Aumento da taxa da cidadania gera protesto diante do Consulado da Itália em São Paulo. Indefinição sobre o “terceiro declarante” também é questionada

Poucos, mas com argumentos bastante consistentes, compareceram ontem (20/11/2024) na Avenida Paulista para protestar contra as taxas da cidadania italiana, principalmente a prevista na Lei do Orçamento em discussão no Parlamento italiano,  e para solicitar uma definição do Consulado Geral da Itália em São Paulo  sobre a questão do “terceiro declarante”.

Os dois movimentos se encontraram por volta das 11 horas e formaram um conjunto único, com a presença do representante do Brasil no CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani all’Estero’, Daniel Taddone, e do advogado ítalo-brasileiro Giovanni Bonato. Apesar de convidado, o cônsul Domenico Fornara não compareceu nem se manifestou a respeito das duas questões. Embora feriado nacional, o consulado funcionou normalmente.

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As manifestações tiveram início às 9 horas diante do Consulado por parte de integrantes de um movimento que reivindica uma definição urgente do Consulado sobre os requerentes da cidadania “iure sanguinis” que, dentre seus ancestrais, possuam alguém cujo nascimento não tenha sido declarado pelos próprios pais. Embora até pouco tempo essa condição não fosse verificada, o Consulado passou a procrastinar a apreciação  de processos onde conste a declaração de terceiros no certificado de nascimento de algum ancestral.

Segundo algumas estimativas, estes casos representariam cerca de 30% do total dos pedidos de todos os que aguardam a convocação consular na jurisdição de São Paulo e, conforma disse Taddone, é problema que com bastante probabilidade vai atingir todos os demais consulados da Itália que operam no Brasil.

“Os documentos apresentados por nossas famílias, que atestam a linhagem italiana de nossos bisavós e avós, são legítimos, oficiais e corroboram a ligação inegável que temos com a Itália. A decisão de recusar tais registros, construída sob outras interpretações, desconsidera nossa história e os esforços feitos para preservar a herança cultural italiana em nossas vidas”, dizem os protestantes em documento que foi lido diante do consulado.

Por volta das 11 horas, teve início a segunda manifestação do dia, liderada pelo advogado ítalo-brasileiro e professor Giovanni Bonato, que tentou inclusive conversar com o cônsul Domenico Fornara, e que dizia respeito à alteração da taxa judiciária, hoje incidente sobre cada processo, mas que, segundo proposta do governo, além de incidir sobre cada requerente, deveria ser fixada em 600 euros (mais de R$ 3.600,00 ao câmbio atual).

O advogado Bonato (ver conteúdo no vídeo) falou das ações que a Agis – Associazione Giuristi Iure Sanguinis (da qual é vice-presidente) e  Auci – Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana estão desenvolvendo no âmbito jurídico e também político para demover o governo de encarecer os custos da cidadania – um processo que no dizer de Bonato, deveria ser totalmente gratuito porque se trata de um direito básico das pessoas.

Ainda segundo Bonato, dentre as mais de quatro mil  emendas apresentadas ao projeto de lei orçamentário do governo italiano estão emendas supressivas, já aprovadas em algumas comissões, que retiram da proposta orçamentária a alteração na cobrança das taxas judiciárias. Ele citou inclusive que cerca de 150 advogados italianos e brasileiros que trabalham no setor da cidadania integram os debates que estão sendo conduzidos no âmbito de um grupo de Whatsapp.

Diante do Consulado os manifestantes sobre a questão do “terceiro declarante” leram um manifesto dirigido ao cônsul Domenico Fornara, que vai abaixo transcrito, na íntegra:

“Ao Consulado Geral da Itália em São Paulo

À atenção do Excelentíssimo Cônsul Domenico Fornara

Nós, descendentes de italianos aqui presentes, vimos por meio desta expressar nossa profunda preocupação e solicitar, respeitosamente, uma posição clara e favorável do consulado acerca da aceitação de documentos que contêm o terceiro declarante em nossos processos de reconhecimento de cidadania italiana.

É com um misto de tristeza, indignação e sentimento de injustiça que aguardamos por anos, e agora, estamos sem resposta. Muitos que iniciaram seus processos depois de nós já tiveram sua cidadania reconhecida, enquanto outros foram desencorajados a continuar, sendo orientados a aguardar indefinidamente. A ausência de uma resolução é desoladora e afeta diretamente nossas vidas e nossa saúde emocional.

Os documentos apresentados por nossas famílias, que atestam a linhagem italiana de nossos bisavós e avós, são legítimos, oficiais e corroboram a ligação inegável que temos com a Itália. A decisão de recusar tais registros, construída sob outras interpretações, desconsidera nossa história e os esforços feitos para preservar a herança cultural italiana em nossas vidas.

Nossos bisavós e avós deixaram a pátria italiana por necessidade, enfrentando uma jornada extenuante e desafiadora. Chegaram ao Brasil em condições precárias, sem falar a língua local, e submeteram-se às regras de um país que lhes era estranho. Contudo, nunca abandonaram suas raízes. Ao contrário, mantiveram viva a língua, os costumes e os valores italianos, que se perpetuam em nossas famílias, e nossa sociedade, até hoje.

Agora, ao nos depararmos com a recusa de documentos que representam essa história, sentimos que a memória e o esforço dos que vieram antes de nós estão sendo desconsiderados. Essa decisão não é justa nem para nós, que continuamos honrando nossa linhagem, nem para eles, que viveram e morreram com a Itália no coração.

Seguimos todas as orientações fornecidas pelo consulado, com dedicação e respeito.

Investimos tempo, recursos e esforços em pesquisas genealógicas, pagamento de taxas, retificações, traduções, apostilamentos e entrega de documentos dentro dos prazos estabelecidos. Há mais de 8 anos, aguardamos pacientemente por este reconhecimento, realizando nossa parte com êxito e confiança nas instituições italianas.

Contudo, diante da indefinição atual, nos vemos forçados a revisar incessantemente a história de nossos antepassados, buscando mais documentos para tentar comprovar o que já está claramente provado. Esse cenário é angustiante e incompatível com o respeito que sempre demonstramos ao processo.

Confiamos na seriedade e no compromisso deste consulado com a valorização da família e da cidadania italiana. Aguardamos com esperança de que essa questão seja revista com sensibilidade e atenção, reconhecendo o impacto que essas decisões têm na vida de tantas famílias italianas no Brasil.

Nossos antepassados nos deixaram como herança não apenas um sobrenome, mas uma identidade e um orgulho que atravessaram gerações. Dessa forma, reforçamos o nosso pedido: a validação dos nossos documentos e o reconhecimento de nosso direito legítimo e histórico, para que possamos continuar honrando nossas origens e perpetuando o orgulho de sermos italianos.

Seguiremos confiantes de que seremos ouvidos.

Agradecemos pela atenção e pelo trabalho desempenhado por esta instituição”.