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Capa da Revista Insieme de agosto 2014.

CIDADANIA A 300 EUROS POR CABEÇA, ‘TASK FORCE’ FRUSTRADA, MANDATOS ARTIFICIALMENTE DOBRADOS, E ESSA CARACTERÍSTICA POUCO DEMOCRÁTICA E ATÉ AQUI NÃO DECLARADA, MAS PERFEITAMENTE CONFIGURADA, DE ENTIDADE-COBAIA SUBMETIDA AO CAPRICHO DA POTESTADE DE PLANTÃO – EIS UM ESBOÇO DE BALANÇO PARA UMA DÉCADA PERDIDA

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CURITIBA – PR – Uma avaliação sobre o processo eleitoral dos Comites – Comitati degli Italiani all’Estero, interrompido com o quarto adiamento das eleições e uma análise dos mais de dez anos de mandato dos atuais conselheiros, eleitos no distante 2004, constituem o tema central da reunião do “Sistema Itália” convocada pelo embaixador italiano Raffaele Trombetta para os dia 20 e 21 próximos, em Brasília.

A reunião, que ocorrerá na sede da Embaixada, já estava convocada antes da decisão do Conselho de Ministros do governo italiano que interrompeu o pleito em quase 130 Comites ao redor do Mundo. Dela fazem parte tradicionalmente os cônsules, presidentes de Comites do Brasil, conselheiros do CGIE – Consiglio Generale degli Italiani all’Estero, os deputados e senador eleitos pela Circunscrição Eleitoral do Exterior, presidentes de câmaras italianas de comércio e outros convidados do Embaixador.

Segundo a convocação de Trombetta, o encontro terá ainda como agenda temas relacionados com a presença institucional da Itália no Brasil, com o “Anno dell’Italia” na América Latina e com a Expo 2015 de Milão – dois eventos que ocorrem ano que vem. O balanço das atividades dos Comites cujos conselheiros acabam de receber nova prorrogação de mandato consta expressamente do ofício 3790, assinado com a data de hoje (13.11) pelo representante do governo italiano no Brasil.

O decreto que adiou as eleições faltando oito dias para o encerramento do prazo (dia 19.11) concedido para a “inscrição prévia” dos eleitores ainda precisa ser convertido em lei pelo Parlamento Italiano. Talvez por isso o site na internet de todos os consulados da Itália no Brasil, à exceção do São Paulo, ainda mantinham  na noite dessa quinta-feira – inclusive o da Embaixada – a orientação antiga sobre os prazos que foram prorrogados para o dia 18 de março (inscrição de eleitores) e 17 de abril (prazo final para a votação).

Anteriormente à decisão de adiamento das eleições, o clima entre os conselheiros dos Comites era de apatia em relação à reunião de Brasília. Alguns conselheiros haviam inclusive manifestado desinteresse em participar, envolvidos que estavam com o processo eleitoral. A situação mudou, entretanto, após o anúncio da nova prorrogação dos mandatos em consequência do adiamento das eleições. Via internet inclusive circularam (há uma rotina de consultação estabelecida entre os conselheiros) algumas considerações pouco alvissareiras sobre o pautado “balanço de atividades” desenvolvidas pelos Comites nos últimos dez anos: a instituição da taxa de 300 euros por cabeça sobre a cidadania figura entre os primeiros ‘feitos’, seguido do próprio “esticamento” dos mandatos e o consequente desgaste de credibilidade sofrido pelos Comites na condição de instituições de representação das comunidades italianas, através do voto direto.

Como se recorda, a taxa sobre os pedidos de reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue, sem nenhum condicionamento na destinação dos recursos aos consulados geradores da renda extra – após o ribombante fracasso da ‘task force cittadinanza’ -, foi instituída no momento em que estavam em pleno exercício de seus mandatos os senadores e deputados eleitos no exterior, além dos integrantes do CGIE – Consiglio Generale degli Italiani all’Estero e dos próprios Comites. Na área parlamentar, a representação dos italianos no exterior foi pega de surpresa e mal conseguiu esboçar reação através de emendas (não aceitas em função do “voto de confiança”) ou de inócuas “ordens do dia” pedindo o reinvestimento de parte dos recursos amealhados sobre a concessão de um direito de qualquer ítalo-descendente.

Dentre os feitos positivos da representação italiana em ação está o fato de ter ela convencido o governo italiano a não fechar, como absurdamente havia anunciado, o consulado italiano em Recife – capital do Estado que assiste à construção de uma das maiores fábricas mundiais da Fiat -, mas de outro lado foram minguando sempre mais os recursos para a promoção do ensino da língua e da cultura italiana, assim como também foram aumentando (e agora sem nenhuma estatística, antes fornecida a cada trimestre) as “filas da cidadania”, cujas informações a milhares de interessados foram confiadas a uma empresa privada de serviços telefônicos pagos, para livrar os consulados, sempre com menor estrutura, do “indigesto abacaxi” nos balcões de atendimento.

Como um último lance – a cereja sobre a torta – a representação dos italianos no exterior formada pelos  parlamentares eleitos no exterior, CGIE e Comites (estes dois últimos ameaçados durante toda a década por uma nunca realizada atualização legislativa, que lhes definisse atribuições e funções) – foi surpreendida da noite para o dia na reunião do Conselho de Ministros do último dia 10 com a interrupção do processo eleitoral dos Comites, antes já convocado às pressas para a ante-véspera do Natal.

Todo o esforço até aqui empreendido por parte de candidatos, de eleitores, dos consulados com o trabalho extra de comissões eleitorais e para a expedição de cartas com avisos, orientações, formulários, etc., além de recursos oficiais e particulares já gastos com a necessária propaganda em tempo de urgência, caem por terra diante da constatação de um fato adrede e sobejamente anunciado: o baixo índice de participação eleitoral, na média mundial – antes entre 20 e 40%, ou mesmo mais –  girando em torno dos pífios 2%…

Tudo porque, sem consulta séria às “nossas representações”, alguém achou que poderia impor, sem a democrática reação dos eleitores, essa “pré-inscrição” (somente aos que formalmente pedem para votar é enviado o material eleitoral por correspondência) a quem já está inscrito no Aire – o cadastro oficial dos eleitores no exterior. E descobriu-se, nas palavra de algum ministro, que o sistema estabelecido de prévia-inscrição para a eleição dos conselheiros dos Comites constitui um primeiro teste para as futuras eleições políticas no exterior, que seguiriam o mesmo procedimento. Teste, ou – no caso de persistirem, mesmo assim, os baixos índices de participação, sentença de morte?

Agregue-se, pois – e nem sja lembrada aqui a proposta de instituição de um “imposto anual sobre a cidadania” -, no balanço dos grandes feitos dessa década de Comites em constante ameaça de “reformas necessárias”, de eleições postergadas ou interrompidas, e de mandatos esticados por decreto (mas sempre no exercício de nossa representação), essa característica pouco democrática e até aqui não declarada – mas perfeitamente configurada – de entidade-cobaia submetida ao capricho da potestade de plantão.