O cônsul da Itália em Porto Alegre, Nicola Occhipinti (foto Desiderio Peron / Arquivo Insieme)

Em pouco mais de dois dias (de 19/10, 16h48min até 21/10 20h28min), uma entrevista concedida pelo cônsul da Itália em Porto Alegre, Nicola Occhipinti, a dois jornalistas do jornal Zero Hora numa gravação direta pelo Facebook sobre questões ligadas à obtenção do reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue, obteve mais de 21.200 visualizações em 181 compartilhamentos e inúmeros comentários em diversos grupos de discussão específica sobre questões ligadas à comunidade ítalo-brasileira.

 Occhipinti conversou ao vivo com Erik Farina e Priscila de Martini, respondendo a perguntas dos repórteres e dos leitores e, entre diversos temas abordados, denunciou que número não conhecido de pessoas que foram à Itália “fazer a cidadania” estão “no limbo” e não receberão, por enquanto, seus passaportes, até que a polícia italiana investigue completamente possíveis casos de propina envolvendo funcionários italianos. Teve gente, segundo diz Occhipinti, que obteve o reconhecimento em dois dias.

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 O cônsul italiano traçou um panorama da situação das “filas da cidadania” em sua jurisdição que, segundo ele, se assemelha às de São Paulo e Curitiba, com espera em torno de dez anos e emitiu sua particular visão sobre o principal tema que, há quase duas décadas, movimenta a grande comunidade itálica do Brasil: o direito de sangue garantido pela legislação italiana mas que, na prática, vem sendo obstacularizada à grande maioria. “Até os anos 40, especialmente nos anos 40, quando o Brasil entrou em guerra contra a Alemanha e a Itália, ser “gringo” era fonte de vergonha. Até os anos 50… mas depois, essa fonte de vergonha, a partir dos anos 70, 80, 90, virou orgulho”, alimentado pelo belo legado dos imigrantes e também pela situação da própria Itália, como país, ensinou Occhipinti, para justificar a grande procura pelo reconhecimento da cidadania por direito de sangue.

Transcrevemos abaixo, na íntegra, o teor da entrevista do cônsul Occhipinti, que falou também das facilidades para a obtenção da cidadania “pelo lado materno”:

Como está a liberação de processos de reconhecimento da cidadania Italiana aqui no Rio Grande do Sul. Em que ritmo está ocorrendo?

O ritmo, nos últimos meses, melhorou. Temos muito pouco recursos humanos. Todo o consulado geral que fica na Rua José de Alencar tem apenas 16 funcionários, eu incluído. Estamos prestando serviços consulares para 70 mil gaúchos que já possuem a cidadania italiana e além disso temos uma demanda de mais de, mais ou menos, oito mil famílias de origem italiana que estão na fila de espera para o reconhecimento da cidadania italiana. Oito mil famílias significa cerca de 30 mil pessoas. Então, como temos essa grandes desproporção, desequilíbrio entre a demanda de cidadania e recursos humanos limitados no consulado, formou-se essa fila nos últimos quinze anos. Hoje em dia estamos reconhecendo a cidadania de famílias que fizeram a solicitação em 2006.

Está levando dez anos?

Dez anos. Em São Paulo estão reconhecendo a cidadania para gente que fez o pedido em 2005; em Curitiba estamos em situação mais ou menos igual. Estamos tentando acelerar como? Eu sigo uma filosofia. Isso depende da vontade dos funcionários e mais ou menos do chefe da estrutura, não? A lei é uma, de 1991/91. O que muda é como os funcionários interpretam essa lei. Tem duas maneiras de interpretar a lei: de maneira fechada e rígida e dessa maneira todas as pastas ficam paradas e voltam atrás e o reconhecimento da cidadania não é finalizado, porque se um diz, esta vírgula está fora, volta, refaz tudo e a segunda forma – que é a forma que eu prefiro – deve ter uma interpretação flexível, com a vontade de ajudar cada família a obter o seu reconhecimento da cidadania italiana. Porque eu acredito que os quase quatro milhões de gaúchos que têm origem italiana são um inestimável patrimônio humano e cultural para a Itália. Então a Itália tem esta tarefa, o dever moral de valorizar este patrimônio humano e de investir sobre este patrimônio humano. E para investir tem várias maneiras, digamos, tem três setores: o primeiro setor é o reconhecimento da cidadania; depois, a promoção cultural, com eventos culturais e da língua italiana; e o terceiro âmbito que é a promoção econômica, fortalecendo os laços entre empresas gaúchas e italianas. Como existem parcerias entre empresas públicas e privadas, secretarias, câmaras de comércio, etc.

Qual o tamanho da equipe que faz o trabalho de reconhecimento das cidadanias?

Pouco, porque temos cinco pessoas que se ocupam com ‘anágrafe’, estado civil, passaporte, notarial – que são os serviços para os 70 mil gaúchos que já possuem a cidadania. Dois estão no arquivo (o arquivo é fundamental). Uma está na secretaria. Uma na contabilidade, um trabalho enorme. Depois temos uma pessoa que faz cidadania “iure sanguinis”; uma outra pessoa que faz cidadania de casamento e os trentinos – os trentinos são uma categoria especial, pois vieram da região norte da Itália que foi anexada ao Reino da Itália em 1918. Então o migrante imigrou quando era súdito do Império Austro-Úngraro. Então fizeram uma lei especial para essas famílias que são descendentes de etnia e cultura italiana, com sobrenome e língua italiana, mas que quando migraram eram súditos de outro Estado, outro país. Depois temos duas funcionárias – uma coordenadora de toda a cidadania e dos vistos, declarações sobre títulos de estudo, um trabalho grande; e uma outra coordenadora do setor de “anágrafe”, estado civil… então fica uma só pessoa para fazer a cidadania. Eu gostaria de colocar mais. O problema é que… e temos ainda o Referendum agora. Tem os “temporários” ajudando agora, que é a única categoria de funcionário que posso “inserir” sem a necessidade de obter a autorização de Roma, do Ministério. Temos, então, cinco interinos que são fundamentais, mas que não aparecem no orgânico porque os “interinos” ficam três meses, são renovados, ganham pouco e se acham outro trabalho, vão embora.

Muita gente reclama que não pode falar com o consulado por telefone. Como funciona esse contato com o consulado?

Decidimos dessa forma: tem três maneiras de obter informações – site, e-mail e telefone. Temos abdicado da terceira forma. Ou seja, temos uma pessoa temporária contratada, que dá as boas vindas, recebe as pessoas que vão no consulado e, seguindo instruções, decide se atende ou não, pois a maioria que vai ao consulado o faz sem agendamento (os agendados entram, mas os sem agenda ela decide quem pode subir ou não, porque é inútil se estão perguntando coisas que já estão no site…). O problema é esse: se perdemos mais tempo ao telefone, vamos parar o trabalho. Porque telefone tem outro elemento negativo: se vc fica 10 minutos, 20 minutos explicando, a pessoa não compreende e, não compreendendo, faz as coisas erradas. Melhor é um e-mail, que tentamos responder no máximo em 24 horas – porque são muitos os e-mails também – onde fica escrito de forma clara o que a pessoa precisa fazer.

Então a recomendação é por e-mail?

É por e-mail. Ou também ter a paciência de ler no site que está constantemente atualizado. Se alguém quer saber sobre passaporte, vai no setor passaporte; cidadania por casamento, vai no setor específico… aí a pessoa já tem uma base e, restando dúvida, pergunta por e-mail e vamos esclarecer. As informações são nas duas línguas, italiano e português.

Essas 30 mil pessoas na fila… algumas vão ser chamadas ainda este ano?

Sim. Agora no final do ano, final de outubro início de novembro, vamos publicar 500 famílias, então pelo menos 2000 pessoas serão chamadas para apresentar a documentação. Uma vez que a documentação é entregue no Consulado, em um mês conseguimos reconhecer a cidadania. Quando a cidadania é reconhecida, não temos a possibilidade (tempo) de informar. Então depois de um mês a pessoa escreve um e-mail e respondemos confirmando. Mais ou menos um mês. Estamos organizados dessa maneira. Agora estamos no número 7770 e vamos chegar no número 8270, que são números que deram entrada em 2006 e espero chegar em 2017 a mil números mais. 9.200/9.500. Porque estamos seguindo um ritmo bastante bom.

Depois de outubro/novembro, qual a previsão do próximo chamamento?

Março. Acho… que em dois, três meses, conseguimos fazer esses dois mil cidadãos. Neste ano de 2016 vamos reconhecer cinco mil cidadanias, até o final do ano. Entra muito dinheiro para o estado italiano. Cada adulto paga 300 euros. Uma vez na vida, naturalmente, depois não paga mais nada. Mas 300 euros multiplicado por 5.000… é muito dinheiro. Que vai a Roma. Infelizmente não fica no Consulado. Porque se ficasse no consulado eu poderia assumir um exército de funcionários e…

No Brasil, recentemente, entrou em vigor a Convenção de Haia. Pode explicar na prática o que muda no processo de cidadania? E se isso pode acelerar a fila?

Sim, isto pode acelerar. Porque antes de 15 de agosto era da competência dos Consulados a tarefa de legalizar a documentação que, desde 15 de agosto, fica na competência jurídica do sistema cartorial e dos tabelionatos brasileiros. Portanto, menos trabalho para os Consulados que são poucos e pequenos e mais trabalho para os cartórios – mas os cartórios têm recursos humanos incomparavelmente maiores que os consulados. Então os Consulados não vão legalizar mais nada porque todos os documentos públicos brasileiros ficam, desde então, com esse carimbo especial que se chama “Apostila de Haia”, que é o nome da convenção multilateral que entrou no Brasil agora. Na Itália, ela já está em vigor há muito tempo. Os requerentes pagam uma soma para cada “apostila” que muda de cartório para cartório. Em cada Estado do Brasil os preços variam… mas não é tão caro!

A estimativa que temos é que no geral, haveria um custo adicional de mil/mil e cem reais para fazer toda a legalização…

O que mudou foi o termo: os Consulados faziam a legalização. Os cartórios não fazem a legalização; eles colocam o carimbo “Apostila de Haia” e com esse carimbo qualquer documento público brasileiro automaticamente é reconhecido como válido pelos outros 111 países que assinaram a convenção. Então, nenhum consulado na Itália, na França… precisa fazer nada. Recebem e enviam, sem tocar, o documento para a prefeitura italiana competente. Outra vantagem é que o sistema cartorial coloca a pasta digitalizada, então escaneada em pdf, num portal, numa plataforma virtual e o Consulado pode ler o código desta pasta. Lendo o código, o consulado pode utilizar esta pasta escaneada, então tem menos trabalho de escaneamento… porque escanear é uma tragédia… digitalizar folha por folha… então este trabalho é uma coisa fantástica: o consulado vai adicionar três ou quatro papéis, que podem ser juntados ao pdf que já está na plataforma virtual do cartório. Então o trabalho é menor para o consulado. E o que tem que ser enviado à prefeitura na Itália acontecerá mais rapidamente, então é um alívio de trabalho.

Então, só para esclarecer: quem já está na fila vai ter que fazer isso, e não apenas os que vão entrar com pedido agora. Né?

A “Apostila de Haia”? Sim. As próximas 500 famílias terão que apostilar os documentos que já têm em suas casas… ir a um cartório, apostilar, depois voltar ao Consulado. Temos uma funcionária excelente, que está fazendo um trabalho fantástico…

O senhor comentou ontem, quando combinávamos a entrevista, que talvez essa fila de 10 anos poderia cair para seis anos em 2018…

Sim, sim. Isso é razoavelmente previsível, porque… depende também: se os gaúchos se acordam e aos milhares fazem pedidos de cidadania, isso não vai acontecer. Isto é, depende também de quantas famílias gaúchas de origem italiana vão colocar-se na fila nos próximos dois anos e fazer pedido de cidadania. Porque se 2000 famílias se colocarem na fila nos próximos dois anos, é claro que nós não vamos conseguir. Então depende também disso. Acho que com o ritmo que temos nesse momento, no próximo ano poderemos reconhecer 6000 cidadanias, em 2018 outras seis mil, quem sabe sete, seriam 13 mil… Então em dois anos, no final de 2018… hoje em dia temos 77 mil gaúchos cadastrados… poderemos ter 90 mil gaúchos cadastrados. É uma cidade que está crescendo muito. De 77 mil a 90 mil. Imagina que este ano criamos uma cidade com cinco mil pessoas.

Tem uma pergunta aqui de um leitor que tem uma filha na Itália que está com todos os papéis e pergunta quanto tempo leva para fazer a cidadania… Acho que o senhor pode falar um pouquinho sobre essas pessoas que vão pra Italia reconhecer cidadania lá.

Então… depende da prefeitura italiana. Até o mês de junho não existiam contra indicações para fazer a cidadania italiana na Itália. Para fazer o reconhecimento da cidadania na Itália, a pré condição era fixar residência na prefeitura da Itália onde a cidadania seria reconhecida. A lei fala em residência por um tempo estável. Estável significa o que? Um mês, um ano, três semanas… então a lei é bastante flexível sobre o tempo que um oriundo precisa ficar residindo na Itália para obter o reconhecimento da cidadania italiana.

O que aconteceu no mês de julho/agosto? Aconteceu um fato inusitado. Porque essas prefeituras, algumas prefeituras, estão reconhecendo a cidadania italiana em tempos rapidíssimos… em dois dias! Então, a polícia italiana notou esse fluxo extraordinário de brasileiros com origem italiana que chegam à Itália, residentes na Itália por duas semanas, um mês, e em três semanas iam embora com a cidadania italiana reconhecida de maneira regular… pela prefeitura de Schio, Brucciano… prefeituras pequenas. A Itália tem 8200 prefeituras. Qual o fato relevante. O fato relevante é que a polícia sequestrou muitas pastas. Por exemplo, num ‘comune’, sequestrou todas as pastas de brasileiros que estavam no processo de reconhecimento da cidadania italiana de 2014 a 2016. Portanto, muitas pastas. Não só do Rio Grade do Sul, mas também de outros Estados: São Paulo, Curitiba… só de brasileiros.

Então esta é uma fonte de problemas, porque estes cidadãos italianos voltam a Porto Alegre, vão ao consulado, agendam para pedir o passaporte e o consulado é obrigado a pedir a permissão à polícia na Itália porque a cidadania não foi reconhecida em Porto Alegre; foi reconhecida na Itália. Então são “filhos” da prefeitura que reconheceu a cidadania. Então é obrigatório por lei que se peça uma delegação. E a “questura” (polícia) antes de junho sempre dava resposta sempre positiva: Sim, sim, sim. De repente, “alt!”, parem! Por quê? Essas pastas foram sequestradas em função desse fluxo extraordinário… então, um funcionário de uma prefeitura foi demitido… isso aconteceu no sul da Itália, no centro da Itália e no norte da Itália, em vários lugares. Então, é meu dever informar a todos os descendentes de italianos que querem fazer a cidadania mais rapidamente na Itália, que isso tem um risco. Não é que as pastas sejam falsas. Achamos que as pastas são regulares. Ou seja, a árvore genealógica, os vários laços de sangue, entre o trisavô, bisavô, avô, pai e filho ou mãe e filha… a documentação acho que está correta.

O que foi incorreto está nesses tempos muito rápidos, com os quais esses funcionários que… geralmente funcionários públicos são famosos por trabalhar com calma, tomar um cafezinho, depois um bate papo com um colega, uma fofoca com outro colega, entende? Não é que sejam campeões de eficiência, especialmente funcionários italianos e brasileiros, nós sabemos, somos de origem latina… então, singularmente, em algumas prefeituras, se transformam em campeões dos 200 metros no reconhecimento de cidadanias. Então… esta é uma fofoca sobre a qual já estamos falando há bastante tempo, sabemos perfeitamente que tem alguns despachantes que têm algum amigo na prefeitura que faz a cidadania muito rapidamente porque o gaúcho, o paulista, o paranaense que está na Itália está com pressa de voltar a estudar e trabalhar no Brasil. Quer fazer o processo rapidamente. Então é claro, tem suspeitos que em função disso recebeu dinheiro….

Então o senhor sugere que o pretendente não vá fazer o reconhecimento de sua cidadania na Itália? Ou que vá, mas tome algumas medidas, alguma cautela?

Nós sabemos que os clientes desses despachantes que voltaram a Porto Alegre contaram quanto pagaram. Pagaram muito dinheiro. Falam de dez, onze e até quinze mil reais por pessoa. Só para ficar duas semanas num apartamento pequeno, compartilhado por outros casais… os custos são muito elevados. Então, os custos são elevados porque tem mais de uma pessoa que recebe esse dinheiro. Claro, eles não sabem. Eles ainda vão na polícia, porque tem um procedimento a ser feito na polícia. Esses oriundos vão de boa fé. Fazem o processo em total boa fé. Eles não sabem que, depois, tem um funcionário da prefeitura que seguramente recebe uma pequena propina para fazer o trabalho. Então a irregularidade não é substancial; é uma irregularidade formal. A polícia neste momento sequestrou porque estão investigando o motivo dessa grande velocidade.

E o que significa esse sequestro? A pessoa não sai com a cidadania?…

Eu acho que a cidadania, ao final, será reconhecida. Para rejeitar a cidadania teria que existir uma documentação inválida, com gravíssimos erros, o que eu não acredito. Então eu acho que ao final estas cidadanias serão reconhecidas. O problema é que, neste momento, esta situação… estão no limbo, ou seja, uma situação de incerteza jurídica, diante da qual estamos pedindo às pessoas que solicitaram o passaporte que sejam pacientes, porque precisamos da permissão, da confirmação da polícia, para a emissão desse passaporte. Porque eu acredito que esses cidadãos já são cidadãos italianos. Este é o problema.

É difícil escolher se ficar no Brasil ou ir para a Itália (para obter o reconhecimento da cidadania). Eu queria dizer só uma coisa que é muito importante: existe um fenômeno histórico. Demos uma olhada nos últimos cem anos, a partir o que aconteceu há 140 anos. Os imigrantes chegaram. Primeira geração. Regime de sobrevivência. Epopeia. Pioneiros. Segunda, terceira geração, fizeram a grandeza do Rio Grande do Sul. Desenvolveram, fundaram cidades. Multidão de cidades. Construíram, desenvolveram empresas. Então esses descendentes de italianos foram determinantes para o desenvolvimento sócio econômico do Rio Grande do Sul, admirado pelo resto do Brasil.

Até os anos 40, especialmente nos anos 40, quando o Brasil entrou em guerra contra a Alemanha e a Itália, ser “gringo” era fonte de vergonha. Até os anos 50… mas depois, essa fonte de vergonha, a partir dos anos 70, 80, 90, virou orgulho. Por dois motivos. Primeiro, porque os bisnetos ou netos dos italianos que chegaram aqui viram o que fizeram eles mesmos – que são formados todos em universidades, perfeitamente integrados no tecido coletivo do Estado – então são orgulhosos do que fizeram, suas empresas, e também porque a Itália, hoje em dia, é um lider, por exemplo, no design, é um lider em certo estilo de vida, em várias áreas, tem várias excelências tecnológicas. Então não são os defeitos da Itália, que são semelhantes aos defeitos que tem o Brasil – mas é… então, todos esses motivos de orgulho, pelos antepassados e pelo que representa a Itália hoje, fizeram com que os laços, que antes eram de vergonha hoje são laços de sangue estão se tornando veículo de aproximação cultural, econômica e também jurídica com a cidadania, entre o Rio Grande do Sul e a Itália. Este é o fenômeno que quero acentuar.

Como italiano acho este um fenômeno maravilhoso. Porque a Itália precisa investir nos cidadãos italianos que vão estudar nas universidades italianas e também europeias, francesas, espanholas e ingleses, que um dia poderão ser profissionais qualificados, engenheiros, médicos que poderão trabalhar na Itália e aumentar, acrescentar o peso específico intelectual da Itália.

Pergunta de leitor: Escritórios de advocacia que agilizam o processo de reconhecimento da cidadania aqui… Procede?

Sim, agilizam porque, claramente, é como qualquer serviço… uma pessoa que não tem tempo de fazer a pesquisa… por exemplo, pagar as taxas e impostos. Na Itália é complicadíssimo. Muitos tem um contador que faz o trabalho para ela. Mesma coisa para pesquisar sobre seus antepassados, para procurar a certidão de nascimento do bisavô que nasceu na Itália e migrou para o Brasil. Os escritórios de advocacia ajudam e fornecem este serviço. Na maioria são honestos e trabalham bem.

Existem também no Brasil casos de escritórios que tentam sem muita honestidade fazer o processo acelerar?

Isto, naturalmente, é sempre possível. Lembro de um Duso, um tal Duso, que muita gente hoje em dia em Caxias – um senhor que nunca conheci, porque foi há muito tempo atrás – mas hoje em dia muita gente se queixa dele porque cobrou muito dinheiro e desapareceu. Muita gente que ficou sem nada… Digo seu nome porque ele merece. Duso, lembrem. Nunca o conheci. Mas ouvi coisas péssimas sobre este cara. Não se sabe onde vive e se vive. Está desaparecido.

Mas então esses escritórios agilizam a parte anterior… a pesquisa…

Exatamente. Outrossim, temos muito boas relações com muitos desses escritórios. Porque como eles sabem como precisa ser apresentada a pasta… claramente, se uma família trabalha sozinha, não sabe como apresentar uma pasta, é desordenada… e como eles, na maioria, sabem, quando a pasta chega no consulado o trabalho do funcionário é menor. É agilizado, mais rápido.

Pergunta de leitor: dúvida sobre a cidadania pela linha materna. É só através da justiça?

Sim. Até agora só através da Justiça. Tem uma jurisprudência que começou em 2009, com uma sentença da Suprema corte italiana. Esta sentença reconheceu que a discriminação das mulheres que era vigente com a lei número 555 de 1912. Até aquela época só os homens podiam transmitir a cidadania. A Constituição italiana que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1948 eliminou qualquer discriminação entre homem e mulher. A partir de 1948, 1º de janeiro, homens e mulheres ficaram iguais, então as mulheres também transmitem a cidadania. Mas esta sentença de 2009, pela primeira vez reconheceu o valor retroativo da constituição, da carta fundamental da Itália. Por qual razão discriminar mulheres que tiveram filhos antes de 1948? – esta foi a pergunta do juiz. Então foi decidido que também os filhos e filhas de mulheres nascidos antes de 1949 podem obter a cidadania italiana. O problema é que ainda não se pode fazer por via administrativa. Então num consulado ou, na Itália, numa prefeitura italiana, mas se faz através da justiça. É preciso escolher um advogado… é muito rápido, rapidíssimo. Em seis meses a sentença é feita. Um advogado na Itália… o custo não é muito alto, porque é uma coisa automática, então o custo é bem baixo, porque o advogado usa a mesma fórmula, o mesmo pedido judicial, só troca os nomes dos requerentes, as datas… e em seis meses um tribunal italiano confirma a cidadania. Então, a pessoa nem precisa de residência na Itália, não precisa. Pode ficar em Porto Alegre. Perdão, pode ficar no Rio Grande do Sul.

Então precisa entrar na fila?

Não precisa entrar na fila. É quase melhor. Precisa escolher um advogado na Itália que já tem experiência nisso; o advogado em 20 minutos prepara o pedido, se coloca na fila do tribunal da Itália, e como já existe uma jurisprudência consolidada, também o tribunal é rápido porque é uma coisa quase automática. O problema é que ainda… seria lindo se… o problema é que se isto é feito no consulado é pior, porque no consulado vai ter que ficar na fila, então é quase melhor fazer em juízo na Itália.

E como as pessoas contratam esses advogados na Itália?

Podem fazer uma pesquisa on line. Podem perguntar aos assessores no Rio Grande do Sul que têm contato com advogados na Itália e é muito importante perguntar a amigos no Facebook – na Cidadania Italiana Ária Livre, que tem 55 mil seguidores – aí qualquer descendente pode fazer qualquer tipo de pergunta, o perigo é que podem dar respostas erradas – consultar a informação existente on line. Alguém pode perguntar o currículo do advogado.

Fazendo assim, a pessoa já sai com a cidadania?

Sai com a cidadania e depois em Porto Alegre o Consulado recebe a sentença e envia um módulo, cujo nome técnico é “Cons 01” com o qual a prefeitura coloca os cidadãos no cadastro dos italianos que moram no exterior. Cada prefeitura tem dois cadastros: os moradores no município, e os moradores no exterior. Então o Consulado envia este módulo e depois que a prefeitura recebeu este módulo, coloca a pessoa no Aire – que significa “Anagrafe italiani residenti all’estero”. Isto feito, o cidadão fica cadastrado também no Consulado e o cidadão pode receber o passaporte.

E todo esse processo dura quanto tempo?

Acho uns seis, sete meses. Menos de um ano.

Leitora: quero saber se eu tiver cidadania italiana eu a passo para os meus filhos, ou tenho que entrar na fila?

Os filhos não precisam entrar na fila. Porque qualquer filho de italiano… porque filho que tem um pai – ou pai ou mãe – cadastrado, mesmo que falecido, pode entrar e fazer a cidadania italiana como filho direto, porque não precisa reconstruir a falta de gerações. Então também se o pai ou a mãe, cadastrado no Consulado de Porto Alegre ou em outros Consulados, e falecido, esse filho pode enviar um e-mail… precisa só apresentar a sua certidão de nascimento de inteiro teor apostilada. E traduzida, com tradução juramentada e apostilada. Sai num mês.