21 de fevereiro: A tola polêmica sobre o pioneirismo da imigração italiana no Brasil

Ano após ano, desde que o dia 21 de fevereiro foi oficializado como “Dia Nacional do Imigrante Italiano” pela Lei 11.687 de 2 de junho de 2008 por iniciativa do falecido senador Gerson Camata, temos de enfrentar a polêmica sobre que Estado brasileiro pode reclamar o pioneirismo da chegada dos primeiros imigrantes italianos no Brasil.

Os partidários do pioneirismo catarinense afirmam que a imigração italiana para o Brasil começou lá no longínquo ano de 1836, quando uma quantidade incerta de colonos (as fontes divergem, ora 186, ora 132…) chegaram à então província de Santa Catarina provenientes do Reino da Sardenha, país que à época era formado não apenas pela ilha da Sardenha, mas também pelas atuais regiões italianas da Ligúria, do Piemonte e do Vale de Aosta, bem como territórios que desde fins do século XIX fazem parte da França e da Suíça.

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Esses imigrantes eram em grande parte lígures (“genoveses”) e formam uma pequena colônia que hoje é parte do município de São João Batista. Todavia, aquela transferência de imigrantes não se repetiu. Durante 38 longos anos não houve outras chegadas numericamente relevante de italianos.

Fazendo uma retrospectiva, a presença italiana no Brasil remonta ao século XVI, quando navegadores, exploradores, aventureiros, soldados mercenários e missionários católicos chegaram ao quadrante nordeste do subcontinente sul-americano, quase sempre depois de terem completado um período de suas vidas na metrópole colonial, ou seja, em Portugal.  

No entanto, essa presença permaneceu numericamente insignificante por quase quatro séculos. Em 1872, os italianos registrados no primeiro censo brasileiro eram pouco mais de seis mil pessoas, o que representava apenas 2% dos estrangeiros residentes no território nacional ou míseros 0,06% de todos os habitantes do Brasil à época, que eram pouco menos de 10 milhões de pessoas, entre pessoas livres e escravizadas.

Portanto, até 1872 (apenas dois anos antes da chegada do La Sofia), a presença italiana no Brasil era numericamente irrisória.

Portanto, o evento que marca o início da imigração italiana em grandes números para o Brasil é a chegada do navio “La Sofia” em 17 de fevereiro de 1874 ao porto de Santa Cruz na província do Espírito Santo. Com a criação, em 1876, da Inspetoria Geral de Terras e Colonização, o governo imperial definiu uma política nacional de imigração e, a partir de então, o número de imigrantes aumentaria consistentemente.

Nem os “italianos” do núcleo de São João Batista (Santa Catarina) e nem a grande maioria dos “italianos” do navio La Sofia eram titulares da cidadania italiana “de facto”.

Só que os primeiros representaram um experimento que não vingou, que morreu na década de 1830. Diferentemente, as colônias alemãs no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em São Paulo (Santo Amaro e depois Rio Claro, Campinas e arredores) mantiveram ritmo constante de novas chegadas a partir de 1824.

Foi a Expedição Tabacchi a inaugurar efetivamente a imigração italiana em massa ao Brasil. E esse é um marco irrefutável e importante. Não é um desmerecimento à experiência ocorrida na então província de Santa Catarina, que merece estudos e comemorações. Só que essa experiência foi pontual e não o início de uma onda emigratória.

É algo semelhante, e peço permissão para fazer uma analogia ousada, à chegada pontual e efêmera dos Vikings na costa leste do atual Canadá por volta do ano 1000 (Vinlândia) e a chegada de Cristóvão Colombo em 1492 ao continente que depois viria a ser denominado América. A chegada das naus espanholas Santa María, Pinta e Niña inaugura efetivamente um Novo Mundo, enquanto que a experiência da Vinlândia foi um evento que não inaugurou nada.

Querer não reconhecer o pioneirismo da Expedição Tabacchi exclusivamente à luz da nacionalidade “formal” dos imigrantes à época, é algo que carece completamente de sentido. Os tiroleses de língua italiana viriam a formar parte integral da sociedade italiana cinco décadas depois e não há ninguém hoje na província de Trento, salvo as exceções de sempre, que não se considere italiano.

Sempre vale lembrar que o primeiro Chefe de Governo (primeiro-ministro) da Itália republicana foi Alcide De Gasperi, natural de Pieve Tesino (Trento) e cidadão austríaco por 39 anos, mas italianíssimo de cultura e alma.

Ambos eventos foram pioneiros a seu modo. A Colônia Nova Itália em São João Batista marca a primeira experiência imigratória italiana no Brasil. Todavia, a Expedição Tabacchi marca o início de uma onda imigratória que viria a trazer ao Brasil mais de um milhão de italianos entre 1874 e 1902.

Comemoremos, portanto, sem medo e sem bairrismo o 21 de fevereiro como o “Dia Nacional do Imigrante Italiano”. Não há motivos para bairrismos infrutíferos e ressentimentos. A herança italiana é patrimônio de todos nós. Celebremos!