“O direito à cidadania iure sanguinis não nasce de uma concessão do Estado, mas existe ab origine em favor da pessoa.” A afirmação — de alto peso jurídico e simbólico — está expressa na ordinanza do Tribunal de Mântua, que reforça o entendimento de que a cidadania transmitida pelo sangue constitui um direito originário, natural e imprescritível, pertencente à identidade da pessoa desde o nascimento.
A decisão que abre um novo capítulo na disputa constitucional que se arrasta desde a edição do chamado “Decreto da Vergonha” — o Decreto-Lei nº 36/2025, convertido com alterações na Lei nº 74/2025 — e reconhece que a disciplina recém-introduzida retroage de forma indevida sobre a condição de cidadãos já adquirida por aqueles nascidos fora da Itália. Para os juízes de Mântua, essa retroatividade atropela pilares fundamentais da ordem republicana, como a segurança jurídica, o princípio de igualdade e a própria dignidade do indivíduo frente ao Estado.
O Tribunal recorda que, ao longo de mais de um século e meio, o ordenamento italiano sempre se orientou por um critério conservador de transmissão da cidadania, fundado na continuidade familiar e na permanência da italianidade ao longo das gerações. Alterar esse regime de forma brusca, impondo obstáculos burocráticos a quem já traz a cidadania consigo desde a origem, equivale a desfigurar prazos históricos e a renegar laços que constituem o próprio povo italiano.
O texto enfatiza ainda que o Estado não pode transformar um direito preexistente — que não depende de nenhum ato administrativo ou judicial para surgir — em um benefício condicionado a petições dentro de um prazo estreito e já esgotado. Ao impedir, inclusive do ponto de vista temporal, o acesso à tutela judicial para o reconhecimento formal de um direito perfeito, a lei criada a partir do decreto ofende a garantia constitucional de defesa e abre caminho para injustiças graves, sobretudo entre aqueles mantidos por anos em longas filas consulares, sem qualquer culpa.
Nesse ponto, a ordinanza traz uma mensagem de esperança a muitas famílias ítalo-descendentes: menores que não foram incluídos nas ações judiciais iniciais — por cautela jurídica ou para reduzir custos — poderão agora ser alcançados pelos efeitos desse reconhecimento. Se a cidadania nasce com a pessoa, ela não pode ser retirada por falta de um protocolo formal praticado a tempo, ainda mais quando o próprio Estado criou as barreiras que impediram o protocolo.
Mântua conclui que a mudança legislativa operou uma espécie de revogação ex tunc de um direito já incorporado à personalidade do indivíduo. E, ao fazê-lo por decreto-lei — instrumento excepcional que exige urgência real e não meramente declarada — teria avançado sobre matéria que integra a própria definição do corpo cívico da República, aquela que deve sempre ser debatida com a devida participação parlamentar.
O entendimento firmado pelo Tribunal lombardo, portanto, reforça o valor universal da italianidade como patrimônio familiar e cultural que não se dobra a contingências políticas do presente. E, ao fazê-lo, pode representar uma virada concreta na luta daqueles que continuam acreditando que a cidadania não é um privilégio para poucos, mas um direito que acompanha cada descendente desde o primeiro dia de vida.
A seguir, Revista Insieme publica o texto integral, traduzido para o português, da ordinanza do Tribunal de Mantova de 23 de outubro de 2025, documento que poderá se tornar referência no resgate dos direitos de milhares de ítalo-descendentes.
TRIBUNAL ORDINÁRIO de Mantova
Seção Cível
O Tribunal, reunido em composição colegiada, nas pessoas dos seguintes magistrados:
Presidente
Juiz
Juiz Relator
no procedimento previsto no art. 95 do D.P.R. 396/2000, inscrito sob o n. /2025 R.G., promovido por [nomes omitidos], na qualidade de exercentes da responsabilidade parental sobre o menor, assistidos conjunta e separadamente pelo Prof. Adv. Alfonso Celotto e pela Adv. Maria Stella La Malfa;
contra
o Prefeito pro tempore do Município de Canneto sull’Oglio (C.F. 81001310200), na qualidade de oficial do estado civil, e o Município de Canneto sull’Oglio (C.F. 81001310200 – P.IVA 00603980202), na pessoa do Prefeito pro tempore;
emite a seguinte
ORDENANÇA
nos termos do art. 1 da Lei de 9 de fevereiro de 1948, n. 1, e do art. 23 da Lei de 1º de março de 1953, n. 87
1. Os recorrentes interpuseram recurso com fundamento no art. 95 do D.P.R. 396/2000 contra a recusa oposta pelo Oficial do Estado Civil do Município de Canneto sull’Oglio ao pedido de transcrição do registro de nascimento do filho menor, nascido no Brasil, de mãe cidadã italiana iure sanguinis, nascida e residente no exterior, conforme reconhecido pela sentença n. /2024, publicada em 11.04.2025 pelo Tribunal Ordinário de Brescia e transitada em julgado (conforme certificado emitido pelo Tribunal em 18.06.2025).
Em particular, alegaram que ao menor foi atribuída a cidadania italiana automaticamente, ope legis, com fundamento no art. 1 da Lei n. 91/1992, uma vez que o fato constitutivo do status civitatis é representado pelo simples evento do nascimento de genitor italiano, o que torna irrelevante, sob o plano do direito material, qualquer cumprimento formal, administrativo ou judicial.
Segundo os recorrentes, é igualmente irrelevante a transcrição do registro de nascimento, que tem natureza meramente reconhecedora e não constitutiva, visto que o direito à cidadania do menor existe ab origine, em virtude de uma situação jurídica perfeita e completa, não exigindo qualquer procedimento ou requerimento, inexistindo na lei condição impeditiva ou manifestação de vontade adicional para tal atribuição.
Os recorrentes, assim, alegaram a ilegitimidade da recusa do Oficial do Estado Civil, sob o argumento de que a Lei n. 74/2025 — invocada pelo Oficial para rejeitar o pedido de transcrição — não seria aplicável ratione temporis ao caso concreto, pois ela não introduz causa de perda automática da cidadania, pressuposto necessário para a aplicação de qualquer disposição limitativa do status civitatis, visto que a cidadania, uma vez atribuída a título originário, permanece no indivíduo e não pode ser revogada nem negada de maneira automática ou retroativa.
Subsidiariamente, requereram a suscitação da questão de legitimidade constitucional do art. 1, §§ 1, 1-bis e 1-ter do Decreto-Lei n. 36/2025 (convertido, com modificações, na Lei n. 74/2025, que introduziu o art. 3-bis na Lei n. 91/1992), por violação dos arts. 1 §2, 2, 3, 22, 24, 29, 56, 58, 72, 77 e 117 §1 da Constituição.
2. O Ministério Público que atua no feito manifestou parecer contrário ao acolhimento do recurso, entendendo que a recusa da transcrição é legítima com base na legislação atualmente vigente.
3. O Prefeito pro tempore do Município de Canneto sull’Oglio apresentou observações, realizando uma reconstrução dos fatos e da disciplina normativa vigente, e alegando que a transcrição do registro de nascimento do menor foi recusada após constatação de que o menor não possui todos os requisitos estabelecidos no art. 1 §1, letra a), combinado com o art. 3-bis §1, letras c) e d), da Lei n. 91/1992, para fins de aquisição da cidadania italiana iure sanguinis.
4. Sobre a competência do Tribunal de Mantova
4.1. Preliminarmente, o Colegiado observa ser competente este Tribunal para julgar a presente controvérsia, uma vez que o procedimento foi instaurado com base no art. 95 do D.P.R. 396/2000, o qual prevê que aquele que pretenda opor-se à recusa do Oficial do Estado Civil em realizar uma transcrição deve propor recurso ao Tribunal cujo território jurisdicional abrange o cartório no qual se encontra registrado o ato em questão ou no qual deve ser cumprida a providência.
4.2. Considerando que, no caso concreto, a transcrição deve ser realizada no Município de Canneto sull’Oglio (Mantova), foi corretamente estabelecida a competência do Tribunal acionado.
5. Sobre a relevância da questão de constitucionalidade suscitada pelos recorrentes
5.1. No mérito, deve-se considerar relevante a questão de constitucionalidade suscitada pelos recorrentes, uma vez que, aplicando-se a normativa anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n. 36/2025, convertido na Lei n. 74/2025, o pedido dos recorrentes seria procedente.
5.2. De um lado, está comprovado que o menor nasceu no Brasil e possui cidadania brasileira, bem como está comprovado que, com base na documentação apresentada pelos recorrentes, ele descende, pela linha materna, de cidadã italiana (cf. doc. 3 – sentença n. /2024 que declarou que a mãe é cidadã italiana; doc. 4 – certificação de trânsito em julgado da decisão em 18/06/2025; doc. 5 – certidão integral de nascimento do menor, com tradução juramentada e apostila).
É, portanto, incontroverso que, com base na disciplina anterior, nos termos do art. 1 da Lei n. 91/1992, ele teria adquirido iure sanguinis, desde o nascimento, a cidadania italiana, tendo sido a mãe declarada cidadã italiana por sentença transitada em julgado.
5.3. Por outro lado, é igualmente incontroverso que, diante do teor literal da lei, a normativa aplicável ao caso concreto é aquela posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n. 36/2025, convertido com modificações na Lei n. 74/2025, que introduziu o art. 3-bis na Lei n. 91/1992, não sendo possível aplicar no caso a normativa anterior, como pretendido, em caráter principal, pelos recorrentes.
5.4. O referido art. 3-bis (Disposições transitórias em matéria de aquisição da cidadania por nascimento) dispõe literalmente:
“1. Em derrogação aos artigos 1, 2, 3, 14 e 20 da presente lei, ao art. 5 da Lei 21 de abril de 1983, n. 123, aos artigos 1, 2, 7, 10, 12 e 19 da Lei 13 de junho de 1912, n. 555, bem como aos artigos 4, 5, 7, 8 e 9 do Código Civil aprovado com Decreto-Real de 25 de junho de 1865, n. 2358, considera-se como nunca tendo adquirido a cidadania italiana quem tenha nascido no exterior mesmo antes da data de entrada em vigor do presente artigo e seja titular de outra cidadania, salvo se ocorrer uma das seguintes condições:
a) o estado de cidadão do interessado é reconhecido, em conformidade com a normativa aplicável em 27 de março de 2025, mediante requerimento, acompanhado da necessária documentação, apresentado ao escritório consular ou ao prefeito competentes até as 23h59 (hora de Roma) da referida data;
a-bis) o estado de cidadão do interessado é reconhecido, em conformidade com a normativa aplicável em 27 de março de 2025, mediante requerimento, acompanhado da necessária documentação, apresentado ao escritório consular ou ao prefeito competentes no dia indicado em agendamento comunicado ao interessado pelo escritório competente até as 23h59 (hora de Roma) da referida data de 27 de março de 2025;
b) o estado de cidadão do interessado é judicialmente reconhecido, em conformidade com a normativa aplicável em 27 de março de 2025, mediante ação judicial proposta até as 23h59 (hora de Roma) da mesma data;
c) ascendente de primeiro ou segundo grau possui, ou possuía ao tempo da morte, exclusivamente cidadania italiana;
d) genitor ou adotante tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos após a aquisição da cidadania italiana e antes da data de nascimento ou adoção do filho.”
O legislador, de forma expressa, estabeleceu que a norma, por ser excepcional e derrogatória à disciplina ordinária, aplica-se também àqueles nascidos no exterior antes da sua entrada em vigor — como no caso em exame.
5.5. Considerada a clareza literal do texto, a norma não permite interpretação diversa, inclusive em sentido conforme à Constituição.
5.6. De acordo com a nova disciplina normativa introduzida pelo Decreto-Lei n. 36/2025, deve-se considerar que o menor nunca adquiriu a cidadania italiana, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses excepcionais previstas: não foi apresentado requerimento administrativo ou judicial antes das 23h59 de 27/03/2025; não consta que ascendente do menor tenha residido na Itália por dois anos antes do nascimento; e os ascendentes do menor não possuíam exclusivamente cidadania italiana.
6. Sobre a não manifesta infundadez da questão de constitucionalidade suscitada pelos recorrentes
6.1. A questão não parece manifestamente infundada, ao menos quanto aos perfis apontados pelos recorrentes e que serão evidenciados a seguir.
O Colegiado entende, com efeito, que há fundada razão para duvidar da constitucionalidade do art. 3-bis da Lei n. 91/1992, introduzido pelos arts. 1 §1, 1-bis e 1-ter do Decreto-Lei n. 36/2025, convertido com modificações na Lei n. 74/2025, na parte em que limita retroativamente a disciplina da aquisição automática da cidadania iure sanguinis inclusive para aqueles que já eram nascidos ao tempo da entrada em vigor da norma, instituindo, ademais, sempre com efeitos retroativos, uma disciplina especial para a aquisição da cidadania do menor estrangeiro ou apátrida, mediante declaração de vontade expressa pelo genitor ou tutor.
A bem ver, a norma introduz uma limitação ao direito ao reconhecimento da cidadania italiana, criando uma disciplina especial em derrogação aos critérios ordinários em matéria de cidadania italiana, inclusive para os sujeitos nascidos antes da entrada em vigor da mesma e que, portanto, já haviam adquirido automaticamente, desde o nascimento, a cidadania italiana.
6.2. A esse respeito, mostra-se útil recordar o que foi recentemente afirmado pelas Seções Unidas da Corte de Cassação (sentença n. 25318 de 2022), a qual retomou os princípios fundamentais estabelecidos pela Lei n. 91/1992 para o reconhecimento do direito à cidadania italiana, reafirmando que a cidadania é uma qualidade atribuída pela lei que indica a pertença de um sujeito a um Estado, à qual corresponde um patrimônio de direitos e deveres.
A referida decisão, em particular, afirma textualmente que:
“O ordenamento jurídico italiano mantém por tradição um enfoque conservador, sem alterações substanciais quanto ao critério prevalente de aquisição da cidadania iure sanguinis, praticamente imutado desde o Código Civil de 1865 segundo uma estrutura herdada antes pela Lei n. 555 de 1912 e, depois, pela atual Lei n. 91 de 1992. A aquisição fundamental é a título originário por nascimento. Até 1992 isso significava que era cidadão italiano quem fosse filho de pai cidadão ou, quando o pai fosse desconhecido (ou apátrida), quem fosse filho de mãe cidadã. Tal fórmula caracterizou, em essência, as leis nacionais ao longo do período histórico aqui relevante: artigos 4 e 7 do Código Civil de 1865, art. 1 da Lei n. 555 de 1912. O quadro mudou com a Lei n. 91 de 1992, fruto de uma maturação constitucional superveniente, mas apenas no sentido de que é cidadão por nascimento — hoje — quem seja filho de pai ou de mãe cidadãos, ou ainda quem tenha nascido no território da República quando ambos os pais sejam desconhecidos ou apátridas […] Pode-se observar que o peso da escolha inspirada pelos laços de sangue (justamente iure sanguinis), em comparação com outros critérios de vínculo entre a pessoa e o território (iure loci ou, como também se diz, iure soli, mais ou menos atenuados por requisitos e condições adicionais), justificou (e ainda justifica, em parte, na Lei n. 91 de 1992) uma clara restrição das possibilidades de aquisição da cidadania para quem não possua ascendência italiana, mas também — como contradição que não se admite — uma igualmente clara restrição das hipóteses de se reconhecer causas extintivas da cidadania dos italianos no exterior. É um fato absolutamente óbvio, sob esse último ponto de vista, que o instituto da perda da cidadania italiana possa depender apenas da legislação nacional, conforme suas previsões vigentes ao tempo, e nunca de decisões tomadas em âmbito jurídico estrangeiro. Exatamente daí se originou o reconhecimento dos fenômenos da dupla cidadania, coerentes com o desenvolvimento e a evolução do direito internacional. Fenômenos estes para os quais o ordenamento atual (com a citada Lei n. 91 de 1992) tende, ao contrário, a dirimir eventuais situações de conflito. Deve-se notar como da relevância de tais fenômenos de dupla cidadania já dava conta também (e inclusive à época) a tão evocada sentença da Corte de Cassação de Nápoles de 1907. […] O resultado de tal esquema é muito simples. A cidadania por fato do nascimento se adquire a título originário. O status de cidadão, uma vez adquirido, tem natureza permanente e é imprescritível. Ele é suscetível de tutela jurisdicional a qualquer tempo, com base na simples prova da ocorrência da situação jurídica aquisitiva representada pelo nascimento de cidadão italiano. Daí que a prova reside na linha de transmissão. Resta apenas a possibilidade de extinção por renúncia (cf. Cassação Seções Unidas n. 4466/2009). Segue-se que, quando a cidadania seja reivindicada por um descendente, nada mais — sob a legislação invariada — cabe a ele demonstrar senão isto: ser justamente descendente de um cidadão italiano; competindo à parte contrária, que assim alegue, a prova do evento interruptivo da linha de transmissão.”
(Cass. SU, sent. n. 25318 de 2022, confirmada pela Cass. SU n. 4466/2009, reconhecendo os princípios afirmados pela Corte Constitucional nas sentenças n. 87 de 1975 e n. 30 de 1983).
6.3. Em força dessa consolidada reconstrução hermenêutica, e da aplicação do chamado “direito vivo”, deve-se considerar que — ao menos sob o regime anterior ao Decreto-Lei n. 36/2025 — os sujeitos nascidos no exterior que conseguissem demonstrar sua descendência ininterrupta de cidadão italiano fossem, por isso mesmo, cidadãos italianos, sendo a qualidade de cidadão italiano uma qualidade essencial da pessoa, com características de absolutidade, originariedade, indisponibilidade e imprescritibilidade (assim Cass. SU n. 4466/2009 cit.).
O fato de terem ou não promovido ação judicial para o reconhecimento formal de seu status de cidadãos constituía, na verdade, simples circunstância fática, irrelevante para o reconhecimento do direito: não se tratando de relação jurídica “de formação progressiva”, mas de um direito subjetivo perfeito que surgia com o nascimento da pessoa, visto que a falta de reconhecimento judicial do direito subjetivo não elimina a existência do próprio direito (argumento da Cass. SU n. 29459/2019, que interveio em diverso tema sobre a aplicação retroativa de normas restritivas em matéria de proteção humanitária introduzidas pela reforma de 2020).
6.4. Uma interpretação contrária, ademais, contrariaria o entendimento hermenêutico adotado pela jurisprudência consolidada, além da natureza declaratória — e não constitutiva — pacificamente reconhecida às sentenças de reconhecimento da cidadania iure sanguinis (diversamente das hipóteses de aquisição da cidadania por “naturalização”), que se limitam a reconhecer ou declarar um status já adquirido desde o nascimento.
6.5. À luz disso, são evidentes as dúvidas de legitimidade constitucional da norma objeto da controvérsia, que introduz um caso de ablação de um status de cidadão já adquirido pelo sujeito nascido no exterior de mãe italiana.
Com efeito, apesar de na Exposição de Motivos do Projeto de Lei de conversão do D.L. n. 36/2025 o legislador ter precisado que a disposição do novo art. 3-bis da Lei n. 91/1992 “se coloca após o art. 3 da Lei, pois não se trata de um caso de perda da cidadania italiana diverso dos previstos pelo art. 13, mas de uma preclusão, operante ex tunc, à aquisição automática da cidadania”, configurando, portanto, “uma hipótese de não aquisição ex tunc da cidadania e não de perda da mesma” (cf. págs. 24-25), o Colegiado entende evidente que a norma determina o não reconhecimento originário de um status que, todavia, de fato já havia sido adquirido no momento do nascimento.
Configura-se, assim, uma perda automática ex tunc da cidadania ou, com mais precisão, uma espécie de revogação implícita da cidadania, para todos aqueles que, nascidos antes da entrada em vigor do decreto em questão, já haviam adquirido, pelo nascimento de cidadão italiano, a titularidade substancial do status civitatis, embora ainda não tivessem providenciado o reconhecimento formal do direito mediante declaração de vontade expressa.
6.6. Diante do exposto, a norma se revela em contraste com os arts. 1, 2, 3, 22, 24, 56 e 58 da Constituição, além dos arts. 72, 77 e 117 §1 da Constituição.
7. Razões de contraste com o art. 22 da Constituição
7.1. Em primeiro lugar, a norma parece, de maneira evidente, em contraste com o art. 22 da Constituição, segundo o qual “Ninguém pode ser privado, por motivos políticos, da capacidade jurídica, da cidadania, do nome”.
7.2. A interpretação sistemática da norma constitucional conduz, com efeito, a excluir que o direito de cada cidadão à manutenção do próprio status civitatis possa ser sacrificado por motivos relacionados aos interesses públicos da coletividade.
A esse respeito, o Colegiado observa que o art. 22 da Constituição não pode ser interpretado apenas no sentido de proibir a privação da cidadania como instrumento de repressão do dissenso, mas também no sentido de atribuir relevância a qualquer motivo reconduzível a interesses “políticos” em sentido amplo, tanto aqueles das forças políticas no poder em determinado momento histórico quanto aqueles assumidos como próprios de toda a comunidade nacional.
Diversamente, acabar-se-ia por esvaziar a disposição de sentido, reduzindo-a a mera repetição de outros preceitos constitucionais, já que a proibição de privar alguém da cidadania em razão das ideias que professa poderia ser deduzida a partir do princípio democrático, do princípio de igualdade e do princípio de não discriminação.
Além disso, a própria colocação da norma entre as garantias das relações civis — e não entre aquelas relativas aos “elementos constitutivos” do Estado — ao sublinhar o vínculo entre cidadania e tutela das liberdades constitucionais, parece excluir que esses aspectos essenciais da personalidade possam ser sacrificados com base exclusivamente em interesses públicos considerados preeminentes.
7.3. Em violação desse preceito, a norma em exame priva da cidadania italiana os cidadãos italianos iure sanguinis, nascidos antes da entrada em vigor do decreto em questão, por supostos interesses públicos reputados preeminentes, como seria, no caso concreto, a regulação dos fluxos de pedidos de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis por descendentes de cidadãos italianos emigrados ao exterior.
7.4. Ora, se a aquisição de uma determinada cidadania não pode ser considerada um direito em si, dado o amplo grau de discricionariedade reservado ao Legislador na decisão sobre quem constitui o próprio povo e sob quais condições a cidadania pode ser atribuída, tal ampla discricionariedade não pode ser reconhecida quando o status de cidadão já tiver sido adquirido, configurando um verdadeiro direito fundamental do indivíduo, que constitui uma qualidade essencial da pessoa, com características de absolutidade, originariedade, indisponibilidade e imprescritibilidade que o tornam suscetível de tutela jurisdicional a qualquer tempo (cf., nesse sentido, Cass. civ., Sez. Unite, sent. n. 4466 de 2006; e, mais recentemente, Cass. civ., Sez. Unite, sent. ns. 25317 e 25318 de 2022).
8. Razões de contraste com o art. 3 da Constituição
8.1. Sob tal perspectiva, a norma submetida à atenção da Corte parece também apta a violar o art. 3 da Constituição, sob um duplo perfil.
8.2. Em primeiro lugar, o art. 3 da Constituição implica um critério de coerência, como forma de certeza do direito, e fundamenta o princípio da confiança na lei, como limite à modificação, pelo legislador, de relações jurídicas de duração continuada.
8.3. Cumpre observar que, em nosso ordenamento, apesar da vigência do princípio da irretroatividade da lei, nos termos do art. 11 das disposições preliminares, a lei civil retroativa não pode ser considerada ilegítima em si, desde que sejam respeitados limites precisos estabelecidos pelo texto e pela jurisprudência constitucionais.
A esse propósito, a jurisprudência constitucional tem reconhecido de forma constante que o valor da confiança legítima, que encontra cobertura constitucional no art. 3 da Constituição, não impede que o legislador possa adotar disposições que modificam, em sentido desfavorável aos interessados, a disciplina de relações jurídicas, “ainda que o objeto destas seja constituído por direitos subjetivos perfeitos”, ressalvando, porém, que isso só pode ocorrer “desde que tais disposições não se convertam em um regulamento irracional, frustrando, com referência a situações substanciais fundadas em leis anteriores, a confiança dos cidadãos na segurança jurídica, entendida como elemento fundamental do Estado de Direito” (entre outras, sentenças n. 54 de 2019, ns. 216 e 56 de 2015, n. 219 de 2014, n. 154 de 2014, ns. 310 e 83 de 2013, n. 166 de 2012 e n. 302 de 2010; ord. n. 31 de 2011).
A eficácia retroativa da lei encontra, portanto, um limite no “princípio da confiança dos cidadãos na certeza do ordenamento jurídico”, cujo desrespeito se traduz em irrazoabilidade e implica, em consequência, a ilegitimidade da norma retroativa (cf. sent. n. 69/2014, que remete às sentenças ns. 170 e 103 de 2013, ns. 271 e 71 de 2011, e ns. 236 e 206 de 2009, entre outras).
8.4. Ora, o Colegiado considera que a escolha de agir retroativamente sobre o reconhecimento do status civitatis, precisamente à luz do exposto, tenha violado a confiança legítima, amparada em jurisprudência consolidada, daqueles que, nascidos antes da entrada em vigor da normativa em questão, já haviam adquirido, ao nascer, a cidadania italiana, ainda que não tivessem (ainda) solicitado o reconhecimento formal.
Com efeito, tais pessoas, na data de 27.03.2025, já deviam ser consideradas cidadãos italianos para todos os efeitos, pois, ainda que não tivessem exercido os direitos decorrentes do status, deles eram titulares substanciais e confiavam na possibilidade de obter também o reconhecimento formal. Tal confiança legítima foi frustrada quando o Legislador modificou retroativamente o regime delineado pelos arts. 1º, 2º e 3º da Lei n. 91 de 1992.
8.5. Em segundo lugar, a disciplina contestada parece violar o princípio da igualdade substancial, que também encontra cobertura constitucional no art. 3 da Constituição.
Com efeito, o art. 3-bis, § 1º, letras a), a-bis) e b) da Lei 91/1992 trata de maneira desigual sujeitos que se encontram em idênticas condições fáticas — isto é, sujeitos com cidadania estrangeira, nascidos de genitores (ou ascendentes) cidadãos italianos antes da entrada em vigor do D.L. 34/2025 — submetendo o reconhecimento da cidadania a condições arbitrárias e não dependentes da vontade do sujeito, dentre as quais, em particular, a data de apresentação da documentação para a obtenção da cidadania ao escritório consular ou ao prefeito competente, ou a data de apresentação da ação judicial para reconhecimento da aquisição da cidadania iure sanguinis.
8.6. Não se pode ignorar que, independentemente da vontade dos interessados, a possibilidade concreta de apresentar, aos escritórios consulares, ao prefeito ou à autoridade judicial, a documentação idônea para atestar a transmissão da cidadania italiana iure sanguinis não é certa no tempo, dependendo também de fatores burocráticos e procedimentais preparatórios à apresentação do pedido, totalmente alheios à esfera de controle do cidadão.
Sob tal ótica, a diferença de tratamento entre aqueles que apresentaram um pedido judicial ou pedido aos escritórios consulares ou ao prefeito competente antes de 28.03.2025 e aqueles que o apresentaram depois, revela-se totalmente arbitrária.
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Razões de contraste com o art. 2 da Constituição
9.1. O Colegiado entende que a norma em questão apresenta, na sua aplicabilidade retroativa aos sujeitos nascidos antes da sua entrada em vigor, também perfis de violação do art. 2 da Constituição, incidindo de modo arbitrário e irrazoável sobre um direito inviolável do homem.
9.2. Como já evidenciado, com efeito, o direito à cidadania iure sanguinis, fundado na descendência de um cidadão italiano, não nasce de uma concessão do Estado, mas já existe na pessoa, qualificando-se como direito originário, natural e imprescritível. Diferentemente, o art. 3-bis da Lei 91/1992 considera tal direito, inclusive para aqueles que já o tenham adquirido, por serem nascidos antes da entrada em vigor da disciplina atual, como um benefício a ser obtido mediante requerimento, dentro de um prazo determinado, transformando um direito reconhecido em um benefício a ser solicitado.
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Razões de contraste com o art. 24 da Constituição
10.1. As normas contestadas, ao mesmo tempo, violam o art. 24 da Constituição, na medida em que obstaculizam e limitam de modo irrazoável, também do ponto de vista temporal, para um sujeito que já tenha adquirido ab origine a cidadania italiana iure sanguinis, o acesso à tutela jurisdicional do direito subjetivo à cidadania.
Com efeito, o art. 3-bis da Lei 91/1992 não introduz sequer normas de direito intertemporal, omitindo-se em identificar um prazo razoável, posterior à entrada em vigor da norma, para permitir àqueles que tenham interesse atuar perante as autoridades administrativas ou judiciais competentes a fim de obter o reconhecimento da cidadania adquirida iure sanguinis.
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Razões de contraste com os arts. 1 § 2, 56 e 58 da Constituição
12. Ainda, o art. 3-bis da Lei 91/1992, introduzido pelo art. 1 do Decreto-Lei 36/2025, convertido com modificações pela Lei 74/2024, ao intervir para excluir ou limitar retroativamente o reconhecimento da cidadania italiana a cidadãos estrangeiros que já a tenham adquirido iure sanguinis, coloca-se também em contraste com o art. 1, § 2, da Constituição, que reconhece a soberania popular, e com os arts. 56 e 58 da Constituição, que sancionam o direito de voto reservado aos cidadãos.
A cidadania italiana, com efeito, representa o pressuposto imprescindível para o exercício dos direitos políticos ativos e passivos, em particular do direito de voto para a Câmara dos Deputados e para o Senado da República (arts. 56 e 58 da Constituição), bem como para os referendos nos termos do art. 75 da Constituição.
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Razões de contraste com os arts. 72 e 77 da Constituição
13.1. Por fim, perfis de duvidosa conformidade ao texto constitucional são representados pelo emprego, para a introdução da normativa em questão, do instrumento da decretação de urgência.
13.2. Entende, com efeito, o Colegiado que a matéria da cidadania deve ser tida como coberta por reserva de lei formal, ou melhor, no plano procedimental, por reserva de assembleia, nos termos do art. 72 § 4 da Constituição, podendo, portanto, ser disciplinada apenas pela lei ordinária aprovada pelo Parlamento e não por outros atos com força de lei (tais como os decretos-lei).
13.3. O art. 72 § 4 da Constituição, com efeito, identifica algumas matérias ou figuras cuja regulamentação legislativa deve necessariamente seguir “o procedimento normal de exame e de aprovação direta por parte da Câmara”.
A razão da previsão de uma reserva de lei de assembleia encontra-se na oportunidade de discutir determinados projetos de lei de importância política e institucional em uma sede que, por sua natureza, implique garantias de publicidade das sessões e de presença integral das correntes políticas, o que não pode ser assegurado em outras sedes.
Ora, se o referido vínculo entre reserva de lei formal e reserva de assembleia fosse negado, teria pouco sentido impor exame e aprovação por parte da assembleia, pois estes poderiam ser facilmente contornados mediante uma mudança do tipo de ato legislativo, apta a eludir inclusive a intervenção direta parlamentar.
13.4. Feita tal premissa, cumpre destacar que entre as matérias cobertas por reserva de assembleia, nos termos do art. 72 § 4 da Constituição, encontram-se “a matéria constitucional” e a “matéria eleitoral”.
Pois bem, ambas as matérias são interpretadas extensivamente, de modo a abranger, respectivamente, todo projeto de lei de particular importância que diga respeito ao ordenamento institucional, bem como todo aspecto da disciplina relativa à função eleitoral, aí incluídas as condições para a atribuição da capacidade eleitoral ativa e passiva.
13.5. Com base nisso, pode-se perfeitamente entender que a matéria atinente ao status civitatis se afigure coberta por reserva de assembleia (e, portanto, também por reserva de lei formal), tratando-se de matéria suscetível de se inserir tanto no âmbito da matéria constitucional quanto, em sentido mais amplo, no da matéria eleitoral.
A escolha acerca dos sujeitos que compõem o povo de um Estado incide, com efeito, diretamente sobre um elemento constitutivo do próprio Estado e sobre a conformação da relação de representação política.
É, portanto, evidente a incidência da normativa em questão, que versa sobre uma matéria que concorre para qualificar a forma de Estado em sentido democrático e que incide diretamente sobre a composição do corpo eleitoral e sobre a definição da relação de representação política, uma vez que a cidadania define a pertença e a participação na vida política e social da comunidade.
A cidadania italiana, com efeito, como já evidenciado, não constitui apenas um status jurídico individual, mas representa o pressuposto imprescindível do exercício dos direitos políticos ativos e passivos, em particular do direito de voto para a Câmara dos Deputados e para o Senado da República (arts. 56 e 58 da Constituição), bem como para os referendos nos termos do art. 75 da Constituição.
Consequentemente, qualquer intervenção normativa que modifique as condições para a aquisição da cidadania iure sanguinis, restringindo retroativamente seus critérios ou excluindo sujeitos anteriormente legitimados, acarreta uma modificação implícita do corpo eleitoral, isto é, da base subjetiva sobre a qual se fundamenta a soberania democrática, o que requer o recurso ao procedimento “normal” de produção legislativa, nos termos do art. 72 da Constituição.
13.6. Em qualquer caso, mesmo que se entendesse a matéria excluída daquelas submetidas a reserva de lei e de assembleia, mostra-se árduo reconhecer, no caso em questão, os pressupostos de extraordinária necessidade e urgência exigidos pelo art. 77 da Constituição, que permitam ao Governo providenciar por meio de decreto-lei.
13.7. Sobre o ponto, observa o Colegiado que a intenção declarada pelo Governo no preâmbulo do Decreto-Lei 36/2025 é a de conter “o crescimento contínuo e exponencial do contingente de potenciais cidadãos italianos que residem fora do território nacional e que, também em razão da posse de uma ou mais cidadanias diversas da italiana, são predominantemente ligados a outros Estados por vínculos profundos de cultura, identidade e fidelidade”, visto que a “ausência de vínculos efetivos com a República, por parte de um número crescente de cidadãos, que poderia alcançar dimensão igual ou superior à população residente no território nacional, constitui um fator de risco sério e atual para a segurança nacional e, em virtude da pertença da Itália à União Europeia, dos demais Estados-membros desta e do Espaço Schengen”.
O Governo considerou, portanto, presentes perfis de extraordinária necessidade e urgência “para evitar, na pendência da aprovação de uma reforma orgânica das disposições em matéria de cidadania, um afluxo excepcional e incontrolado de pedidos de reconhecimento da cidadania, capaz de impedir o funcionamento ordenado dos escritórios consulares no exterior, dos municípios e dos escritórios judiciais”.
13.8. Pois bem, a questão da sobrecarga de Tribunais e Consulados com requerimentos de reconhecimento da cidadania por parte de italianos no exterior, ainda que desprovidos de vínculos reais com a República Italiana, é amplamente conhecida e antiga.
Isso faz emergir sérias dúvidas sobre a existência dos reais pressupostos que justifiquem o recurso ao instrumento da decretação de urgência, sem prejuízo da necessidade de uma intervenção legislativa organizada e harmônica sobre o ponto, reafirmada inclusive pela própria Corte Constitucional (cf. na fundamentação, sent. n. 142/2025), que, todavia, deve envolver, dada a amplitude e o impacto da matéria, as duas Câmaras do Parlamento.
O Colegiado entende, com efeito, que faltam quaisquer reais pressupostos de extraordinariedade, imprevisibilidade ou emergência que possam justificar uma intervenção legislativa por meio do instrumento do decreto-lei, que, ademais, introduziu disciplina retroativa e mais gravosa para aqueles que já adquiriram, iure sanguinis, a cidadania italiana por nascimento.
14. Razões de contraste com o art. 117, § 1º, da Constituição
À luz de tudo o que foi evidenciado até aqui, as normas em questão colocam-se, por fim, em contraste também com o art. 117, § 1º, da Constituição, em relação às obrigações internacionais e ao respeito do princípio da não discriminação sancionado pelo art. 14 da CEDH e pelo art. 26 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
16. Conclusões
16.1. Tudo o que foi exposto considerado, a normativa ordinária introduzida pelo Decreto-Lei n. 36/2025, convertida com modificações pela Lei n. 74/2025, que introduziu o art. 3-bis da Lei n. 91/1992, revela-se constitucionalmente ilegítima, na parte em que retroage os efeitos limitativos do status de cidadão a momento anterior à entrada em vigor da própria lei, condicionando o direito ao reconhecimento da cidadania italiana “por nascimento”, conforme as subsequentes letras de a) a b) do já citado art. 3-bis, ao cumprimento de determinadas condições introduzidas ex novo, por todas as razões expostas e à luz dos parâmetros constitucionais mencionados.
A escolha legislativa introduzida pelo art. 3-bis da Lei n. 91/1992 revela-se, com efeito, como amplamente exposto, assimilável a uma revogação ex tunc de um direito adquirido por sujeitos a serem considerados cidadãos italianos desde o nascimento, sem que tenha sequer sido introduzido um prazo razoável, a partir da entrada em vigor da norma, para a apresentação de um pedido de reconhecimento da cidadania italiana, cujo decurso infrutífero pudesse fundamentar a perda do status.
16.2. Além disso, como já evidenciado na ordem n. 167/2025 do Tribunal de Turim, publicada no G.U. de 17/09/2025, n. 38, por meio da qual as mesmas normas foram impugnadas com referência a parâmetros constitucionais parcialmente idênticos aos invocados na presente ordem, a declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 3-bis da Lei n. 91/1992, nos termos acima indicados, permitiria preservar o efeito útil da reforma legislativa, destinada a dar concreta aplicação ao princípio internacional do “vínculo efetivo”, recentemente reafirmado até mesmo pela Corte de Justiça da União Europeia (sentença de 29 de abril de 2025, processo C-181/23), eliminando ao mesmo tempo as consequências prejudiciais resultantes da aplicação retroativa (a todas as pessoas já nascidas) da nova normativa.
Eliminados, no art. 3-bis da Lei n. 91/1992, os trechos que expressamente preveem a sua aplicação retroativa, permaneceria possível, com efeito, uma única interpretação constitucionalmente orientada da nova normativa em matéria de cidadania: a de que o artigo citado seja aplicável apenas às pessoas nascidas após a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 36/2025, valendo para as demais a regra geral do art. 11 das disposições preliminares, nos termos da qual “a lei não dispõe senão para o futuro”.
P. Q. M.
O Tribunal de Mântua, em composição colegiada, visto o art. 134 da Constituição, o art. 1 da Lei constitucional n. 1 de 9 de fevereiro de 1948 e o art. 23 da Lei n. 87 de 1º de março de 1953, considerada a relevância e a não manifesta improcedência da questão de legitimidade constitucional do art. 3-bis da Lei n. 91 de 5 de fevereiro de 1992 (Novas normas sobre cidadania), introduzido pelos §§ 1, 1-bis e 1-ter do Decreto-Lei n. 36 de 28 de março de 2025 (Disposições urgentes em matéria de cidadania italiana), convertido, com modificações, pela Lei n. 74 de 23 de maio de 2025, na parte em que estabelece que a disposição se aplica a “quem nasce no exterior mesmo antes da data de entrada em vigor do presente artigo” e às condições previstas nas letras a), a-bis) e b), com referência aos arts. 1, 2, 3, 22, 24, 56, 58, 72, 77 e 117 da Constituição, sendo este último com referência ao art. 14 da CEDH e ao art. 26 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos:
determina a suspensão do presente procedimento;
ordena a imediata remessa dos autos à Corte Constitucional;
ordena que, sob os cuidados da Secretaria, a presente ordem seja notificada às partes em causa e à Presidente do Conselho de Ministros, bem como comunicada aos Presidentes das duas Câmaras do Parlamento.
Assim decidido na Câmara de Conselho da Seção Cível do Tribunal de Mântua, em 23 de outubro de 2025.
O PRESIDENTE

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