do polêmico Decreto-Lei n. 36/2025 — apelidado de Decreto Tajani — como introduz novos dispositivos que poderão atingir em cheio os ítalo-descendentes residentes fora da Itália, especialmente aqueles de quarta geração em diante.
Entre as principais mudanças propostas está a exclusão da cidadania automática para filhos de italianos nascidos no exterior cujos pais também nasceram fora da Itália e não tenham residido por pelo menos dois anos consecutivos no território italiano antes do nascimento dos filhos. A medida, na prática, exclui grande parte dos bisnetos e descendentes mais distantes dos imigrantes italianos.
Outro ponto de grande repercussão é a criação de um mecanismo de perda da cidadania italiana por “falta de vínculos efetivos” com a República Italiana. De acordo com o projeto, cidadãos italianos nascidos no exterior, em posse de outra cidadania e residentes fora da Itália, poderão perder a cidadania italiana se, durante um período de 25 anos, não mantiverem relações concretas com o país — como o registro do próprio nascimento nos livros do estado civil italiano. Caso o registro não ocorra até os 25 anos de idade, presume-se a perda da cidadania, salvo comprovação em contrário com documentos públicos.
Curiosamente, a Exposição de Motivos do novo projeto de lei apresentado ao Senado — o DDL S. 1450 — repete integralmente a argumentação já utilizada pelo governo italiano no DDL 1432, apresentado semanas antes no âmbito do processo de conversão do Decreto-Lei n. 36/2025. O reaproveitamento do texto confirma a estratégia do Executivo de consolidar um discurso único e padronizado em defesa das restrições à cidadania italiana por descendência.
Quadro Comparativo – Exposição de Motivos
DDL S. 1450 (Senado, 2025) × DDL 1432 (Senado, 2025 – Conversão do Decreto-Lei 36/2025)
Elemento analisado
DDL 1432 (Conversão Decreto Tajani)
DDL 1450 (Novo Projeto de Lei)
Observação
Estrutura do texto
Idêntica
Idêntica
Mantém-se o mesmo encadeamento temático e argumentativo.
Fundamentação jurídica
Idêntica
Idêntica
Referência ao art. 3 e art. 22 da Constituição Italiana; Convenção Europeia sobre Nacionalidade.
Justificativa do projeto
Idêntica
Idêntica
Adequar o ius sanguinis às exigências contemporâneas de vínculo efetivo com a República Italiana.
Exemplos práticos
Idênticos
Idênticos
Cita a necessidade de residência dos genitores na Itália por 2 anos consecutivos para transmitir cidadania.
Linguagem
Idêntica
Idêntica
Pequenas variações estilísticas irrelevantes (mero ajuste de conectores e estilo jurídico).
Novos elementos ou dados
Nenhum
Nenhum
Não há inserção de novas informações contextuais, estatísticas ou jurídicas.
O projeto de lei também estabelece prazo de 48 meses para conclusão dos procedimentos de reconhecimento da cidadania italiana, além de impor um período de 12 meses para que os oficiais do estado civil cumpram decisões judiciais definitivas que reconheçam o direito à cidadania.
Outras medidas relevantes incluem: Supressão da possibilidade de aquisição da cidadania por casamento para residentes fora da Itália após três anos de união; Exigência de residência legal de dois anos em solo italiano para aquisição da cidadania por menores de idade; Proibição expressa do uso de prova testemunhal ou juramento nos procedimentos de reconhecimento da cidadania; Aumento da taxa consular para pedido de reconhecimento da cidadania de 600 para 700 euros.
O DDL S. 1450 reforça o argumento do governo de que a cidadania italiana deve ser compreendida não apenas como um direito transmitido automaticamente por laços sanguíneos, mas como uma manifestação concreta de pertencimento e participação ativa na comunidade nacional.
A proposta ainda tramita nas comissões do Senado e deverá passar por debates parlamentares antes de sua eventual conversão em lei.
A nova investida legislativa, no entanto, acende o alerta entre os milhões de descendentes de italianos residentes na América Latina, especialmente no Brasil — país onde vivem aproximadamente 30 milhões de ítalo-brasileiros, muitos dos quais ainda aguardam reconhecimento da cidadania italiana nas longas filas consulares.
Organizações representativas, lideranças comunitárias e parlamentares brasileiros protestam contra as restrições e estão se mobilizando para evidenciar publicamente os efeitos discriminatórios e excludentes da nova legislação, que ameaça romper de vez o vínculo histórico entre a Itália e sua diáspora.
Segue o texto do novo DDL:
Projeto de Lei
Art. 1º
1.Na Lei de 5 de fevereiro de 1992, nº 91, são introduzidas as seguintes modificações:
a) No artigo 1º, após o parágrafo 1, é inserido o seguinte:
“1-bis. Em derrogação ao parágrafo 1, letra a), não é cidadão por nascimento o filho de pai ou mãe cidadãos italianos, nascido no exterior e em posse de outra cidadania, se os genitores cidadãos nasceram no exterior e não tiverem residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes da data de nascimento do filho e se os ascendentes cidadãos de primeiro grau desses genitores também nasceram no exterior.”
b) No artigo 3º, após o parágrafo 1, é inserido o seguinte:
“1-bis. Em derrogação ao parágrafo 1, não adquire a cidadania o menor estrangeiro nascido no exterior, em posse de outra cidadania, se os adotantes cidadãos nasceram no exterior e não tiverem residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes da data da adoção, e se os ascendentes cidadãos de primeiro grau dos adotantes também nasceram no exterior.”
c) No artigo 4º:
1.No parágrafo 1, no trecho inicial, após as palavras: “segundo grau” são inseridas as seguintes: “são ou”;
2.Após o parágrafo 1, é inserido o seguinte:
“1-bis. O menor estrangeiro ou apátrida, cujo pai ou mãe sejam cidadãos italianos por nascimento, torna-se cidadão se os genitores ou o tutor declararem a vontade de aquisição da cidadania e se, posteriormente à declaração, o menor residir legalmente por pelo menos dois anos consecutivos na Itália. Tornando-se maior de idade, o interessado poderá renunciar à cidadania se estiver em posse de outra cidadania.”
d) No artigo 5º:
1.No parágrafo 1, as palavras: “, ou após três anos da data do casamento se residente no exterior” são suprimidas;
2.No parágrafo 2, as palavras: “Os prazos referidos no parágrafo 1 são reduzidos” são substituídas pelas seguintes: “O prazo referido no parágrafo 1 é reduzido.”
e) No artigo 9º, parágrafo 1, letra a), após as palavras: “segundo grau” são inseridas as seguintes: “são ou”;
f) No artigo 9-ter, após o parágrafo 1, são inseridos os seguintes:
“1-bis. O prazo para a conclusão dos procedimentos de reconhecimento da cidadania adquirida nos termos dos artigos 1º, 2º, 3º e 14 da presente lei e dos artigos 1º, 2º, 10, 11 e 12 da Lei de 13 de junho de 1912, nº 555, é fixado em quarenta e oito meses.
1-ter. O oficial do estado civil providenciará os atos necessários para a execução da decisão judicial de reconhecimento da cidadania no prazo de doze meses, a contar da solicitação documentada do interessado, após o trânsito em julgado da referida decisão.”
g) Após o artigo 11, é inserido o seguinte:
“Art. 11-bis.
1.O cidadão italiano nascido no exterior e não residente na Itália perde a cidadania italiana, se possuir outra cidadania e, após a entrada em vigor do presente artigo, não mantiver vínculos efetivos com a República por um período não inferior a vinte e cinco anos.
Para os fins do presente artigo, por vínculos efetivos entende-se o exercício dos direitos ou o cumprimento dos deveres decorrentes da condição de cidadão.
2.Para os nascidos no exterior após a data de entrada em vigor do presente artigo, não residentes na Itália e em posse de outra cidadania, presume-se o não cumprimento dos vínculos efetivos com a República, se o ato de nascimento não for inscrito ou transcrito nos registros do estado civil italiano até o vigésimo quinto aniversário de idade.
Admite-se prova em contrário exclusivamente por meio de documentos resultantes de registros públicos, nos termos do artigo 2728, segundo parágrafo, do Código Civil.”
h) No artigo 13:
1.No parágrafo 1, letra d), após a palavra: “estabelecido” é inserida a seguinte: “legalmente”;
2.No parágrafo 1, letra e), após a palavra “estabelecido” é inserida a seguinte: “legalmente”;
3.Após o parágrafo 2, é inserido o seguinte:
“2-bis. Nos casos previstos no parágrafo 1, letras c) e d), presume-se a renúncia à cidadania italiana, se a residência na Itália tiver duração inferior a dois anos consecutivos. No momento da declaração referida na letra c) do parágrafo 1 ou do reconhecimento da aquisição da cidadania nos termos da letra d) do mesmo parágrafo, o oficial do estado civil advertirá o interessado do disposto no presente parágrafo.”
i) No artigo 14, parágrafo 1, é acrescentado, ao final, o seguinte período:
“O primeiro período aplica-se se, na data da aquisição ou do reaquisição da cidadania por parte do genitor, o menor residir legalmente na Itália por pelo menos dois anos consecutivos ou, se com idade inferior a dois anos, desde o nascimento.”
l) No artigo 20, as palavras: “Salvo se expressamente previsto” são substituídas pelas seguintes: “Salvo o disposto no artigo 3-bis ou por outras disposições expressas de lei.”
m) Após o artigo 23, é inserido o seguinte:
“Art. 23-bis.
1.Salvo nos casos expressamente previstos em lei, em matéria de cidadania não são admitidos o juramento e a prova testemunhal.
2.Ressalvados os casos de não aquisição ou de perda da cidadania previstos em lei, os artigos 1º, primeiro parágrafo, número 1, e 12 da Lei de 13 de junho de 1912, nº 555, devem ser interpretados no sentido de que os filhos de mãe cidadã são considerados como tendo adquirido a cidadania a partir de 1º de janeiro de 1948, se, nessa mesma data, ainda não tivessem completado vinte e um anos de idade.
3.No artigo 7-bis da seção I da Tabela de Direitos Consulares a serem arrecadados pelos escritórios diplomáticos e consulares, anexa ao Decreto Legislativo de 3 de fevereiro de 2011, nº 71, as palavras: “600 euros” são substituídas pelas seguintes: “700 euros”.
4.No artigo 1º da Lei de 30 de dezembro de 2024, nº 207, são introduzidas as seguintes modificações:
a) No parágrafo 636, as palavras: “600 euros” são substituídas pelas seguintes: “700 euros”;
b) No parágrafo 640, as palavras: “na proporção de 50 por cento” são substituídas pelas seguintes: “na proporção de 45 por cento”;
c) Após o parágrafo 640, é inserido o seguinte:
“640-bis. Uma cota igual a 5 por cento dos recursos provenientes da contribuição para o pedido de reconhecimento da cidadania italiana, referida no artigo 7-bis da seção I da Tabela de Direitos Consulares a serem arrecadados pelos escritórios diplomáticos e consulares, anexa ao Decreto Legislativo de 3 de fevereiro de 2011, nº 71, é reatribuída ao orçamento do Ministério do Interior para as finalidades previstas no artigo 9-bis, parágrafo 3, da Lei de 5 de fevereiro de 1992, nº 91.”