O deputado Fabio Porta (Foto Desiderio Peron / Arquivo Revista Insieme)

“Pela primeira vez na história das políticas em benefício dos italianos no exterior é estabelecido um princípio quase revolucionário”, pois “a partir de agora, graças a esta emenda e à lei orçamentária para 217, a grande comunidade italiana no exterior constitui na prática uma solução para a melhoria dos serviços consulares”.

A afirmação é do deputado Fabio Porta que, interrompendo suas curtas férias com a família nas Dolomitas, concedeu entrevista exclusiva à redação de Insieme depois que sua proposta de reversão de 30% dos recursos obtidos com a chamada “taxa da cidadania” acabou se transformando em lei, com a aprovação definitiva, primeiro da Câmara, e, depois (dia 07/2016), do Senado.

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“O Senado aprovou a Lei do Orçamento do jeito que saiu da Câmara – disse Porta – com o voto de confiança: os quatro milhões de euros (provenientes [da taxa] dos 300 euros) para acabar com as filas da cidadania são lei. A minha emenda hoje é lei do Estado italiano, obrigado por todos aqueles que assinaram a petição e ao sistema de representação dos italianos do mundo”, completou, ao comunicar a decisão assim que ela foi tomada, na manhã brasileira de quarta-feira.

Segundo acrescentou hoje Porta, “trata-se de um precedente importantíssimo, que estabelece que a importância obtida pelos consulados (não apenas decorrentes dos pedidos de cidadania, mas também dos passaportes, legalizações e outros serviços) podem ser transferidas, mesmo que parcialmente, aos cidadãos italianos no exterior em termos de serviços e estruturas mais eficientes”.

O deputado classifica ainda a decisão como uma “revolução coperniana” pois “passa-se do velho assistencialismo lamentável e típico de quem pretende tudo grátis, sem dar nada em troca, para uma verdadeira corresponsabilidade, onde a partir de uma contribuição são obtidos serviços adequados e dignos de um país civilizado”. Os italianos do Brasil – disse porta – devem estar orgulhosos e reivindicar em voz alta esse sucesso, hoje patrimônio de toda a Itália no mundo”.

Na entrevista, o deputado Fabio Porta rebate o que disse recentemente no Rio Grande do Sul o governador do Vêneto, Luca Zaia, para quem é uma “vergonha” tanto a fila da cidadania quanto a cobrança dos 300 euros por um direito que deveria ser reconhecido como agradecimento àquilo que fizeram os imigrantes italianos e seus descendentes.
Sobre as críticas contra o alto valor cobrado pelo reconhecimento da cidadania por direito de sangue (a decorrente de matrimônio, por exemplo, custa 200 euros), o parlamentar disse que sempre acreditou que uma contribuição de 100 euros já seria o “suficiente para garantir os recursos necessários à organização, junto aos consulados, de uma ‘task force’ em condições de eliminar as filas”. Assim, os 30% agora  transformados em lei “equivalem praticamente aos 100 euros, e acredito sejam suficientes”.

A imposição que reverte aos consulados de origem os 30% das taxas cobradas entra em vigor já no início do próximo ano e sua aplicação dependerá, conforme raciocina Porta, “da vontada e da determinação dos consulados e da capacidade de fiscalização e controle dos organismos democraticamente representativos de nossa comunidade”.

Quando perguntado sobre a possibilidade de se repetirem fatos de “desvios” de recursos, como aconteceu com a ‘task force’ instituída ao tempo de Prodi, Porta disse estar seguro que o embaixador [Antonio] Bernardini e todos os cônsules italianos no Brasil trabalharão da melhor maneira” e que “obviamente, será dever dos parlamentares, dos Comites – Comitati degli Italiani all’Estero e do CGIE  – Consiglio Generale degli Italiani all’Estero vigiar para que tudo aconteça segundo o que está previsto pela lei orçamentária”.

O problema das chamadas “filas da cidadania” é, seguramente e há muito tempo, o maior enfrentado pela comunidade ítalo-brasileira. Descendentes de imigrantes italianos que desejam ter reconhecida a sua cidadania italiana são constrangidos a aguardar por dez, quinze ou mais anos e, ultimamente, muitos se dirigem à Itália, onde, entre aluguel de endereço e demais despesas, investem pequenas fortunas e muito tempo para lograr seus objetivos. Para justificar a grande demora, a burocracia italiana sempre alegou dificuldades diversas, entre elas, a recorrente falta de recursos.

A seguir, publicamos na íntegra a entrevista concedida por Fabio Porta, “interrompendo horas de paz interior e exterior – conforme postou em sua página no Facebook – pois “não podes dar aos outros aquilo que não tens dentro de ti; na vida, em família, na política”:

A reversão de 30% dos recursos da taxa da cidadania aos consulados que os originaram agora é lei. Quando isso começará a ser colocado em prática?

“legge di bilancio” é a mais lei mais importante do Estado italiano: quis inserir meinha emenda exatamente dentro dessa norma que – como assegura o texto apresentado por mim – entrará em vigor a partir de 2017 e, portanto, dentro de poucas semanas.

Trinta por cento é menos de um terço do valor cobrado por um direito que deveria ser gratuito, dizem os críticos. Acha mesmo que isso poderá resolver o problema das filas, principalmente no Brasil?

Sempre acreditei que uma contribuição de 100 euros para cada requerimento de cidadania fosse suficiente para garantir recursos necessários à organização, junto aos consulados, de uma ‘task force’ em condições de eliminar os processos atrasados e, portanto, as longas filas. Os 30% previstos pela nova lei equivalem praticamente aos 100 euros e acredito que seja o suficiente. Não apenas isso: a emenda aprovada define também um valor total de quatro milhões de euros (hoje, cerca de 14 milhões de reais) para financiar esta operação, garantindo recursos seguros e não aleatórios.

O texto da lei fala genericamente na destinação dos recursos. Isso não poderá levar à repetição de episódios vividos com a ‘task force’, ou seja, desvios de finalidades, para não dizer de recursos?

Para evitar que, como aconteceu no passado, os recursos sejam destinados a outras finalidades, escrevi explicitamente assim no texto da emenda: “Os recursos são destinados ao reforço dos serviços consulares com prioridade para a contratação de pessoal local destinado ao processamento dos requerimentos acumulados de [reconhecimento] da cidadania”. Mais claro que isto seria impossível; isto quer dizer que estes quatro milhões de euros estão vinculados a tal finalidade, é o que estabelece a lei, à qual diplomatas e funcionários consulares estão subordinados. Não existem, nem deverão existir margens de interpretação, nem incertezas ou retardamentos.

Mesmo sendo lei, podem existir problemas: a derrota política de Renzi e a sabida ‘força oculta’ de setores da diplomacia poderão “interpretar” a aplicação desses recursos. Como evitar isso?

É verdade que este resultado deve-se tanto ao meu trabalho, apoiado pelo sistema de representação da comunidade italiana (Comites e CGIE) e pela força de uma petição popular que colhei mais de cinco mil assinaturas e foi entregue nas mãos do presidente do Conselho, Renzi, no Rio de Janeiro, em julho último. Hoje, porém, esta norma é uma lei do Estado italiano e nenhum novo governo poderá modificar seu conteúdo e finalidade. Estou certo que o embaixador Bernardini e todos os cônsules italianos no Brasil trabalharão da melhor maneira nesse sentido; obviamente que será dever dos parlamentares, dos Comites e do CGIE vigiar para que tudo ocorra segundo está previsto pela lei orçamentária.

 Quando esteve no Rio Grande do Sul, às vésperas do Referendum, o governador do Vêneto, Luca Zaia, disse que cobrar 300 euros por um direito é uma vergonha e que eles vão lutar para acabar com isso. Se a taxa for derrubada, “secam” também os 30% previstos pela sua proposta. Que diz disso?

Não acho uma “vergonha” pedir aos nossos concidadãos no exterior uma contribuição pelo pedido de cidadania; com esta emenda, aliás, a contribuição para as cidadanias por direito de sangue é, de fato, equiparado àquele para a cidadania por matrimônio. A Itália é o país mais generoso do mundo em termos de lei de cidadania, e não considero vergonhoso contribuir, com outra igual generosidade, para os custos do Estado italiano. Considerava e considero uma “vergonha”esperar dez ou mais anos para o reconhecimento de um direito. Quem vive no Brasil sabe muito bem que  por causa dessa demora e da “fila” muitos ítalo-brasileiros são frequentemente constrangidos a pagar dezenas de milhares de reais para advogados, agências – ou, pior – exploradores sem escrúpulos. Antes de procurar esta solução,  perguntei a milhares de pessoas em todo o Brasil e na América do Sul se estavam dispostos a pagar uma contribuição econômica em troca de melhores serviços consulares e da eliminação das longas demoras: não encontrei ninguém contra tal proposta. Aquilo que Zaia diz, é pura demagogia. Fui eleito em 2008 e desde então me empenhei na busca de uma solução desse problema; á única solução dependia de encontrar recursos para financiar a ‘task force’ e, consequentemente, de uma paralela força política capaz de transferir tais recursos para essa finalidade: encontrei a ambos. Outros, ao longo desses anos, produziram apenas recursos e polêmicas, dando eco a lamentações estéreis e sem solução. Fazer política quer dizer saber escutar e traduzir, na prática, as reivindicações de teus eleitores: é isto o que fiz.

Disse que a fila seria resolvida em questão de “meses”. Acha mesmo que as filas da cidadania, enfim, desaparecerão?

Não posso fazer previsões exatas sobre tempos; sim, é verdade, falei de meses e não de anos. Acredito que a partir de quando as ‘task force’ estiverem operacionais, o contencioso poderá ser eliminado em menos de um ano. Dependerá muito da vontade e da determinação dos consulados e da capacidade de fiscalização e controle dos órgãos democraticamente representativos de nossas comunidades. Quero apenas acrescentar uma consideração que acho muito importante: “Pela primeira vez na história das políticas em benefício dos italianos no exterior é estabelecido um princípio quase ‘revolucionário’.  A partir de agora, graças a esta emenda e à lei orçamentária para 217, a grande comunidade italiana no exterior constitui na prática uma solução para a melhoria dos serviços consulares.  Trata-se de um precedente importantíssimo, que estabelece que a importância obtida pelos consulados (não apenas decorrentes dos pedidos de cidadania, mas também dos passaportes, legalizações e outros serviços) podem ser transferidas, mesmo que parcialmente, aos cidadãos italianos no exterior em termos de serviços e estruturas mais eficientes. Uma ‘revolução coperniana’, pois  passa-se do velho assistencialismo lamentável e típico de quem pretende tudo grátis, sem dar nada em troca, para uma verdadeira corresponsabilidade, onde a partir de uma contribuição são obtidos serviços adequados e dignos de um país civilizado. Como acontece em todos os grandes países do mundo, dos Estados Unidos à Alemanha, da Áustria ao Reino Unido, onde é normal contribuir economicamente para certos serviços, mas onde a resposta do Estado acontece em tempos certos e em níveis altos de qualidade. Os italianos do Brasil – disse porta – devem estar orgulhosos e reivindicar em voz alta esse sucesso, hoje patrimônio de toda a Itália no mundo.