Primeiro pronunciamento da Corte Constitucional no caso da cidadania italiana: intervenção de associações é considerada inadmissível

O primeiro pronunciamento oficial da Corte Constitucional da Itália no aguardado processo que discute a constitucionalidade da atual legislação italiana sobre cidadania por descendência já foi publicado. Trata-se da Ordinança n.º 85/2025, que versa especificamente sobre a tentativa de intervenção no processo por parte de duas associações representativas da comunidade italiana no exterior: o Circolo Trentino de São Paulo (Brasil) e o Circolo sardo Domus Sardinia,  de Neuquén, na Patagonia (Argentina).

Em mensagem enviada à Revista Insieme, o advogado Marco Mellone, principal responsável pela defesa dos ítalo-descendentes nos recursos de inconstitucionalidade, confirmou o conteúdo da decisão. “Acaba de ser publicada a primeira decisão da Corte Constitucional sobre o nosso caso de cidadania. A Corte considerou inadmissível o pedido de intervenção das duas associações que representavam descendentes de italianos do Trentino e da Sardenha emigrados ao exterior”, escreveu Mellone.

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De acordo com a fundamentação da Corte, somente os sujeitos que possuem um interesse jurídico direto, imediato e qualificado em relação ao caso principal têm legitimidade para participar do processo de inconstitucionalidade. A Corte reafirma, com base em jurisprudência consolidada, que o julgamento de constitucionalidade não é um procedimento de controle abstrato, mas um juízo incidental e restrito às partes diretamente envolvidas no processo original.

A decisão ainda destaca que o simples fato de uma entidade representar um grupo potencialmente afetado pela norma questionada não é suficiente para garantir o direito de intervir no processo. Também foi descartada a possibilidade de converter o pedido de intervenção em uma manifestação na qualidade de amicus curiae, figura jurídica que permite a entidades sem fins lucrativos ou órgãos institucionais encaminharem pareceres escritos à Corte, mas com requisitos formais e substanciais bem definidos.

“O fundamento da decisão é claro”, prossegue Mellone. “A jurisprudência da Corte Constitucional sempre foi muito rígida nesse ponto: apenas quem consegue demonstrar que a decisão pode impactar de forma direta e imediata a sua própria situação jurídica tem direito de intervir. Por isso, não foi nenhuma surpresa o resultado.”

O advogado ainda ressaltou que a Corte ainda deverá decidir, no dia da audiência pública agendada para 24 de junho de 2025, sobre os pedidos de intervenção apresentados por outras associações.

A audiência será histórica: pela primeira vez, a mais alta Corte italiana analisará a fundo a constitucionalidade da atual lei de cidadania, cuja redação tem sido questionada por tribunais regionais italianos – entre eles os de Bologna, Roma, Milão e Florença – por possível violação aos princípios fundamentais da Constituição e aos tratados internacionais assinados pela Itália.

A seguir, o texto da decisão da Corte, na íntegra, traduzido para o português:

“ORDINANÇA N.º 85
ANO 2025
REPÚBLICA ITALIANA
EM NOME DO POVO ITALIANO
A CORTE CONSTITUCIONAL

Composta por:
Giovanni AMOROSO, Presidente
Francesco VIGANÒ, Juiz
Luca ANTONINI, Juiz
Stefano PETITTI, Juiz
Angelo BUSCEMA, Juiz
Emanuela NAVARRETTA, Juiz
Maria Rosaria SAN GIORGIO, Juiz
Filippo PATRONI GRIFFI, Juiz
Marco D’ALBERTI, Juiz
Giovanni PITRUZZELLA, Juiz
Antonella SCIARRONE ALIBRANDI, Juiz
Maria Alessandra SANDULLI, Juiz
Roberto Nicola CASSINELLI
Francesco Saverio MARINI, Juiz

Pronunciou a seguinte

DECISÃO

No processo de julgamento de legitimidade constitucional do artigo 1.º da Lei de 5 de fevereiro de 1992, n.º 91 (Novas normas sobre a cidadania), promovido pelo Tribunal Ordinário de Florença, seção especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação de cidadãos, em composição monocrática, no processo entre J. E. A. e outros contra o Ministério do Interior, com ordinança de 7 de março de 2025, registrada sob o n.º 86 do registro de ordinanças de 2025 e publicada no Diário Oficial da República n.º 18, primeira série especial, do ano de 2025.

Vistos os atos de constituição de E. D. F. A. G. e outros, de J. E. A. e outros, bem como os atos de intervenção do Circolo Trentino de São Paulo do Brasil e do Circolo Domus Sardinia;

Vistas as petições para a fixação de sessão de deliberação sobre a admissibilidade das intervenções, apresentadas pelo Circolo Trentino de São Paulo do Brasil e pelo Circolo Domus Sardinia;

Ouvindo, na sessão de deliberação de 9 de junho de 2025, a Juíza relatora Emanuela Navarretta;

Deliberado na sessão de deliberação de 9 de junho de 2025.

Considerando que:

O Tribunal Ordinário de Florença, seção especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação de cidadãos da União Europeia, em composição monocrática, com ordinança de 7 de março de 2025, inscrita no n.º 86 do registro de ordinanças de 2025, suscitou, com referência aos artigos 1.º, 3.º e 117.º, primeiro parágrafo, da Constituição e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, questões de legitimidade constitucional relativas ao artigo 1.º da Lei de 5 de fevereiro de 1992, n.º 91 (Novas normas sobre a cidadania);

Que no processo intervieram, com atos de idêntico teor depositados em 20 de maio de 2025, o Circolo Trentino de São Paulo do Brasil e o Circolo Domus Sardinia;

Que os intervenientes, ambos entidades sem fins lucrativos que representam interesses de emigrantes italianos, afirmam ter um interesse direto, concreto e atual nas questões objeto do julgamento, pois representam uma ampla gama de sujeitos descendentes de cidadãos italianos emigrados, diretamente afetados pela normativa sobre cidadania italiana;

Que os intervenientes solicitaram a admissão de sua intervenção nos termos das Normas Integrativas para os Julgamentos perante a Corte Constitucional;

Considerando que

Os intervenientes acima indicados não são partes dos processos principais;

Que, segundo orientação constante desta Corte, a participação no julgamento incidental de legitimidade constitucional é restrita, em regra, às partes do processo de origem, além do Presidente do Conselho de Ministros e, no caso de lei regional, ao Presidente da Junta Regional (artigos 3 e 4 das Normas Integrativas);

Que a esta disciplina só se pode fazer exceção, sem contrariar o caráter incidental do julgamento de constitucionalidade, em favor de terceiros que sejam titulares de um interesse qualificado, diretamente inerente à relação substancial debatida no processo e não simplesmente regulado, como qualquer outro, pela norma ou normas objeto da impugnação (ex plurimis, sentença n.º 19 de 2025 e respectiva ordinança anexa, bem como sentenças n.º 144 e n.º 140 de 2024 e respectivas ordinanças anexas), ou nos casos de questões que “envolvam problemáticas relativas à vida e às decisões pessoais sobre ela” (sentença n.º 66 de 2025 e respectiva ordinança anexa, e anteriormente a sentença n.º 135 de 2024 e respectiva ordinança anexa);

Que não é suficiente, para tornar admissível a intervenção, o fato de que o sujeito seja titular de interesses análogos aos debatidos no processo principal, ou que seja parte em um processo análogo, mas diverso do processo de origem, sobre o qual a decisão desta Corte possa influir, sob pena de transformar o julgamento de legitimidade constitucional em um procedimento de controle abstrato, que ocorreria sem a verificação prévia da relevância e da não manifesta infundamentação das questões por parte do juiz de origem (sentenças n.º 156 de 2023 e respectiva ordinança anexa, sentença n.º 136 de 2022, ordinança n.º 191 de 2021);

Que, à luz da jurisprudência constante desta Corte, tampouco é suficiente para legitimar a intervenção a função de representação institucional eventualmente exercida em favor de sujeitos cujos interesses estejam implicados na questão, “tanto mais diante da […] introdução do art. 4-ter [hoje art. 6] das Normas Integrativas, que permite às formações sociais sem fins lucrativos e aos sujeitos institucionais portadores de interesses coletivos ou difusos relacionados à questão de constitucionalidade apresentarem à Corte uma opinião escrita na qualidade de amigos da Corte (amicus curiae)” (sentença n.º 144 de 2024 e respectiva ordinança anexa), salvo se houver “um nexo com a específica relação jurídica debatida no processo” (ordinança n.º 37 de 2020);

Que a intervenção de terceiros é admissível apenas quando “uma eventual decisão de acolhimento das questões de legitimidade constitucional tiver incidência sobre a posição subjetiva” do interveniente (sentença n.º 98 de 2019), em razão de atribuições específicas relacionadas à norma impugnada (sentenças n.º 98 de 2019 e n.º 180 de 2018), condição que não se verifica no caso dos atuais intervenientes;

Que não é possível converter os pedidos em opinião de amicus curiae, dado que esta Corte afirmou que “as diferenças significativas entre os dois institutos, quanto a pressupostos e modalidades processuais, não permitem a coexistência no mesmo ato, seja de forma alternativa ou subordinada” (sentença n.º 14 de 2023), nem mesmo quando a conversão seja expressamente solicitada de forma subordinada ao pedido de intervenção, o que torna ainda mais evidente a inadmissibilidade;

Que os pedidos de intervenção devem, portanto, ser declarados inadmissíveis.

Vistos os artigos 4 e 5 das Normas Integrativas para os Julgamentos perante a Corte Constitucional.

POR ESTES MOTIVOS

A CORTE CONSTITUCIONAL

Declara inadmissíveis os pedidos de intervenção apresentados pelo Circolo Trentino de São Paulo do Brasil e pelo Circolo Domus Sardinia.

Assim decidido em Roma, na sede da Corte Constitucional, Palazzo della Consulta, em 9 de junho de 2025.

Assinado:

Giovanni AMOROSO, Presidente
Emanuela NAVARRETTA, Relatora
Valeria EMMA, Secretária
Depositada na Secretaria em 20 de junho de 2025

A Secretária
Assinado: Valeria EMMA”