Daniel Taddone é sociólogo e presidente do Comites do Recife. (Foto Desiderio Peron / Revista Insieme)

Um “candidato horizontal” que está “ao lado das pessoas e não acima delas”, sem “apoios institucionais e nem de grandes personalidades”, um “ ítalo-brasileiro que ama a Itália” e que tem “satisfação de trocar conhecimento com outros descendentes”. Assim se auto-define o sociólogo Daniel Taddone, candidato à Câmara dos Deputados nesta eleição pela renovação do Parlamento Italiano, através da lista cívica Unital – ‘Unione Tricolore America Latina’.

Em entrevista exclusiva a Insieme, o organizador do protesto de 12 de agosto último diante do Consulado de São Paulo diz ser importante que os eleitores saibam que os “figurões” que apoiam alguns de seus concorrentes “não esperam em filas e nem sabem o que é sofrer para agendar a emissão de um passaporte”. “Não sou um político profissional – aduz o candidato – e não recebo financiamento de ninguém, nem da Fiesp, nem do CIEE e nem de partidos políticos brasileiros ou italianos”.

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Segundo Taddone, pela legislação italiana, um consulado, na pior das hipóteses, tem prazo de 30 dias para entregar um passaporte. “Obrigar os cidadãos a tentar por meses obter um agendamento num sistema informático malfeito é algo inaceitável”, dispara o candidato que é bem conhecido nas redes sociais pelo seu histórico trabalho de informação e orientação que fornece gratuitamente.

Na entrevista, Taddone fala um pouco de tudo. Das filas da cidadania à fila dos passaportes, passando pela questão cultural e ensino da língua italiana e muito mais. “Não quero ser eleito para ser amigo das autoridades e nem para participar de eventos e reuniões inúteis”, diz ele, “muito menos para aproveitar a ‘dolce vita romana’. Um deputado é representante do povo e deve sempre abordar os assuntos inconvenientes que interessam aos seus representados.

As eleições italianas serão dia 4 de março, mas no exterior, onde o voto é por correspondência, elas começam bem antes, já na primeira quinzena de fevereiro. Os votos, para serem computados, precisam chegar aos consulados antes das 16 horas do dia primeiro de março. Veja abaixo a íntegra da entrevista de Taddone:

Quem é Daniel Taddone?

Daniel Taddone é sobretudo um ítalo-brasileiro que ama a Itália, sua cultura, sua língua e que sente uma enorme satisfação de trocar conhecimento com outros descendentes sobre os mais diversos assuntos, como a cidadania e genealogia. Despertar o amor pela Itália em outros ítalo-brasileiros é algo que faço há muito mais de vinte anos. Para mim é uma missão de vida.

Que o motiva a candidatar-se ao Parlamento Italiano?

O que mais me motiva é saber que como deputado eu poderei fazer muito mais do que já faço. Eu terei uma plataforma com uma abrangência muito superior para poder ajudar e conscientizar a comunidade. Além disso, como parlamentar poderei defender os cidadãos das arbitrariedades existentes na prestação dos serviços consulares.

Por qual razão escolheu Unital?

Nossa lista nasceu de um esforço conjunto de pessoas de cinco países sul-americanos que pretendem fazer a diferença. Estar numa lista cívica independente me permite ter autonomia e não ser um simples subordinado como ocorre com parlamentares eleitos por grandes partidos políticos italianos. Prestarei contas para os cidadãos e não para caciques partidários.

Com que argumentos está pedindo a confiança dos eleitores?

Eu peço a confiança dos eleitores demonstrando minha história de vida e meu histórico de dedicação gratuita a cidadãos ítalo-brasileiros como eu. Não sou um político profissional e não recebo financiamento de ninguém, nem da FIESP, nem do CIEE e nem de partidos políticos brasileiros ou italianos. Não tenho parentes políticos. Sou livre para defender a bandeira do respeito às leis e da aproximação da Itália aos descendentes espalhados pelo Brasil e América do Sul.

Qual sua visão sobre a comunidade italo brasileira em seus diversos aspectos  (social, cultural, econômico, etc)?

Nossa comunidade tem um grande potencial, mas somos fragmentados, dispersos e conhecemos pouco essa força. Nossa perfeita integração na sociedade brasileira, da qual fazemos parte indissociável, é um grande orgulho. Todavia, não devemos ter vergonha de nos orgulhar da nossa história familiar. Somos descendentes de grandes homens e mulheres e sobre os ombros desses gigantes, para usar uma alegoria medieval, devemos olhar para o futuro sem esquecer o passado. A ideia da criação da Fundação Nacional Ítalo-Brasileira, sem o uso de recursos públicos, é um ótimo passo nesse sentido.

Quais são nossos principais problemas a seu ver?

No que tange aos serviços consulares, o principal problema é a apatia e descaso. Conversando com os cidadãos essa é a principal reclamação. As pessoas entendem que algumas dificuldades existem, mas não se conformam com a forma como são tratadas. Já trabalhei em dois consulados e sei que temos ótimos funcionários consulares, mas infelizmente também temos aqueles que agem com desdém, desprezando os sacrifícios que os cidadãos fazem para solicitar determinado serviço consular, como agendamentos que demoram meses ou até anos, distâncias percorridas etc.

Quais suas propostas de trabalho e compromissos?

Meu principal compromisso é continuar a estar perto das pessoas, disponível para defender seus direitos sempre quando houver descumprimento da lei. Não quero ser eleito para ser amigo das autoridades e nem para participar de eventos e reuniões inúteis. Muito menos para aproveitar a dolce vita romana. Um deputado é representante do povo e deve sempre abordar os assuntos inconvenientes que interessam aos seus representados. Nossos atuais representantes adotam um tom conciliador que até hoje não trouxe resultados. As propostas de atuação são muitas, embora eu saiba das limitações que o cargo impõe. Já vi candidato a deputado falar até em “plano de governo”. É um delírio, pois deputados – como é óbvio – não governam. Tenho propostas bastante viáveis e estão detalhadas no meu site www.taddone.it/propostas.

Que pensa especificamente sobre as chamadas “filas da cidadania”. Não é uma ofensa repetida a todo ítalo descendente que por diversas razões, inclusive de identidade, sonha a Itália? Como pretende resolver isso?

As filas são a indecência primordial, a face mais evidente do descaso. Não conseguiria imaginar minha revolta se eu tivesse tido de aguardar nessa fila como milhares de outro ítalo-brasileiros devem fazer desde o fim da década de 1990. A solução não é tão difícil quanto parece, mas não depende apenas de um deputado, obviamente. Bastaria que a Itália aumentasse um percentual irrisório do seu gasto com os consulados. A questão é que isso nunca foi uma prioridade e o cidadão italiano ainda não reconhecido formalmente muitas vezes acredita que a cidadania é uma concessão benevolente, um presente, quando na verdade tem de ser conscientizado para que saiba que ela é um direito que lhe é dado pelo simples nascimento.

E sobre a “taxa da cidadania”, cobrada por um direito de sangue, que pensa?

Eu me sinto muito desconfortável com a cobrança dessa taxa, que reputo totalmente exagerada. E para piorar, depois de mais de três anos de arrecadação, o governo do Partido Democrático não reverteu ainda nem um centavo da taxa para o destino que justificou sua criação. Foram mais de 16 milhões de euros (cerca de 60 milhões de reais) arrecadados sem que nada fosse direcionado ao melhoramento dos serviços. Espera-se que agora, bem no meio do período eleitoral, enviem uma mínima parte. Ainda esperamos.

Para quem já é cidadão italiano reconhecido, agora a Itália oferece a “simpatia” das filas para o passaporte. Que diz disso?

A lei que regulamenta a emissão dos passaportes (Lei 1185/1967) determina em seu artigo 8 que o documento seja entregue ao cidadão após 15 dias do pedido, prazo que pode ser prorrogado por mais 15 dias em casos especiais. Portanto, fica evidente que os consulados descumprem de forma clara uma norma legal. Um cidadão não deveria ter de esperar mais do que 30 dias para obter um passaporte. Obrigar os cidadãos a tentar por meses obter um agendamento num sistema informático malfeito é algo inaceitável. É desolador receber mensagens de cidadãos desesperados que foram “escravizados” porque devem todos os dias tentar acertar a loteria do ‘Prenota OnLine’. Muitos se cansam e precisam recorrer a intermediários, os cambistas de vagas, que curiosamente conseguem o tão desejado agendamento.

Entende que um parlamentar poderia influir positivamente inclusive na nomeação de cônsules e embaixadores mais sensíveis a nossos problemas?

Não creio que um parlamentar possa influir nas escolhas do Ministério, todavia não deveríamos nos preocupar com isso, pois cônsules e embaixadores devem simplesmente cumprir e fazer cumprir as leis. Quando um funcionário consular faz exigências não previstas em lei, cabe ao cônsul determinar a mudança de procedimento.

Números atestam que a alegada deficiência da estrutura consular na América Latina não decorre da falta de dinheiro. Os consulados se autofianciavam já antes da taxa e sobra dinheiro. Onde está a falha?

A alegação de falta de dinheiro é inaceitável e como cidadãos não merecemos ser tratados com esse cinismo.  O dinheiro gerado pelos consulados deve permanecer aqui e não ir ao Tesouro em Roma e servir de caixa para o governo de turno. A Itália gasta muito pouco com sua rede consular se a comparamos com a França ou Alemanha. Os consulados geram receita mais do que suficiente para ter um ótimo funcionamento. O problema é que os sucessivos governos italianos, de esquerda e de direita, veem nossos consulados como fontes de arrecadação e, talvez pela distância dos problemas, fazem ouvidos moucos às nossas reivindicações.

Afirma-se que na área cultural e da difusão da língua italiana também andamos de ré nos últimos anos.  Concorda com isso?

Sem dúvida. É muito triste constatar que o potencial que temos é tão claramente desperdiçado. Na minha opinião existe um grave erro de rota no ensino da língua italiana no Brasil. Parece-me que quem elabora os poucos projetos existentes não tem um bom entendimento da comunidade italiana local. É algo aparentemente muito promissor financiar o ensino da língua italiana em escolas públicas para crianças, todavia a efetividade é muito baixa. Como se sabe, a escola pública mal consegue cumprir seu papel fundamental, o que dirá do ensino do italiano. O foco deveria ser os jovens ítalo-brasileiros com projetos que premiem aqueles mais merecedores. Isso sem falar nas praticamente inexistentes bolsas de estudo aos italianos no exterior. A Itália vira suas costas aos jovens ítalo-descendentes sedentos por ter a oportunidade de estudar na Itália. Eu vivi isso em primeira pessoa e em vez de incentivo, só encontrei obstáculos no caminho. Não deveria ser assim.

Outras considerações que queira fazer

Nestas eleições os cidadãos são chamados a escolher os seus representantes e eu me apresento como um candidato horizontal, como gosto de definir. Estou ao lado das pessoas e não acima delas. Não tenho apoios institucionais e nem de grandes personalidades. As pessoas que me ajudam e apoiam são gente comum. Alguns adversários têm especial gosto em demonstrar que são apoiados por membros importantes da comunidade ou por “figurões” como governadores, prefeitos, deputados, empresários e celebridades. É importante que os eleitores saibam que esses “figurões” não esperam em filas e nem sabem o que é sofrer para agendar a emissão de um passaporte. Esses apoios não são gratuitos e sempre exigem uma contrapartida. Espero que os cidadãos comuns reconheçam quem realmente pretende representá-los e, portanto, peço seu voto para deputado.