“Eu me assustei com o ‘vade mecum’ porque era uma coisa extremamente pobre, pouco objetiva, além de bastante raso, superficial, pouco claro e muito pior que os antigos documentos do gênero editados no passado”


Dois meses e meio após o anúncio de um “vade mecum da cidadania” para a padronização do procedimento consular sobre os pedidos de reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue, em todo o Brasil, o assunto permanece uma incógnita. Enquanto isso, entretanto, continua o bloqueio no atendimento da “fila da cidadania” em Curitiba – um procedimento bem diverso daquele que se verifica em outros consulados, como o de São Paulo e de Brasília, que acabam de chamar novos enfileirados.

O assunto tem gerado debates e críticas de interessados em grupos que se ocupam do tema nas redes sociais e, segundo o presidente do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ do Recife, Daniel Taddoni, não há informações novas depois que, através do Intercomites, presidentes de Comites solicitaram acesso ao conteúdo do documento para eventuais críticas ou sugestões. “Inicialmente nos disseram que o documento estava pronto e não caberiam mudanças”, diz Taddone, em entrevista concedida hoje à tarde à revista Insieme, mas, depois acabaram por dar vistas do documento.

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“Eu me assustei com o ‘vademecum’ porque era uma coisa extremamente pobre, pouco objetiva, além de bastante raso, superficial, pouco claro e muito pior que os antigos documentos do gênero editados no passado”, diz Taddone, ao narrar a Insieme que apresentou inúmeras sugestões, assim como fizeram outros colegas seus. Mas, acrescenta: “não tenho ideia se nossas sugestões foram acatadas, ou sequer lidas”.

Agora, “não sabemos em que estágio está esse roteiro” e, segundo Taddone, o pensamento de pelo menos boa parte dos cônsules é que “os Comites não devem se meter sobre o assunto cidadania”. O cônsul de Porto Alegre, por exemplo – explica Taddone – nega-se a tratar qualquer coisa sobre cidadania com o Comites local, “porque ele diz que os Comites têm a ver com assuntos atinentes aos cidadãos italianos e quem está na fila não é italiano – o que é uma subversão da própria lei da cidadania”. “Só sabemos que não sabemos”, brinca o presidente do Comites do Recife.

Sobre Curitiba, Taddone diz que algumas informações davam conta de que na semana passada sairia a convocação do grupo suspenso desde novembro do ano passado, enquanto o consulado de SP, na mesma semana, fez exatamente o contrário: convocou três anos de enfileirados (inscritos de 2008, 2009 e 2010) numa só vez, “o que é surpreendente, mas, devido os prazos exíguos, isso vai pegar muita gente de calça curta, sem dúvida.”

Em Curitiba e, de forma geral à exceção de São Paulo, na maioria dos consulados, o que falta, segundo Taddone, é transparência. Ele cita o caso de Porto Alegre (onde o sucessor de Nicola Occhipinti mudou o procedimento que vinha sendo elogiado) e o de Curitiba, cujo cônsul “nós já conhecemos” – observa Taddone sem meias palavras: “É uma pessoa que odeia transparência, odeia o escrutínio público… em geral eles [os cônsules] não gostam, e imagino se eles tivessem em cargos públicos na Itália o que a imprensa italiana faria… seriam triturados todos. Porque o serviço público precisa de transparência e, infelizmente, de forma geral, os cônsules não estão acostumados a ter transparência com o público”.

Fazendo exceção também ao cônsul do Recife, que “é muito transparente comigo e com o Comites” de uma área que é bem diferente do Sul e “não dá nem para fazer um comparativo”, Taddone volta a citar Curitiba, onde, segundo ele, “não há transparência nem com o Comites”. “Minha opinião sobre o cônsul é: ele odeia a transparência, odeia a comunicação, odeia o contato com a comunidade, sobretudo nesse ponto relativo ao reconhecimento da cidadania”.

“Os cônsules – ensina Taddone – têm que ter empatia com as pessoas que estão na fila. Porque essas pessoas estão esperando, têm projetos de vida. Ele mexe com a vida das pessoas. Então um adiamento desses, sem nenhuma comunicação clara, sem nenhuma perspectiva de resolução, não é uma coisa decente do pronto de vista administrativo e muito menos humano. Não consigo entender como alguém consegue colocar a cabeça no travesseiro e dormir, sabendo disso”.

Também sobre a questão do passaporte, Taddone aponta o dedo para o cônsul de Curitiba que demonstrou-se “absolutamente despreocupado e com zero intenção de mudar o que ele está fazendo”, mesmo diante de “uma vergonhosa fila de espera de um ano, isso quando alguém consegue o agendamento”. E se alguém está viajando e perde o passaporte, além da exigência do “atto di assenso”, há a remissão do interessado para o final da fila – “um escárnio”, segundo Taddone.

Mais: Enquanto outros cônsules demonstram interesse em saber sobre práticas que deram ou estão dando certo em outros consulados, o de Curitiba não demonstra nenhuma intenção de mudar, de melhorar absolutamente nada. “Ele vai continuar a fazer o que ele quer, porque ele não tem empatia, não tem a menor intenção de ser uma pessoa bem quista”.

Ao final da entrevista, e depois de analisar exigências que considera absurdas dos consulados, Taddone observa que a proposta de “vade mecum” que ele viu não toca em nenhum dos pontos polêmicos (tipo as declarações de nascimento feitas por terceiros, filhos de pais não casados), assim como o governo italiano sempre se furtou a resolver “esses contenciosos”, fazendo com que cada um entenda como bem quiser. O documento, se for aquele que foi visto, “deixa tudo ambíguo de novo, não explica o que é tolerável ou não, deixando a gosto do freguês que, neste caso, é o agente consular que está realizando aquela prática de cidadania”.