Proposta de uma nova página sobre o tema no Facebook (reprodução)

A ressuscitada ideia de restringir a transmissão da cidadania italiana à segunda e terceira gerações, levantada por um senador italiano do PD – Partido Democrático eleito na Suíça, não estava sendo levada muito a sério até que o ex-premier Matteo Renzi levantou a bandeira do retorno ao debate parlamentar, antes das eleições, da introdução do “ius soli” na legislação peninsular. “Está claro que o PD está decidido a mudar a legislação que interessa a todos nós, ítalo descendentes que vivemos no exterior”, disparou em vídeo o presidente do Maie – ‘Movimento Associativo Italiani all’Estero’, Ricardo Merlo.

Mas se o tema já assume a nítida coloração de debate pré eleitoral, também é verdade que está servindo para mobilizar muito mais que itálicos perfilados politicamente: a ainda não instalada Fnib – Fundação Nacional Ítalo Brasileira marcou para a próxima segunda-feira, às 12 horas, uma conferência multinacional virtual, com a participação de lideranças de diversos países, onde o tema será a organização de uma série de ações para demonstrar o “desaponto e a contrariedade das comunidades de ítalo descendentes ao redor do mundo com o rumo das coisas”.

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Segundo Diego Mezzogiorno, falando em nome da Fnib, deverão participar desse primeiro encontro virtual representantes do Canadá, dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Austrália e – até o momento confirmados – também da Argentina, além, naturalmente, do Brasil. A primeira ideia, segundo ele, é organizar uma caravana a ir para Roma, e entre outras ações, conseguir um encontro “tête-à tête” com o presidente Sergio Matarella.

Ideias mais radicais, como o boicote ao “Made in Italy” no mundo inteiro, estão no “caldeirão” de propostas para o caso em que se consubstancie algum tipo de restrição à transmissão da cidadania por direito de sangue.

Outra proposta que já circula na Internet é a de uma petição pública e envolvendo uma enorme relação de artistas com sobrenome italiano e o apelo para assinatura do documento. “Vamos levar adiante este pedido para que o governo italiano saiba que não é justo tirar um direito que é nosso, principalmente valendo-se de manobras calculadas friamente, e alcançar com nossa voz os candidatos contrários a esta intervenção oportunista e avessa à democracia” – diz, no final, o texto, redigido em português e italiano. A iniciativa foi de Vitor Visconti, de São Paulo, e antes da meia noite de hoje estava já com mais de 2.500 assinaturas.

Se a proposta do senador Micheloni não era levada muito a sério enquanto restasse apenas uma emenda perdida dentro da Lei Orçamentária, com o anúncio do retorno ao debate da introdução do “Ius Soli” dentro da legislação italiana que regula a transmissão da cidadania, as coisas mudaram e a reação nas redes sociais em todo o mundo foi instantânea. Há críticas e desaponto em todos os grupos que se ocupam dos temas cidadania, atividades consulares italianas e assemelhados.

Um ítalo norte americano denunciou, por exemplo, em post no Facebook, que o senador Micheloni (que anunciou a proposta) é notório divergente dos sul americanos e, consequentemente, de seus colegas de partido Fabio Porta e Fausto Longo em matéria de cidadania, pois acha que eles usam esse tema para se manter no poder.

E, mais, ressuscita a velha tese de que a América do Sul representa uma ameaça à Europa, que detém o maior número de cadeiras dentre as destinadas à Circunscrição Eleitoral do Exterior. Com efeito, só os milhares de enfileirados no Brasil poderiam desestabilizar, não apenas a hegemonia europeia como, também, aquela argentina “dentro de casa”, isto é, na ‘repartição’ da América do Sul, que detém apenas três cadeiras de deputado e duas de senador.

O ativismo nas redes sociais sobre o tema “cidadania italiana” nunca esteve tão vivo como agora e suscita também confrontos pessoais. Daniel Taddone, presidente do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ do Recife e coordenador do Maie para o Nordeste (ao que dizem, estaria em campanha para conquistar uma candidatura ao Parlamento nas próximas eleições), postou, “arrabiato” (enfurecido), um ataque frontal a diversos políticos, nominando-os: Claudio Micheloni, Gian Carlo Sangalli, Francesco Giacobbe e Renato Turano, todos parlamentares italianos do PD e Aldeo Di Biagio (centrista).

“Dos cinco proponentes do golpe contra os ítalo sul americanos, quatro são do Partido Democrático”, lembrou Taddone, para afirmar que “isso demonstra claramente de quem é a autoria dessa aberração. Notem que dos quatro parlamentares do PD, três foram eleitos fora da Itália para defender justamente aqueles que pretendem atacar”.

O quinto proponente – Aldo Di Biagio – conforme faz ver Taddone – “anda ‘namorando’ (politicamente, que fique claro) a nossa atual deputada Renata Bueno!”. E ele “quer acabar com o direito à cidadania de 95% dos descendentes residentes no Brasil”.

Esse ‘namoro’, explica ainda Taddone, “tem a intenção de formar uma lista para disputar as eleições do próximo ano e tentar reeleger Renata Bueno”. Mais: “essa aproximação de Renata Bueno com o senador Aldo Di Biagio é coerente com o que ela afirmou, certa vez: “Nós representamos os cidadãos ‘ius sanguinis’, mas já está na hora de discutir a colocação de um limite de gerações, certamente. E depois, a questão do ‘ius soli’, devemos encontrar uma condição de dar a cidadania aos estrangeiros que moram na Itália, com muitas condições e muitas regras”.

Taddone lembra um velho ditado (“Diz-me com quem andas que dir-te-ei quem és”) e posta uma foto em que ela aparece, sorridente, ao lado de “seu possível novo parceiro político Aldo Di Biagio”. Uma referência que alguém ligado à nova família de Bueno, na Itália, retrucou qualificando como “ofensiva e denegritória”, que mimetiza as campanhas políticas americanas aos procurar “desprezar os adversários”.

Antes disso, Taddone havia divulgado um comunicado à imprensa em que, juntamente com o presidente do partido, Ricardo Merlo, reafirmava seu “compromisso histórico com o direito à cidadania dos descendentes dos imigrantes” e exorcizava a proposta de reajuste da “taxa da cidadania” de 300 para 400 euros. “O Maie – diz a nota – sempre foi contrário à taxa inconstitucional de 300 euros da cidadania, e recebe com espanto a proposta do PD de aumentá-la para 400 euros”.

“Nem mesmo a esmola de 30% da taxa, que não resolve nada – diz Taddone – foi liberada pelo governo do PD e agora eles ainda querem arrecadar mais? Isso é um sinal claro de desprezo aos descendentes no Brasil, que em 2013 confiaram ingenuamente nas propostas do PD de Fabio Porta e foram enganados”.

“De nada adiante – escreveu ainda Taddone – Fabio Porta e Fausto Longo se declararem individualmente contra a modificação proposta pelo próprio partido, pois no fim das contas eles sempre votam exatamente como determinam os caciques em Roma. Foi exatamente assim que aconteceu na votação da reforma eleitoral, recentemente aprovada. Eles dizem que são contra um detalhe ou outro, fazem pose de contrariados, mas depois votam a favor de tudo”.