Minha carta-renúncia endereçada ao Presidente do Comites PR/SC, Sr. Walter Antonio Petruzziello, com cópia aos demais Conselheiros e ao Consulado Geral da Itália em Curitiba

Prezado Sr. Presidente, Prezados Conselheiros, “Sou cidadão Italiano. Sou cidadão brasileiro.”  Fui eleito pela comunidade italiana do Paraná e Santa Catarina, ao lado dos demais, para representá-la junto às autoridades italianas, o que aqui no Brasil resume-se, na prática, ao Consulado da jurisdição.

Nestes anos todos como Conselheiro, nunca fui convidado para conversar, debater ou intervir em algum momento a respeito de interesses, projetos, expectativas que refletissem positivamente para aqueles que represento. Fui apenas um número útil no faz de conta da representação. No discurso sempre escutamos que o Consulado está de portas abertas, mas, na realidade o que vemos é até dificuldade para entrar em suas dependências físicas, mesmo quando se está com o passaporte agendado (e isso também com muita dificuldade).

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Trago comigo não só os votos dos que me elegeram. Trago uma vida dedicada à cultura, à preservação da história e da memória dos que com muito orgulho e alegria declaram-se Italianos fora da Itália. Todos sabem que tenho acompanhado meu pai que, há bem mais de 25 anos, dedica-se quase que exclusivamente a difundir, divulgar, orientar e informar sobre os assuntos atinentes à nossa comunidade e à Itália, sempre de forma democrática e bilingue, contribuindo assim, com constância, na difusão da língua italiana entre nós.

Considero importante ressaltar que essa minha convivência e colaboração com ele em nada afeta ou afetou meus posicionamentos como Conselheiro ou como membro da comunidade italiana. Se tem algo que meu pai sempre respeitou foi a minha liberdade de atuação. Nunca misturamos as coisas, e também, de minha parte, nunca me vali desse grande e já tradicional meio de comunicação que é Insieme para meus interesses pessoais ou ideológicos.

Ao contrário, em diversas vezes até tenho me afastado ou me abstive de comentar assuntos com a Insieme no intuito de não haver interferências em nenhum dos lados.
Mas o fato é que não vejo o Comites com os mesmos olhos que vi ao tomar posse como Conselheiro.

O que era para ser uma Instituição respeitada e atuante, para mim descortinou-se em muitas ocasiões como um mero “departamento” do consulado. A expectativa de que pudesse ser diferente gerou-me uma enorme frustração vendo que passam os anos e o sistema acaba sendo mais forte que os ideais.

Nas sucessivas reuniões, eu percebia alguns colegas mais preocupados em agradar o Cônsul, o consulado e os funcionários do consulado, do que se preocupar efetivamente com os problemas da comunidade. E isso se acentuou com a vinda do “novo” Cônsul que, não bastassem outros atos sujeitos a críticas de outras áreas, pretendeu “orientar” o nosso Presidente, num primeiro tempo pessoalmente, depois através de e-mail tornado público, em que exigiu que o nosso debate deve ser unicamente sobre “novas ideias”, sufocando críticas já apresentadas e conhecidas.

Vejam só!

Rasga-se a lei que estabelece as prerrogativas exclusivas de nosso “Parlamento”, as quais, em sua essência e no correto uso delas, poderiam contribuir para a geração de resultados positivos para a Comunidade representada.

Quanto aos Conselheiros, repito que alguns lutam como eu para o melhor, mas alguns também seguem defendendo os seus interesses. Seja porque dependem do Consulado para seu trabalho, seja porque são amigos dos amigos; seja porque, na política, interessa-lhes sobremaneira o status de sair na foto ao lado de alguma “autoridade italiana” (aqui enfatizo as aspas porque tais “autoridades” geralmente não passam de meros empregados do povo) para incrementar seu marketing pessoal. Ou seja, resumindo, percebi quantos possuem olhos apenas sobre seus pessoais interesses. A Comunidade Italiana? Claro, essa, eventualmente, também interessa na pauta de algum discurso.

Não estou aqui a julgar nem acusar ninguém, mas essa é uma observação que pude fazer durante este período de atuação dentro da instituição. Como ouvi diversas vezes de alguns colegas, “trata-se de um direito de cada um fazer o que achar melhor”.

Não foi para isso que eu entrei no Comites. Acredito que também não foi para isso que o Comites foi criado, ao menos no transcende do espírito da lei.

Nas últimas semanas, contra as atitudes censórias do atual Cônsul, iniciou-se um movimento de renúncia coletiva dos conselheiros. Falava-se também em legítimo protesto contra certas práticas no trato e administração do serviço consular. Mas o que começou forte visando, inclusive, a salvaguarda da independência da Presidência do nosso Comites, aos poucos foi se acomodando, enfraquecendo, justamente pelos mesmos motivos acima descritos: interesses pessoais, status, necessidade de uns, conveniência política de outros. E a Comunidade Italiana outra vez não consegue receber a resposta e a defesa merecida por parte da instituição que a representa.

Pois eu me mantenho firme ao que foi acordado.

Assim, vendo hoje que a necessidade de continuar tudo como está é maior do que as mudanças que a comunidade precisa e espera; que isso é maior do que o respeito que o Consulado tem que ter com seus jurisdicionados (e não o contrário); que sem uma mudança radical nos conceitos, o Comites será sempre o mesmo, ou melhor, o mais do menos, decidi.

Ficar Conselheiro para ver Cônsules censurando e boicotando a Imprensa em vez de apoiá-la, estimulá-la e incentivá-la para fazer crescer o debate construtivo e formador da cidadania? Não.

Ficar Conselheiro para servir de número na ata e continuar submetido à censura consular, um deboche sobre os integrantes de nosso “Parlamento”? Não.

Ficar Conselheiro para assistir inerme ao destrato de direitos e os maus tratos sobre os cidadãos italianos? Não.

Ficar Conselheiro para, de vez em quando, participar de uma reunião ouvindo ao final a pergunta se vai ter diária ou não? Não.
Ficar Conselheiro para ver os que, mesmo sentindo-se palhaços, lutam pela comunidade e são criticados ao invés de exaltados? Não.

Não. Não foi para isso que me fiz candidato. E acredito seriamente que não foi para isso que os detentores dos votos conscientes que recebi gostariam que eu permanecesse Conselheiro.

E por isso: por ver que, sem uma ruptura institucional, nada irá mudar nesse universo politizado do Comites; por ver que, na sua essência, o que é bonito, na prática não passa de um jogo de interesses e de meios para a captação de vantagem política, pessoal ou profissional; por uma imensa frustração pelo fato de que os eleitos não têm força para mudar; por tudo isso é que renuncio neste momento ao cargo de Conselheiro.

Sinto-me aliviado em poder renunciar – e peço respeito à minha decisão unilateral e pessoal. Peço compreensão e desculpas à comunidade – e tão somente à comunidade – italiana do Paraná e Santa Catarina, mas não consigo mais continuar a fazer parte deste universo.

Tenho certeza e convicção que em minhas conversas informais dentro de minha rede de amigos brasileiros e italianos, ou até naquelas em família, aos domingos, e mais, continuando a colaborar, como sempre fiz, com Insieme, conseguirei melhores resultados para a Itália no Brasil e para o Brasil na Itália do que ostentando um título de Conselheiro do Comites.

Por fim, podem até dizer que este ato fortalece os que ficam, que fortifica o sistema. Podem até dizer que quem sairia “perdendo” com isto sou eu. Mas não, ao contrário, sinto-me vitorioso por não mais ter que contribuir para um sistema no qual muitos, infelizmente, não acreditam mais. Sinto-me vitorioso por não ter mais que me submeter a atitudes de um extravagante comando consular que quer deliberadamente cercear a atividade dos eleitos, da imprensa e da própria comunidade, ao invés de ouví-los. Sinto-me vitorioso por honrar minha palavra tanto para com os Conselheiros, quanto para com a comunidade que votou e confiou em mim.

Aos que ficam desejo sorte, discernimento e força para que consigam alterar este quadro caótico em que nos encontramos. Fica também a amizade com os que tive contato enquanto Conselheiro.

Nestes termos, e com esta carta que peço tenha o efeito imediato e definitivo, renuncio oficialmente ao cargo de Conselheiro do Comites PR/SC.

Curitiba, 29 de novembro de 2019.
Carlo Endrigo Peron, Conselheiro COMITES PR/SC