Um dia após audiência histórica na Corte Constitucional, Tribunal de Turim questiona validade do “Decreto da Vergonha” transformado em lei

Decisão do juiz Fabrizio Alessandria aponta violação de princípios fundamentais da Constituição Italiana e de tratados internacionais ao excluir retroativamente o direito à cidadania italiana por descendência

Em uma reviravolta judicial que adiciona ainda mais tensão ao já conturbado cenário da cidadania italiana, o Tribunal de Turim remeteu à Corte Constitucional, no dia 25 de junho, uma incisiva arguição de inconstitucionalidade contra o artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 36/2025, convertido na Lei n.º 74/2025.

A decisão veio um dia após a audiência histórica da Corte Constitucional em Roma, realizada em 24 de junho de 2025, para analisar  quatro arguições semelhantes formuladas pelos tribunais de Bolonha, Roma, Florença e Milão – essas, entretanto, em sentido contrário à de Turim. A sessão, considerada a mais concorrida da história da Corte, contou com a presença de milhares de ítalo-descendentes e da equipe da Revista Insieme, único órgão de imprensa presente no local.

PATROCINANDO SUA LEITURA

Na nova decisão, o juiz Fabrizio Alessandria afirma que o dispositivo legal questionado — o artigo 3-bis, que impede retroativamente o reconhecimento da cidadania italiana por descendência se não houver pedido anterior a 27 de março de 2025 — representa, na prática, uma revogação implícita e retroativa da cidadania italiana, sem qualquer base constitucional legítima.

O juiz afirma que a nova norma fere gravemente os princípios da igualdade, da confiança legítima e da segurança jurídica, ao destacar que a cidadania iure sanguinis sempre foi reconhecida, por mais de um século, como um direito originário do descendente de italiano, e não como um benefício sujeito a prazos administrativos.

Segundo a decisão, a retroatividade da norma viola os artigos 2.º, 3.º, 22 e 117 da Constituição Italiana, além de contrariar compromissos assumidos pela Itália em tratados internacionais, incluindo o Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que instituem a cidadania europeia; o Quarto Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante o direito de entrar no país de origem; e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo artigo 15 proíbe a retirada arbitrária de nacionalidade.

A decisão também se apoia na jurisprudência da Corte de Justiça da União Europeia, que, em casos como Rottmann, Tjebbes e o recente X vs Dinamarca, condenou a perda automática de cidadania quando não se garantem mecanismos adequados de defesa e proporcionalidade.

O juiz Alessandria conclui que a norma italiana é arbitrária, desprovida de um regime de transição, e atinge diretamente direitos adquiridos, uma vez que se aplica inclusive a descendentes já nascidos e com linhagens documentadas, mas que ainda não haviam formalizado seu pedido de reconhecimento de cidadania.

Trata-se de uma mudança abrupta em um dos pilares da cidadania italiana, com base em critérios retroativos e desprovidos de razoabilidade, comparáveis a nenhuma outra legislação europeia, assinala a sentença.

Com isso, o processo em Turim foi suspenso até decisão da Corte Constitucional, à qual caberá decidir se a revogação retroativa da cidadania por descendência viola ou não a Carta Magna italiana.

A decisão do juiz de Turim representa um marco simbólico e jurídico importante, ampliando a pressão sobre a Corte Constitucional — que agora terá seis arguições formais sobre a mesa — e reacende a esperança de milhares de descendentes de italianos no Brasil e no mundo, diretamente afetados pela nova legislação.

Todos os lugares disponíveis na Sala de Audiências do Tribunal Constitucional italiano foram tomados. {Fotos Desidério Peron/Insieme)

A audiência histórica do dia anterior

A audiência de 24 de junho, em que a banca de advogados solicitou também o pronunciamento da Corte sobre a da nova lei (os processos questionaram a constitucionalidade da Lei da Cidadania anteriormente ao advento do “Decreto da Vergonha”), entrou para a história da Corte Constitucional italiana como a sessão com o maior número de presentes já registrados no salão de audiências.

A mobilização da diáspora italiana, especialmente de brasileiros e argentinos, levou ao tribunal constitucional mais de cem pessoas, entre advogados, ativistas e cidadãos interessados, além da cobertura ativa da Revista Insieme. Um alto número de solicitações de credenciamento não pode ser atendido pela Corte, em função da falta de espaço no edifício.

A decisão do juiz de Turim, proferida no dia seguinte, reforça a gravidade das dúvidas constitucionais que cercam o Decreto Tajani e amplia a pressão sobre o tribunal constitucional, que deverá agora deliberar sobre múltiplas impugnações convergentes — embora formalmente independentes — ao mesmo dispositivo legal.

Sala com telão lotada para acompanhar o desenrolar dos fatos na Sala de Audiências (Fotos Daniel Taddone)

A seguir publicamos, na íntegra, a “ordinanza” de Turim, traduzida para o português:

“TRIBUNAL DE TURIM
Seção Especializada em Matéria de Imigração, Proteção Internacional e Livre Circulação dos Cidadãos da UE
O Tribunal de Turim, na pessoa do juiz Fabrizio Alessandria,
– autores da ação –

contra
MINISTÉRIO DO INTERIOR, na pessoa do Ministro pro tempore, domiciliado ex lege junto à Advocacia Distrital do Estado de Turim
– réu revel –
e em relação ao
MINISTÉRIO PÚBLICO, na pessoa do Procurador da República junto ao Tribunal de Turim
– interveniente necessário –
em cumprimento à reserva feita na audiência de 16 de junho de 2025, proferiu a seguinte
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA (ORDINANZA)

Com petição apresentada nos termos do art. 281 decies do Código de Processo Civil, depositada em 28 de março de 2025, devidamente notificada, os autores acionaram judicialmente o Ministério do Interior requerendo o reconhecimento e declaração de seu status de cidadãos italianos iure sanguinis, alegando serem descendentes de cidadão italiano (cf. doc. 1) que, posteriormente, emigrou para a Venezuela, sem jamais ter se naturalizado cidadão venezuelano (cf. doc. 2). Consequentemente, requereram que fosse ordenado ao Ministério do Interior, e por ele ao oficial do Estado Civil competente, que procedesse à inscrição, transcrição e anotação da cidadania nos registros do estado civil.

O Ministério do Interior não se apresentou nos autos.

O Ministério Público não se opôs ao acolhimento da petição.

Na audiência de 16 de junho de 2025, verificada a regularidade e tempestividade das notificações, o juiz declarou a revelia do Ministério réu. Em preliminar, os autores suscitaram a inconstitucionalidade do art. 3-bis da Lei n.º 91/1992, com base nos argumentos expostos na petição suplementar autorizada em 11 de junho de 2025; observaram, em particular, que a questão de constitucionalidade seria admissível e relevante, pois a norma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2025 é aplicável ao caso em questão (ação judicial apresentada em 28 de março de 2025 e não precedida de pedido em via administrativa, tratando-se de descendência iure sanguinis por linha materna). O juiz, ciente disso, manteve o processo em deliberação.

Preliminarmente, deve ser afirmada a competência da Seção Especializada em Matéria de Imigração, Proteção Internacional e Livre Circulação dos Cidadãos da UE do Tribunal de Turim, conforme os artigos 1º, parágrafos 36 e 37 da Lei nº 206/2021, que introduziu, no artigo 4º, parágrafo 5º, do Decreto-Lei nº 13/2017, convertido, com modificações, pela Lei nº 46/2017, o seguinte trecho:

“quando o autor da ação reside no exterior, as controvérsias relativas ao reconhecimento do status de cidadão italiano são atribuídas tendo como referência o município de nascimento do pai, da mãe ou do ascendente cidadão italiano”.

No mérito, e com relação à admissibilidade da questão de constitucionalidade suscitada pelos autores, observa-se que – à luz da legislação anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 36/2025 – o pedido formulado pelos autores seria fundado, uma vez que, com base na documentação constante dos autos, está provada a descendência direta por linha paterna de cidadão italiano, ainda que na linha genealógica figure uma ascendente do sexo feminino, casada com cidadão estrangeiro, com o qual teve um filho antes da promulgação da vigente Constituição de 1948.

Entende-se, ademais, que a documentação apresentada pelos autores permite considerar cumprida também a exigência prevista no novo artigo 19-bis do Decreto Legislativo nº 150/2011. Como é sabido, o Decreto-Lei nº 36/2025 acrescentou a essa norma o parágrafo 2-bis, que proíbe o uso de prova testemunhal, e o parágrafo 2-ter, segundo o qual:

“nas ações judiciais relativas ao reconhecimento da cidadania italiana, quem requer o reconhecimento da cidadania deve alegar e comprovar a inexistência das causas de não aquisição ou perda da cidadania previstas em lei”.

No caso aqui em análise, como já ressaltado, consta nos autos o certificado negativo de naturalização do ascendente (doc. 2), razão pela qual se deve considerar também cumprida a nova exigência de prova documental prevista pelo Decreto-Lei nº 36/2025.

Com base no exposto, os autores alegam os seguintes fatos: afirmam ser todos descendentes em linha direta de cidadão italiano por nascimento, falecido na Venezuela após a proclamação do Reino da Itália (por conseguinte, deve-se considerar que tenha adquirido a cidadania italiana após a unificação ocorrida em 1861; nesse sentido, ver, entre outros, a decisão n. 23849 de 2023 do Tribunal de Roma); afirmam que o referido cidadão transferiu-se para a Venezuela e jamais renunciou à cidadania italiana; reconstroem a linha de descendência por meio da filha desse cidadão e das filhas desta última; afirmam que os descendentes do referido cidadão são italianos por direito de nascimento, mas que o Consulado na Venezuela não aceita os pedidos de reconhecimento da cidadania quando há uma mulher na linha de descendência que tenha nascido antes da entrada em vigor da Constituição republicana, impondo a esses casos o único caminho judicial (ver extrato do site do Consulado Geral da Itália em Caracas, documento 19).

Como prova desses fatos, os autores depositaram o extrato de nascimento do ascendente italiano emigrado para a Venezuela (doc. 1), o certificado de ausência de naturalização (doc. 2) e o certificado de casamento do ascendente com uma mulher venezuelana (doc. 3). Também foram anexados os certificados de nascimento e casamento dos descendentes do ascendente (docs. 4 a 18), as orientações do Consulado italiano na Venezuela quanto à impossibilidade de apresentar pedido administrativo nos casos de descendência por mulheres italianas nascidas antes de 1948 (doc. 19), bem como a decisão n. 23849 de 2023 do Tribunal de Roma, proferida no processo R.G. n. 13107/2022, na qual, em um caso que envolvia parentes colaterais dos atuais autores, todos descendentes do ascendente italiano, foi reconhecido o status de cidadã italiana da filha e do neto daquele, com o consequente direito dos respectivos descendentes ao reconhecimento da cidadania (doc. 20).

No campo jurídico, os autores:

mencionam o disposto no artigo 1º da Lei n.º 555 de 1912 sobre a transmissão da cidadania iure sanguinis;

mencionam a sentença da Corte Constitucional n.º 30 de 1983, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei n.º 555 de 1912 na parte em que não previa que também o filho de mãe italiana fosse cidadão por nascimento;

reconhecem a jurisprudência constante da Corte de Cassação, segundo a qual não há limite temporal para o exercício do direito à cidadania italiana, visto que o status de cidadão tem natureza permanente e imprescritível, e pode ser reconhecido a qualquer tempo, salvo renúncia expressa do interessado. Ainda segundo essa jurisprudência, deve-se reconhecer judicialmente a cidadania italiana à mulher que a perdeu por ter se casado com cidadão estrangeiro antes de 1º de janeiro de 1948, uma vez que essa perda, sem manifestação de vontade da titular, é consequência duradoura de norma inconstitucional por violar o princípio da igualdade entre os sexos e a igualdade jurídica e moral dos cônjuges, conforme os artigos 3º e 29 da Constituição (ver Cass. civ., Sez. Un., sent. n. 4466 de 2009);

ainda citam jurisprudência segundo a qual a cidadania “por nascimento” se adquire a título originário, estabelecendo um status civitatis com natureza permanente e imprescritível, passível de reconhecimento judicial a qualquer tempo, mediante simples prova do nascimento de um cidadão italiano. Assim, a prova da linha de transmissão é necessária e suficiente para o reconhecimento do direito judicialmente (ou seja, basta que o requerente comprove ser descendente de cidadão italiano);

mencionam também outro aspecto da jurisprudência de legitimidade, segundo o qual o cidadão italiano nascido e residente em Estado estrangeiro, onde é considerado nacional desde o nascimento, conserva a cidadania italiana e a transmite aos filhos (ver Cass. civ., Sez. Un., n. 25317 de 2022).

No contexto fático e jurídico descrito acima, sobreveio o Decreto-Lei n.º 36 de 2025, convertido, com modificações, pela Lei n.º 74 de 2025.

O decreto introduziu o artigo 3-bis na Lei n.º 91/1992, com o seguinte teor literal:

“Em derrogação aos artigos 1, 2, 3, 14 e 20 da presente lei, ao artigo 5 da Lei de 21 de abril de 1983, n.º 123, aos artigos 1, 2, 7, 10, 12 e 19 da Lei de 13 de junho de 1912, n.º 555, bem como aos artigos 4, 5, 7, 8 e 9 do Código Civil aprovado pelo Decreto Real de 25 de junho de 1865, n.º 2358, considera-se que jamais adquiriu a cidadania italiana aquele que nasceu no exterior, inclusive antes da entrada em vigor do presente artigo, e é titular de outra cidadania, salvo se ocorrer uma das seguintes condições:

a) o status de cidadão do interessado for reconhecido, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, mediante requerimento, acompanhado da documentação necessária, apresentado ao consulado ou ao prefeito competente até as 23h59, horário de Roma, dessa mesma data;

a-bis) o status de cidadão do interessado for reconhecido, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, mediante requerimento, acompanhado da documentação necessária, apresentado ao consulado ou ao prefeito competente na data marcada em agendamento comunicado ao interessado até as 23h59, horário de Roma, dessa mesma data de 27 de março de 2025;

b) o status de cidadão do interessado for reconhecido judicialmente, em conformidade com a legislação aplicável até 27 de março de 2025, mediante ação judicial proposta até as 23h59, horário de Roma, dessa mesma data;

c) um ascendente de primeiro ou segundo grau possua, ou possuía ao tempo da morte, exclusivamente a cidadania italiana;

d) um dos pais ou adotantes tenha residido na Itália por ao menos dois anos consecutivos após a aquisição da cidadania italiana e antes da data de nascimento ou de adoção do filho.”

Em síntese, a nova normativa de caráter emergencial introduz requisitos mais rigorosos para o reconhecimento do status de cidadão italiano para os nascidos no exterior que, embora tivessem o direito de serem reconhecidos como cidadãos italianos nos termos da Lei n.º 91/1992, não exerceram esse direito mediante requerimento (administrativo ou judicial) apresentado “até as 23h59, horário de Roma, de 27 de março de 2025”, ou seja, na véspera da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 36/2025.

A disposição em exame aplica-se ao caso em questão, pelos seguintes motivos:

os autores declararam que na Venezuela a atribuição da cidadania venezuelana ocorre tanto pelo critério do sangue (iure sanguinis) quanto pelo critério do solo (iure soli);

os autores nasceram todos na Venezuela, de modo que adquiriram também a cidadania venezuelana;

nos termos do artigo 34 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, aprovada em 20 de dezembro de 1999, “a nacionalidade venezuelana não se perde ao se optar ou adquirir outra nacionalidade”, o que significa que a Venezuela admite o regime de dupla cidadania;

conforme a nova disposição legal, os autores devem ser considerados como nunca tendo adquirido a cidadania italiana desde o nascimento;

os autores não se enquadram nas cláusulas de exceção previstas na lei, tendo em vista que:

não foi apresentado (nem poderia ser, dado que a filha do ascendente emigrado teve um filho nascido antes da entrada em vigor da Constituição republicana de 1948) pedido pela via administrativa;

a ação judicial foi proposta em 28 de março de 2025, ou seja, depois das 23h59 do dia 27 de março de 2025;

não consta que os ascendentes dos autores tenham residido na Itália por dois anos antes do nascimento dos filhos;

os ascendentes dos autores não possuíam exclusivamente a cidadania italiana.

Os autores, em petição suplementar autorizada em 11 de junho de 2025, suscitaram a inconstitucionalidade do mencionado artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992, alegando que tal norma viola diversos preceitos constitucionais, especialmente os artigos 3, 22, 77 e 117, parágrafo 1º.

A análise da admissibilidade e da relevância da questão de legitimidade constitucional suscitada exige a solução de uma questão interpretativa, considerada preliminar e decisiva: é necessário, isto é, estabelecer qual é a eficácia do artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992 sobre o direito à cidadania dos autores. Em outras palavras, é preciso determinar se a nova norma introduzida – com eficácia retroativa – pelo Decreto-Lei n.º 36/2025 incide sobre um direito de cidadania iure sanguinis já adquirido ao patrimônio jurídico dos autores ou se afeta apenas uma situação de mera expectativa ao reconhecimento da cidadania italiana.

Na verdade, é evidente que a norma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2025 implica uma limitação ao direito de reconhecimento da cidadania italiana previsto na legislação anterior. Nesse sentido, observa-se que o mencionado artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992 se inicia com a expressão “em derrogação aos artigos…”; trata-se, portanto, de norma especial que derroga os critérios ordinários em matéria de reconhecimento da cidadania italiana.

Também não há dúvidas de que essa norma tenha eficácia, ao menos em parte, retroativa, no sentido de que se aplica a todos os pedidos apresentados após as 23h59 do dia 27 de março de 2025; ou seja, também a pessoas já nascidas que, com base na legislação anterior (explicitamente derrogada pelo Decreto-Lei n.º 36/2025), teriam, pacificamente, direito ao reconhecimento da cidadania italiana.

Na exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 36/2025, lê-se que o novo artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992 “estabelece uma proibição de aquisição automática da cidadania para os nascidos no exterior em posse da cidadania de outro Estado”, com as únicas exceções previstas nas alíneas c) e d) do mesmo artigo 3-bis (ascendente de primeiro ou segundo grau titular exclusivamente da cidadania italiana, ou residência ‘qualificada’ na Itália por pelo menos dois anos consecutivos). Ainda segundo a referida exposição de motivos, portanto, “a disposição não introduziria uma hipótese de perda da cidadania (adicional àquelas previstas no artigo 13 da Lei n.º 91 de 1992), mas sim uma específica exclusão da aquisição automática da cidadania (ex tunc, e portanto operando também para os nascidos no exterior antes da entrada em vigor da própria disposição) por descendência, adoção ou outra causa”.

Neste contexto, como mencionado, é necessário avaliar se a derrogação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2025 configura, de fato, uma nova hipótese de perda (ou melhor, de revogação) da cidadania, ou se introduz – como propõe a exposição de motivos – um simples “mecanismo processual”, e, como tal, imediatamente aplicável conforme o princípio tempus regit actum. Em outras palavras, e em essência, é necessário avaliar se a imediata aplicabilidade da nova disposição normativa do artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992 é compatível com os princípios constitucionais e, em particular, com os princípios da razoabilidade e da confiança na segurança jurídica, reiteradamente afirmados pela jurisprudência constitucional (princípios extraídos dos artigos 2º e 3º da Constituição, especialmente afirmados pela Corte em matéria previdenciária; ver, entre outras, as sentenças n.º 69 de 2014 e n.º 173 de 2016), bem como com os princípios constitucionais e internacionais que impedem que um indivíduo seja arbitrariamente privado de sua cidadania (art. 22 da Constituição, art. 15, §2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10.12.1948, e art. 3, §2 do Quarto Protocolo Adicional à CEDH).

Para tanto, torna-se necessário um breve retrospecto sobre os requisitos para o reconhecimento da cidadania italiana em favor de sujeitos nascidos no exterior, sob a vigência do regime anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2025.

Sobre este ponto, é útil recordar, em primeiro lugar, o que foi recentemente afirmado pelas Seções Unidas da Corte de Cassação na sentença n.º 25318 de 24 de agosto de 2022 (relativa às consequências jurídicas, no ordenamento italiano, da legislação brasileira que introduziu, com o Decreto n.º 58-A de 1889, a chamada “grande naturalização”). Nessa decisão, a Corte percorreu os princípios fundamentais estabelecidos pela Lei n.º 91/1992 para o reconhecimento do direito à cidadania italiana. Transcreve-se, a seguir, por razões de clareza expositiva, o parágrafo da mencionada decisão das Seções Unidas que reconstrói os princípios atributivos da cidadania italiana no regime normativo vigente até 27 de março de 2025:

“XIII. Essencialmente, a cidadania é uma qualidade atribuída pela lei, que indica a pertença de um sujeito a um Estado.

A ela corresponde um conjunto variável de direitos e deveres de natureza pública e constitucional (um status, como se costuma dizer).

A esse respeito, o ordenamento jurídico italiano mantém, por tradição, uma abordagem conservadora, sem alterações substanciais quanto ao critério prevalente de aquisição da cidadania iure sanguinis, praticamente inalterado desde o Código Civil de 1865, segundo um modelo herdado primeiro pela Lei n.º 555 de 1912 e depois pela atual Lei n.º 91 de 1992.

A aquisição fundamental ocorre a título originário, por nascimento.

Até 1992, isso significava que era cidadão italiano o filho de pai cidadão, ou, quando o pai fosse desconhecido (ou apátrida), o filho de mãe cidadã.

Essa fórmula, na essência, caracterizou as leis nacionais ao longo do desenvolvimento histórico relevante para esta matéria: artigos 4 e 7 do Código Civil de 1865, artigo 1 da Lei n.º 555 de 1912.

O quadro mudou com a Lei n.º 91 de 1992, fruto de uma evolução constitucional, mas apenas no sentido de que é cidadão por nascimento – hoje – quem seja filho de pai ou mãe cidadãos, ou quem nasça no território da República se ambos os pais forem desconhecidos ou apátridas (ou se, pela lei do Estado de origem, não puder seguir a cidadania dos pais)”.

Considerando as primeiras manifestações da vontade legislativa expressa pela legislação anterior à Constituição, não há dúvida de que o legislador italiano se expressou em termos de substancial continuidade de propósitos e intenções; e é de fato amplamente aceita a opinião segundo a qual a Lei n.º 555 de 1912 representaria apenas um ponto de aperfeiçoamento da disciplina já presente no Código Civil de 1865.

Pode-se observar que o peso atribuído à escolha baseada nos laços de sangue (isto é, o critério do iure sanguinis), em comparação com outros critérios de vínculo entre a pessoa e o território (como o iure loci ou iure soli, com ou sem requisitos adicionais), justificou (e ainda justifica, em parte, na Lei n.º 91 de 1992) uma severa restrição das possibilidades de aquisição da cidadania por parte de quem não possui ascendência italiana. Por outro lado — para evitar contradição —, justifica também uma igualmente severa restrição às hipóteses de perda da cidadania italiana por parte de cidadãos residentes no exterior.

É absolutamente evidente, sob este último ponto de vista, que a perda da cidadania italiana pode depender apenas da legislação nacional, conforme as disposições nela vigentes à época, e nunca de decisões tomadas em âmbito estrangeiro.

É justamente a partir disso que se originou o reconhecimento dos fenômenos de dupla cidadania, coerentes, aliás, com o desenvolvimento e a evolução do direito internacional. Fenômenos esses que o ordenamento atual (pela já citada Lei n.º 91 de 1992) tende, quando necessário, a regular, especialmente para resolver eventuais conflitos.

Deve-se destacar que a relevância desses fenômenos de dupla cidadania já foi reconhecida (inclusive à época) pela famosa sentença da Corte de Cassação de Nápoles de 1907.

A possibilidade da existência, ao longo do tempo, de “dupla nacionalidade” foi então considerada uma “consequência inevitável do conceito de soberania, que inclui necessariamente os elementos de autonomia e independência de cada Estado em seu próprio território”.

A conclusão que se extrai desse esquema é bastante simples.

A cidadania por fato do nascimento se adquire a título originário.

O status de cidadão, uma vez adquirido, tem natureza permanente e é imprescritível.

Esse status pode ser reconhecido judicialmente a qualquer tempo, com base na simples prova do fato jurídico constitutivo integrado pelo nascimento de um cidadão italiano.

Daí decorre que a prova necessária é a da linha de transmissão.

Salva apenas a hipótese de extinção por renúncia (ver, já, Cass. Sez. Un. 4466/2009). Segue-se que, se a cidadania for reivindicada por um descendente, nada mais lhe cabe demonstrar — à luz da legislação então vigente — senão o fato de ser descendente de um cidadão italiano; e recairá sobre a parte contrária, se quiser invocar a exceção, o ônus da prova de um fato que tenha interrompido essa linha de transmissão.

A essas mesmas conclusões já havia chegado anteriormente a jurisprudência de legitimidade, de modo que se pode falar em orientação consolidada. Para fins de completude, menciona-se — entre muitas — a decisão da Corte de Cassação, também das Seções Unidas, na sentença n.º 4466 de 25 de fevereiro de 2009, a qual retoma os princípios afirmados pela Corte Constitucional nas sentenças n.º 87 de 1975 e n.º 30 de 1983, que — como é sabido — estenderam o direito à cidadania originária por nascimento também aos filhos de mãe italiana:

“Segundo a legislação ordinária, tem direito à cidadania o filho de pai ou mãe cidadãos, ou de pais desconhecidos, se nascido em território nacional (Lei de 5 de fevereiro de 1992, n.º 91, art. 1.º), com referência aos conceitos de ius sanguinis e ius soli; a Constituição proíbe que o estado de cidadão possa ser perdido por motivos políticos (art. 22 da Constituição), e a legislação ordinária estabelece que a ele apenas pode renunciar quem o possui (Lei n.º 91 de 1992, art. 11). A estrutura normativa do instituto evidencia que toda pessoa possui um direito subjetivo à condição pessoal constituída pelo status de cidadão e, nesse sentido, também o afirmam as convenções internacionais relevantes para esta matéria nos termos do art. 117 da Constituição (desde o art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 até o Tratado de Lisboa, aprovado pelo Parlamento Europeu em 16 de janeiro de 2008).

A Lei n.º 91 de 1992 sobre cidadania reafirma a existência desse direito, que pode ser apenas reconhecido pelas autoridades administrativas competentes (Ministério do Interior: arts. 7 e 8), prevendo, excepcionalmente, atos concessivos por parte do Presidente da República, com uma discricionariedade política limitada, em função das circunstâncias especiais indicadas pela lei, para as quais a cidadania é concedida (art. 9). O status de cidadão é permanente e produz efeitos duradouros no tempo que se manifestam no exercício dos direitos dele decorrentes; ele, como já observado, só pode ser perdido por renúncia, assim como também previa a legislação anterior (Lei n.º 555 de 1912, art. 8, n.º 2).

Pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada em Nova Iorque em 18 de dezembro de 1979 e ratificada na Itália pela Lei de 14 de março de 1985, n.º 132, citada no processo, é assegurado às mulheres “igual direito ao dos homens no que diz respeito à aquisição, mudança e conservação da cidadania”. Na Lei de 1912, conforme interpretada pela Corte Constitucional nas duas sentenças mencionadas, o casamento da mulher com estrangeiro e a filiação apenas por parte paterna acarretavam, respectivamente, a perda ou a aquisição da cidadania, não sendo reconhecido o direito ao filho da mulher que a perdeu por casamento.

Nenhuma referência exclusiva ao nascimento e ao mero ius sanguinis justificava ou justifica a aquisição do status de cidadão, que nasce da filiação — hoje também por adoção —, sendo duvidoso e superado o vínculo com o simples fato de nascer de um cidadão, com uma visão que perigosamente se aproxima ao conceito de ‘raça’, incompatível com a civilização antes mesmo que com o art. 3 da Constituição. A cidadania, como corretamente afirma a melhor doutrina, assume seu sentido e significado não apenas na disciplina das relações verticais do seu titular com o Estado que exerce poder soberano sobre ele, mas também nas relações horizontais com os demais integrantes da sociedade, com os quais compartilha o mesmo status (art. 4 da Constituição). Por meio da relação de filiação que liga uma pessoa à formação social intermediária constituída pela família, “sociedade natural” (arts. 2 e 29 da Constituição), a pessoa se insere na sociedade como um todo e tem direito ao reconhecimento do status de cidadão e dos direitos e deveres dele decorrentes.

Portanto, afirma-se com razão que o status de cidadão, efeito da condição de filho, constitui — como esta — uma qualidade essencial da pessoa, com caráter de absoluticidade, originariedade, indisponibilidade e imprescritibilidade, que o torna passível de tutela jurisdicional a qualquer tempo e, em regra, não passível de ser considerado esgotado ou encerrado, a não ser quando for negado ou reconhecido por sentença transitada em julgado.

Essa reconstrução do conceito de cidadania emerge das próprias sentenças da Corte Constitucional relativas à legislação anterior que a regulamentava, e que consideraram ilegítimas a perda e a não aquisição do status impostas por normas inconstitucionais, como efeito de um casamento, enquanto este permanecer eficaz e não tenha sido dissolvido, e de ser filho de mãe que sofreu a perda do status contra sua vontade, sem ter renunciado a ele.”

Em aplicação do chamado “direito vivo”, deve-se concluir, portanto, que — sob o regime anterior ao Decreto-Lei n.º 36/2025 — os sujeitos nascidos no exterior que pudessem comprovar sua descendência ininterrupta de um cidadão italiano eram, por esse fato, cidadãos italianos, sendo a qualidade de “cidadão italiano” uma “qualidade essencial da pessoa, com caráter de absoluticidade, originariedade, indisponibilidade e imprescritibilidade” (assim, Cass. SS.UU. n.º 4466/2009, citada).

Na opinião deste Tribunal, portanto, a dúvida interpretativa levantada no parágrafo anterior deve ser resolvida no sentido de que — no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 36/2025 — os nascidos no exterior de ascendente italiano eram, desde a origem, cidadãos italianos. O fato de terem, ou não, ajuizado ação para o reconhecimento “formal” de seu status de cidadãos constituía, na realidade, uma simples circunstância de fato, irrelevante para o reconhecimento do direito. Não se tratava, portanto, de uma relação jurídica “em formação progressiva”, mas de um direito subjetivo perfeito que nascia com o nascimento da pessoa.

A hipótese interpretativa contrária — segundo a qual o status de cidadão ainda não estaria “completo”, por depender de seu reconhecimento formal por sentença — colide com a orientação hermenêutica tradicionalmente adotada pela jurisprudência constitucional e de legitimidade acima mencionada. Ela contrasta, em particular, com a natureza declaratória (e não constitutiva) que é pacificamente atribuída às sentenças que reconhecem a cidadania iure sanguinis; o que demonstra que a intervenção judicial (ou administrativa) não implicava a constituição de nenhum direito de cidadania em favor dos descendentes de um ascendente italiano, mas apenas o reconhecimento de um direito que já lhes pertencia. Pensar de forma diversa implicaria admitir uma hipótese de aquisição da cidadania “por naturalização” (como ocorre com pessoas estrangeiras que residam na Itália por um determinado tempo e preencham certos requisitos legais), e não de aquisição da cidadania “por nascimento”, como inquestionavelmente se configurava no caso dos cidadãos iure sanguinis sob o regime anterior ao Decreto-Lei n.º 36/2025.

Relendo o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 36/2025 à luz desses princípios, impõem-se as seguintes considerações.

A nova norma implica, na substância, uma limitação ao status de cidadão já adquirido a título originário pelos sujeitos nascidos no exterior com ascendente italiano.

Como já reiterado, o “direito vivo” — recentemente objeto de interpretação normativa unificadora pela Corte de Cassação nas Seções Unidas, na mencionada sentença n.º 25318/2022 — atribui relevância, para fins de reconhecimento do status de cidadão italiano, exclusivamente ao fato de ser descendente direto de um ascendente italiano (desde que a linha de transmissão da cidadania não tenha sido interrompida por ato voluntário de renúncia; circunstância que, no caso em questão, deve ser excluída), sem que tenha qualquer importância o fato de os ascendentes do requerente terem, ou não, exercido seu direito ao reconhecimento “formal” da cidadania. Em outras palavras, o status de cidadão integra o patrimônio jurídico da pessoa e é adquirido no nascimento a título originário: esse direito, imprescritível, pode ser objeto de reconhecimento judicial a qualquer momento, mas a ausência de tal reconhecimento não compromete a existência do direito subjetivo.

Nesse sentido, recorda-se o que foi afirmado pela jurisprudência de legitimidade na sentença das Seções Unidas n.º 29459 de 13 de novembro de 2019: naquele caso, a Suprema Corte, chamada a se pronunciar sobre a aplicabilidade das normas restritivas relativas à proteção humanitária introduzidas pela reforma de 2020, excluiu sua aplicação retroativa — ou seja, às demandas apresentadas anteriormente à entrada em vigor da referida reforma — observando que “o princípio geral da irretroatividade, embora não tenha cobertura constitucional na matéria em questão, é ainda assim estabelecido, salvo exceções, pelo art. 11 das disposições preliminares do Código Civil. Tal princípio, independentemente de distinções eminentemente descritivas entre retroatividade em sentido próprio e impróprio, visa proteger não os atos, mas os direitos: aquilo que a proibição de retroatividade garante é a vedação à modificação da relevância jurídica de fatos que já se tenham consumado (no caso de fatos instantâneos) ou de uma situação jurídica ainda não esgotada (no caso de situações de caráter duradouro não concluídas à época da ab-rogação)”.

Uma vez esclarecido que, no caso em análise, os autores nasceram cidadãos italianos, deve-se concluir, consequentemente, que a normativa do Decreto-Lei n.º 36/2025 introduz, na substância, uma hipótese de “revogação implícita” da cidadania. Além disso, trata-se de uma hipótese de “revogação retroativa”, na medida em que as novas normas se aplicam a todos os casos não pendentes às 23h59 do dia 27 de março de 2025 (dia anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 36/2025).

Dito isso, é necessário reconhecer a existência de sérias dúvidas quanto à compatibilidade do mencionado artigo 3-bis da Lei n.º 91, de 5 de fevereiro de 1992, introduzido pelo artigo 1.º, parágrafo 1.º, do Decreto-Lei de 28 de março de 2025, n.º 36, convertido com modificações pela Lei de 23 de maio de 2025, n.º 74, com os parâmetros constitucionais extraídos dos artigos 2.º, 3.º, 22 e 117, parágrafo 1.º da Constituição.

Sobre a violação dos artigos 2.º e 3.º da Constituição:

Em primeiro lugar, deve-se contestar a violação dos artigos 2.º e 3.º da Constituição (violação do princípio da igualdade).

Nesse sentido, destaca-se a absoluta arbitrariedade do tratamento conferido àqueles que apresentaram uma ação judicial antes de 28 de março de 2025 em comparação com os que a apresentaram depois, sem que essa diferença normativa esteja vinculada a qualquer outro elemento objetivo relevante.

A esse respeito, a jurisprudência constitucional derivou dos artigos 2.º e 3.º da Constituição a existência de um princípio geral de razoabilidade das normas, as quais devem respeitar, igualmente, um princípio geral de “confiança na segurança jurídica”. Esses princípios foram majoritariamente afirmados em matéria previdenciária, onde com frequência se registraram intervenções normativas que — para responder a necessidades fiscais contingentes — tentaram incidir sobre relações de aposentadoria já em curso. Daí provém a definição doutrinária segundo a qual o legislador ordinário, em matéria previdenciária, encontra-se diante do limite constitucional intransponível dos chamados “direitos adquiridos”.

Entende-se, no entanto, que o princípio da “confiança na segurança jurídica” e a tutela dos “direitos adquiridos” possuem um alcance mais amplo, não podendo ser limitados apenas à esfera previdenciária. A confiança na segurança jurídica constitui, de fato, um princípio imanente ao ordenamento constitucional, fundamento do “pacto social” sobre o qual se baseia a ordem republicana. Um legislador ordinário desvinculado do respeito aos “direitos adquiridos” poderia afetar não apenas direitos consolidados no âmbito da previdência ou da cidadania, mas qualquer outro direito constitucionalmente tutelado (como, por exemplo, o direito de propriedade ou o direito à poupança).

Entre as inúmeras decisões da Corte Constitucional que declararam a inconstitucionalidade de normas ordinárias que afetavam retroativamente direitos já incorporados ao patrimônio jurídico da pessoa (neste sentido, ver Corte Const. n.º 169 de 2022), destaca-se o trecho central da sentença n.º 69 de 2014, onde se lê literalmente:

“A esse respeito, esta Corte reiterou que a eficácia retroativa da lei encontra, em especial, um limite no ‘princípio da confiança dos cidadãos na certeza do ordenamento jurídico’, e o desrespeito a esse princípio configura uma irrazoabilidade e, consequentemente, a inconstitucionalidade da norma retroativa (sentenças n.º 170 e n.º 103 de 2013, n.º 271 e n.º 71 de 2011, n.º 236 e n.º 206 de 2009, entre outras).

E, em conformidade com essa linha, sublinhou ainda que o princípio da confiança se aplica também em matéria processual e se vê violado diante de soluções interpretativas — ou, de qualquer forma, retroativas — adotadas pelo legislador em contraste com aquelas consolidadas na prática (sentenças n.º 525 de 2000 e n.º 111 de 1998).

Com ainda maior precisão, no que se refere às normas processuais sobre prazos para o exercício da ação, esta Corte excluiu que o instituto da decadência possa, por sua própria natureza, admitir aplicações retroativas, ‘não sendo logicamente concebível uma hipótese de extinção do direito […] por falta de exercício por parte do titular, na ausência de prévia fixação do prazo dentro do qual o direito […] deva ser exercido’ (sentença n.º 191 de 2005)” (assim textualmente Corte Const., sentença n.º 69 de 2014).

Na opinião deste juiz remetente, tais princípios devem ser aplicados ao caso presente, considerando-se em especial o “grau de consolidação” particularmente elevado da jurisprudência em matéria de cidadania iure sanguinis, que conta com um número inumerável de decisões que — em casos semelhantes ao presente — reconheceram pacificamente o direito à cidadania. Sobre este ponto, remete-se à sentença da Corte Constitucional n.º 70 de 2024, na parte em que afirma que “deve-se considerar o grau de consolidação da situação subjetiva originariamente reconhecida e posteriormente desconstituída por uma intervenção retroativa (sentenças n.º 89 de 2018, n.º 250 de 2017, n.º 108 de 2016, n.º 216 e n.º 56 de 2015)”.

Um argumento adicional a favor da arbitrariedade e da irrazoabilidade do mecanismo introduzido pelo Decreto-Lei n.º 36/2025 (isto é, revogação implícita da cidadania com eficácia retroativa e sem qualquer previsão de direito intertemporal) pode ser extraído da experiência comparada de sistemas jurídicos afins.

Particularmente significativo é o caso do ordenamento alemão. A disciplina legislativa federal sobre cidadania encontra-se principalmente na Lei sobre a Cidadania (Staatsangehörigkeitsgesetz – StAG) de 22 de julho de 1913, que ao longo dos anos passou por diversas reformas. Para os fins aqui tratados, importa considerar a reforma introduzida pela lei de 15 de julho de 1999, em vigor desde 1.º de janeiro de 2000, que instituiu como condição adicional para a aquisição da cidadania alemã o princípio do local de nascimento (ius soli ou Geburtsortsprinzip), somando-se ao princípio de filiação (ius sanguinis ou Abstammungsprinzip). Nesse contexto, o art. 4(4) da StAG estabelece que “a cidadania alemã não é adquirida conforme o parágrafo 1, no nascimento ocorrido no exterior, se o pai ou a mãe alemães também nasceram no exterior após 31 de dezembro de 1999 e ali residem habitualmente, salvo se a criança for apátrida”.

Isso significa que o legislador alemão de 1999 quis aplicar a nova — e mais restritiva — norma em matéria de cidadania apenas aos nascidos após 1.º de janeiro de 2000, sem prever qualquer aplicação retroativa (e em prejuízo). Tal experiência comparada constitui — na opinião do juiz remetente — uma demonstração adicional da insustentabilidade da escolha normativa do Decreto-Lei n.º 36/2025, que revoga a normativa sobre aquisição da cidadania italiana por nascimento vigente desde 1912 por meio de decreto-lei com eficácia imediata e efeito retroativo.

Sobre a violação do artigo 117, parágrafo 1.º, da Constituição:

A irrazoabilidade de uma norma que limita o direito à cidadania já adquirido ao patrimônio jurídico do cidadão, sem que este tenha renunciado a tal direito ou cometido um ato “culposo” que contrarie seu status (como nos casos previstos nos artigos 10-bis e 12 da Lei n.º 91/1992), contrasta não apenas com os já mencionados princípios de razoabilidade e confiança derivados dos artigos 2.º e 3.º da Constituição, mas também com os compromissos internacionais assumidos pela Itália nos termos do artigo 117, parágrafo 1.º da Constituição.

Sobre a possibilidade de controle de constitucionalidade da violação do direito internacional convencional perante a Corte Constitucional, menciona-se a jurisprudência consolidada que encontra síntese nas sentenças n.º 348 e n.º 349 de 2007. Segundo a Corte Constitucional, “em toda questão que envolva possível conflito entre normas interpostas e normas legislativas internas, deve-se verificar simultaneamente a conformidade de ambas com a Constituição, e, especificamente, a compatibilidade da norma interposta com a Constituição e a legitimidade da norma impugnada em relação à mesma norma interposta”. Em particular, quanto à necessidade de suscitar incidente de inconstitucionalidade sempre que a norma interna esteja em conflito insanável com a norma convencional interposta, a Corte afirmou que “cabe ao juiz comum interpretar a norma interna de forma compatível com a disposição internacional, dentro dos limites permitidos pelos textos normativos. Caso isso não seja possível, ou caso haja dúvida quanto à compatibilidade da norma interna com a disposição convencional interposta, o juiz deve submeter a questão à apreciação desta Corte, em conformidade com o artigo 117, primeiro parágrafo”.

Com referência específica à violação do artigo 117, parágrafo 1.º da Constituição, em relação às normas do direito da União Europeia — as quais são suscetíveis de controle também mediante encaminhamento prejudicial à Corte de Justiça da UE, conforme o artigo 267 do TFUE —, observa-se que a jurisprudência constitucional italiana está consolidada no sentido da chamada alternatividade dos remédios. Neste ponto, remete-se à recente sentença da Corte Constitucional n.º 7 de 2025, que sintetizou eficazmente os termos da questão:

“A Seção remetente se viu diante da escolha entre decidir diretamente sobre a incompatibilidade do artigo 2641 do Código Civil com o artigo 49, parágrafo 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) — e, consequentemente, confirmar ou anular a decisão da Corte de Apelação —, precedida, se necessário, de encaminhamento prejudicial à Corte de Justiça (como sugerido pelo próprio Procurador Geral recorrente); ou submeter a esta Corte a avaliação sobre a constitucionalidade do mesmo artigo 2641 do Código Civil, à luz tanto dos parâmetros nacionais que sustentam o princípio da proporcionalidade da pena, quanto do próprio artigo 49, parágrafo 3, da CDFUE (além do artigo 17 da CDFUE, que tutela a nível europeu o direito de propriedade), por meio dos artigos 11 e 117, primeiro parágrafo, da Constituição”.

A decisão da Seção remetente de adotar esta segunda via está em conformidade com os princípios já repetidamente afirmados pela jurisprudência constitucional (a partir da sentença n.º 269 de 2017, item 5.2 do “Considerado em Direito”) para os casos em que o juiz detecta uma incompatibilidade entre uma lei nacional e uma norma do direito da União dotada de efeito direto.

Quando a questão apresenta também um “tom constitucional”, pelo vínculo com interesses ou princípios de relevância constitucional (sentença n.º 181 de 2024, item 6.3 do “Considerado em Direito”), o juiz italiano tem sempre — além da possibilidade de afastar, no caso concreto, a aplicação da lei nacional, com eventual reenvio prejudicial à Corte de Justiça em caso de dúvida sobre a interpretação ou validade da norma europeia — a alternativa de provocar a intervenção da Corte Constitucional, para que esta declare a inconstitucionalidade da lei nacional incompatível com o direito da União (nesse mesmo sentido, recentemente, a sentença n.º 1 de 2025, item 3.1 do “Considerado em Direito”).

As duas vias — configurando um “concurso de remédios jurisdicionais [que] enriquece os instrumentos de tutela dos direitos fundamentais e, por definição, exclui qualquer preclusão” (sentença n.º 20 de 2019, item 2.3 do “Considerado em Direito”) — baseiam-se ambas no princípio da primazia do direito da União, cuja proteção pode ser assegurada, de forma “cada vez mais integrada” (sentença n.º 15 de 2024, item 7.3.3 do “Considerado em Direito”), tanto por cada juiz, através do afastamento da aplicação da norma nacional incompatível no caso concreto, quanto por esta Corte, mediante declaração de sua inconstitucionalidade por contraste com a norma europeia.

Este último remédio, como já sublinhado na sentença n.º 20 de 2019, tem — inclusive — importância especial justamente na matéria de tutela dos direitos fundamentais, onde é essencial que as cortes constitucionais e supremas nacionais possam “contribuir, por sua parte, para tornar efetiva a possibilidade — prevista no artigo 6 do Tratado da União Europeia (TUE) […] — de que os correspondentes direitos fundamentais garantidos pelo direito europeu, e em particular pela CDFUE, sejam interpretados em harmonia com as tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, evocadas também pelo artigo 52, parágrafo 4, da mesma CDFUE como fontes relevantes” (item 2.3 do “Considerado em Direito”).

Ao juiz comum, portanto, cabe a tarefa de identificar, caso a caso, o remédio mais apropriado.

Com base no exposto, constata-se, em primeiro lugar, a violação do artigo 117, parágrafo 1.º da Constituição, em relação aos artigos 9 do Tratado da União Europeia (TUE) e 20 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que instituem e regulam a cidadania europeia como status que se soma à cidadania de um Estado-membro.

Tal alegação é admissível em virtude do reflexo que a cidadania italiana exerce sobre a titularidade da cidadania europeia. É também relevante, pois a situação de perda da cidadania italiana introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2025 incide, indubitavelmente, sobre normas do direito da União que têm eficácia direta em nosso ordenamento, não podendo ser qualificadas de outra forma as normas dos Tratados que instituem a cidadania europeia (“É cidadão da União toda pessoa que tenha a cidadania de um Estado-membro”, art. 9 do TUE; “É instituída a cidadania da União. É cidadão da União toda pessoa que tenha a cidadania de um Estado-membro”, art. 20 do TFUE).

Observa-se, a esse respeito, que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), na sentença de 5 de setembro de 2023, processo C-689/21, caso X c. Ministério da Imigração e Integração da Dinamarca (Udlændinge- og Integrationsministeriet), foi chamado a se pronunciar sobre uma norma dinamarquesa que, para os cidadãos dinamarqueses nascidos no exterior, previa a perda ipso iure da cidadania ao completarem 22 anos, caso não existisse vínculo efetivo com a Dinamarca. Nesse caso, a Corte afirmou textualmente que “a situação dos cidadãos da União que […] possuem a cidadania de um único Estado-membro e que, com a perda dessa cidadania, se encontram sem o status conferido pelo artigo 20 do TFUE e os direitos a ele correlatos, recai, por sua natureza e pelas consequências que produz, no âmbito do direito da União. Portanto, no exercício de sua competência em matéria de cidadania, os Estados-membros devem respeitar o direito da União e, em particular, o princípio da proporcionalidade” (sentenças de 2 de março de 2010, Rottmann, C-135/08, pontos 42 e 45; de 12 de março de 2019, Tjebbes e outros, C-221/17, ponto 32; e de 18 de janeiro de 2022, Wiener Landesregierung — Revogação de uma garantia de naturalização — C-118/20, ponto 51).

Em particular, o Tribunal de Justiça ressaltou que “a perda ipso iure da cidadania de um Estado-membro seria incompatível com o princípio da proporcionalidade se as normas nacionais pertinentes não permitissem, em nenhum momento, um exame individual das consequências determinadas por tal perda para os interessados, sob o ponto de vista do direito da União”. Com a referida decisão, em conformidade com sua jurisprudência anterior (ver, entre outras, a sentença de 12 de março de 2019, C-221/17, Tjebbes, ponto 41, e, mais recentemente, a sentença de 25 de abril de 2024, C-684/22, S.O. c. Stadt Duisburg, ponto 43), o Tribunal também estabeleceu de forma clara que o Estado deve garantir a possibilidade de apresentar um pedido de conservação ou recuperação ex tunc da cidadania dentro de prazos razoáveis, que só podem começar a correr após cada indivíduo — destinatário de uma eventual perda — ser especificamente advertido da iminência de tal evento, concedendo-lhe a possibilidade de apresentar um pedido destinado a impedir a ocorrência da extinção.

Por todas as razões já amplamente expostas, deve-se concluir que a normativa italiana introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2025 viola as normas dos Tratados que instituem a cidadania europeia, implicando — de fato — a perda da cidadania italiana em prejuízo de sujeitos que (à parte o dado meramente formal de ainda não terem iniciado um procedimento judicial ou administrativo para o reconhecimento de seu direito) eram pacificamente considerados cidadãos italianos por nascimento, sem que tenha sido previsto qualquer mecanismo de direito intertemporal que lhes permitisse conservar a cidadania dentro de um prazo razoável (por exemplo, mediante a previsão de uma “janela temporal” durante a qual pudessem apresentar pedido administrativo ou judicial de reconhecimento da cidadania).

Constata-se ainda a violação do artigo 117, parágrafo 1.º da Constituição em relação ao artigo 15, parágrafo 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, segundo o qual “ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”: na presente hipótese, a alegação é justamente a arbitrariedade dos critérios de “revogação implícita” introduzidos pelo artigo 1.º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 36/2025, na parte em que retroagem a “revogação” (isto é, a impossibilidade de fazer valer judicialmente o próprio direito originário ao reconhecimento da cidadania italiana) para as 23h59 do dia anterior à entrada em vigor do mesmo decreto-lei.

Ressalta-se aqui a diferença substancial entre o artigo 15, parágrafo 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o artigo 22 da Constituição Italiana: a norma internacional emprega o advérbio “arbitrariamente”, cuja abrangência é lexical e estruturalmente mais ampla que a expressão “por motivos políticos” utilizada pela norma constitucional italiana. Se por “motivos políticos” devem ser entendidos motivos “essencialmente políticos” (pense-se, por exemplo, no caso da revogação da cidadania em detrimento de uma minoria étnica ou de membros de um determinado movimento político, filosófico, religioso ou cultural), o advérbio “arbitrariamente” contempla qualquer hipótese de privação de cidadania que — independentemente de sua motivação “política” ou “comum” — se revele injusta, injustificada ou irrazoável; ou seja, arbitrária.

No caso do artigo 3-bis mencionado, por todas as razões amplamente expostas no parágrafo I, deve-se entender que a perda indiscriminada e retroativa da cidadania aplicada a todos os cidadãos italianos nascidos no exterior, em razão do simples fato de não terem manifestado (por via administrativa ou judicial) sua vontade de exercer o próprio direito à cidadania (vale reiterar: direito atribuído a eles desde o nascimento, iure sanguinis, e num contexto histórico em que a confiança na permanência da normativa e da jurisprudência consolidadas sobre a matéria era máxima), configura uma hipótese de privação arbitrária da cidadania. Isso implica, portanto, a violação do preceito do artigo 15, parágrafo 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, protegido no ordenamento italiano por meio do artigo 117, parágrafo 1 da Constituição, tal como interpretado pela jurisprudência constitucional (ver, entre outras, as sentenças da Corte Constitucional n.º 348 e n.º 349 de 2007).

Por fim, entende-se que o artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992 viola também o artigo 117, parágrafo 1.º da Constituição, em relação ao artigo 3, parágrafo 2 do Quarto Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, segundo o qual “ninguém pode ser privado do direito de entrar no território do Estado do qual é cidadão”: na presente hipótese, estaríamos diante de sujeitos titulares, desde o nascimento, da cidadania italiana (isto é, de um direito subjetivo), que se veriam privados do seu direito de entrar no território italiano pelo simples fato de não terem requerido (pela via administrativa ou judicial) o reconhecimento do próprio direito até as 23h59 do dia anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 36/2025.

Conclusões

Deve-se concluir, portanto, que a normativa ordinária introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2025 é constitucionalmente ilegítima na medida em que faz retroagir os efeitos limitativos do status de cidadania a um momento anterior à entrada em vigor da própria lei.

Em outras palavras, é inconstitucional que o legislador ordinário determine, no artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992, que — “em derrogação” à normativa aplicável — “é considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana aquele que nasceu no exterior, mesmo antes da entrada em vigor do presente artigo, e possui outra cidadania”, limitando, nas alíneas subsequentes de a) a d), o direito ao reconhecimento da cidadania italiana “por nascimento” ao respeito de determinadas condições introduzidas ex novo pelo mesmo Decreto-Lei n.º 36/2025.

Dúvida-se, em suma, da legitimidade constitucional — pelas razões expostas e com base nos parâmetros dos artigos 2.º, 3.º e 117, parágrafo 1.º da Constituição — da retroatividade das limitações impostas a um status de cidadão já adquirido, a título originário, por pessoa nascida no exterior e descendente de cidadão italiano, conforme a normativa vigente até 27 de março de 2025.

II — Relevância da questão

A norma cuja constitucionalidade se questiona foi aplicada neste processo pelas disposições do artigo 1.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 36/2025, na parte em que introduziu o artigo 3-bis na Lei n.º 91/1992. Tal artigo prevê que “em derrogação às disposições dos artigos 1.º e 2.º da presente lei, é considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana aquele que nasceu no exterior, mesmo antes da entrada em vigor do presente artigo, e possui outra cidadania”.

As limitações impostas ao direito ao reconhecimento da cidadania italiana por nascimento, previstas no mesmo artigo nas alíneas de a) a d), tornam-se assim retroativamente aplicáveis a todos os cidadãos nascidos no exterior que não tenham iniciado ação judicial até as 23h59 do dia anterior à entrada em vigor da norma em questão.

É o caso, precisamente, dos autores desta ação, os quais são netos de cidadãos italianos nascidos na Itália e emigrados para o Brasil e que não haviam ainda iniciado, até a data de 28 de março de 2025, uma ação judicial voltada ao reconhecimento da cidadania italiana.

O presente processo versa, pois, sobre a titularidade ou não da cidadania italiana por nascimento em favor dos autores e, mais precisamente, sobre a incidência ou não das limitações introduzidas pelo artigo 3-bis da Lei n.º 91/1992.

O juízo sobre a constitucionalidade da norma é, portanto, decisivo para a resolução da controvérsia, uma vez que, em caso de acolhimento da questão de legitimidade constitucional, o direito dos autores ao reconhecimento da cidadania italiana deverá ser declarado procedente, com base na normativa vigente até 27 de março de 2025 e na jurisprudência pacífica da Corte de Cassação e da maioria dos tribunais de mérito.

III — Dispositivo

Pelo exposto, este Tribunal ORDENA a remessa dos autos à Corte Constitucional, para que esta se pronuncie sobre a legitimidade constitucional do artigo 3-bis da Lei n.º 91 de 5 de fevereiro de 1992, introduzido pelo artigo 1.º, alínea a), do Decreto-Lei de 28 de março de 2025, n.º 36, convertido com modificações pela Lei de 23 de maio de 2025, n.º 74, por suposta violação dos artigos 2.º, 3.º, 22 e 117, parágrafo 1.º da Constituição, sendo este último em relação:

– ao artigo 9 do Tratado da União Europeia (TUE) e ao artigo 20 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que instituem a cidadania europeia;

– ao artigo 3, parágrafo 2, do Quarto Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

– ao artigo 15, parágrafo 2, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948.

Suspende-se o processo em curso até o pronunciamento da Corte Constitucional.

Turim, 25 de junho de 2025.

O Juiz
Fabrizio Alessandria”