Fazendo segredo sobre os principais argumentos que apresentará aos juízes constitucionais no próximo dia 24, o advogado Marco Mellone disse à Revista Insieme ter “confiança na solidez dos nossos argumentos”, mas que não há como apostar em qualquer veredito, pois a Corte poderá decidir de várias formas: “pode julgar a lei inconstitucional, pode adotar uma interpretação conforme a Constituição ou até mesmo declarar a questão inadmissível. O que é certo é que o debate vai gerar um precedente histórico.”
Ao lado de mais de uma dezena de colegas advogados, Mellone lidera a defesa dos ítalo-descendentes brasileiros e uruguaios no julgamento que tramita na Corte Constitucional da Itália, depois da arguição de inconstitucionalidade da Lei da Cidadania por parte de quatro tribunais regionais: Bolonha, Roma, Florença e Milão.
Embora cada tribunal tenha questionado dispositivos legais distintos – como o artigo 1 da Lei nº 91 de 1992 (no caso de Bolonha) e o artigo 1 da antiga Lei nº 555 de 1912, além do artigo 4º do Código Civil de 1865 (nos casos de Roma, Milão e Florença) – todas as arguições convergem para o mesmo núcleo temático: os limites históricos impostos pela legislação italiana ao reconhecimento da cidadania iure sanguinis.
Mellone ressaltou que a Corte decidiu analisar conjuntamente as quatro questões, justamente pela conexão entre os temas.
Entre os aspectos que deverão ser analisados pela Corte, Mellone destacou o risco representado pela introdução, ao longo dos anos, de conceitos que nunca fizeram parte da tradição jurídica italiana sobre cidadania, como o chamado “vínculo efetivo com a comunidade nacional”, que, segundo ele, tenta substituir o critério objetivo da descendência sanguínea por parâmetros subjetivos.
A audiência do dia 24 será pública e ocorrerá na sede da Corte Constitucional, no Palazzo della Consulta, em Roma. Aproximadamente 150 pessoas devem acompanhar o julgamento presencialmente, incluindo advogados, representantes institucionais, jornalistas e observadores internacionais.
A Revista Insieme estará fisicamente presente no plenário acompanhando todos os momentos da audiência. O rito processual – segundo Mellone – seguirá o formato tradicional das questões de constitucionalidade na Itália: a juíza relatora, Emanuela Navarretta, apresentará um relatório técnico contendo o resumo das questões submetidas e, em seguida, os advogados habilitados, entre eles Mellone, terão espaço para realizar as sustentações orais.
Não haverá produção de novas provas nem oitiva de testemunhas. A discussão se concentrará exclusivamente nos perfis de constitucionalidade das normas questionadas. Após as sustentações, os juízes se recolherão em sessão reservada para a deliberação, cuja duração poderá variar, a depender da complexidade do debate.
Durante a entrevista, o jurista também destacou o caráter simbólico do julgamento. Ele explicou que o prazo para a divulgação da sentença é incerto. A Corte pode decidir no próprio dia da audiência, como já ocorreu em outras ocasiões, mas também pode levar semanas, a depender da complexidade do debate entre os juízes.
Mellone observou ainda que, mesmo com a proximidade desse julgamento histórico, a luta jurídica dos ítalo-descendentes está longe de terminar. Segundo ele, a recente aprovação do “Decreto da Vergonha”, “embaralhou as cartas” e trouxe novos desafios que exigirão futuras batalhas nos tribunais.
Ao comentar o atual contexto político, Mellone também mencionou como significativo o fato de o próprio presidente da República, Sergio Mattarella, ter admitido publicamente a possibilidade de revisão da nova legislação sobre cidadania, um sinal, segundo ele, da gravidade das dúvidas jurídicas que a matéria suscita.
Sobre a questão da retroatividade, Mellone lembrou que o julgamento do próximo dia 24 não tratará da “nova lei” em si, mas que a decisão da Corte poderá ter implicações importantes para os processos em andamento, especialmente em relação aos critérios históricos de reconhecimento da cidadania.
Sem antecipar prognósticos sobre o resultado, Mellone reforçou que o momento é decisivo para a história da cidadania italiana. Em sua mensagem final aos ítalo-descendentes de todo o mundo, declarou: “Continuem atentos, mobilizados e confiantes. O que estamos construindo juntos vai muito além deste processo.”