Agora os cidadãos italianos por direito de sangue representam – no dizer de alguns magistrados italianos – também um “risco democrático”, segundo matéria que publica hoje (28/01) o jornal Corriere della Sera, com chamada na primeira página. Tal risco decorre do fato que os italianos no exterior, ao se inscrever no Aire – o cadastro dos residentes fora da itália – alcançam o direito de votar. Isto pode “alterar os quoruns eleitorais”. O Brasil é o responsável pelo maior peso desse “dilúvio” de cidadanias.
O alarme parte – segundo o jornal – do presidente do Tribunal de Recurso de Veneza, Carlo Citterio, e foi disparado no discurso que fez durante a inauguração do ano judicial. Os tribunais do Vêneto estão “lotados de pedidos de 150 mil brasileiros”, diz o diário, um dos principais da Itália.
Esta é a primeira reação conhecida no âmbito do judiciário italiano depois que os processos passaram a ser distribuídos para os tribunais regionais, de acordo com a procedência dos antigos imigrantes. No Vêneto, os processos de cidadania representam atualmente 60% de toda a movimentação processual na área cível, segundo aponta o jornal citando fontes vênetas.
No texto publicado há também referência à última decisão da Corte di Cassazione, que rejeitou a tese da Avvocatura dello Stato sobre a Grande Naturalização brasileira e. também, às decisões judiciais sobre descendência italiana pelo lado materno. Há, igualmente, alusão às longas filas perante os consulados e o aumento da procura pela via judicial.
A matéria do jornal volta a tocar em velho tema: a procura pela cidadania italiana representaria muito mais uma busca pelo passaporte italiano, por pessoas interessadas na livre circulação pelos países da Europa e para entrada facilitada nos Estados Unidos.
Em seu discurso, Citterio teria defendido “uma possível, oportuna e sábia revisão da disciplina” e anunciado, para isso, “um estudo aprofundado com o chefe da Procuradoria do Estado de Veneza, Stefano Maria Cerillo, e o constitucionalista da Universidade de Pádua, Sandro De Nardi”.
O texto do jornal italiano remeta a outra matéria publicada recentemente (texto de Dimitri Canello), segundo a qual a administração do município de Val di Zoldo (Belluno). estaria paralisada devido ao grande número de processos (551) de cidadania solicitados por ítalo-brasileiros. O prefeito Camillo de Pellegrin ordenou a colocação da bandeira do Brasil na fachada da sede da prefeitura, junto com as bandeiras italiana, da Comunidade Europeia e do Município.
Ironicamente, o prefeito comunicou estar dando prioridade aos pedidos de cidadania provenientes do Brasil e pedidos de transcrições advindas de consulados (“para não sofrer posteriores processos, denúncias ou pedidos de indenização”), em detrimento dos serviços locais.
Traduzimos o texto publicado pelo Corriere della Sera (de autoria de Alberto Zorzi) que vai, abaixo, transcrito: “Cidadania italiana, nos tribunais do Vêneto lotados de pedidos de 150 mil brasileiros. O alarme do judiciário. Mil requisições por mês de grupos familiares inteiros. O presidente do Tribunal de Recurso: «Podem votar e alterar os quóruns, é um risco democrático»
Doze mil recursos interpostos em um ano, exatamente uma média de mil por mês. Tanto é assim que, no setor civil do tribunal de Veneza, que como sede distrital recebe muitos casos de toda a Região, dois em cada três recursos dizem agora respeito a este tema. Mas o dilúvio de pedidos de cidadania italiana por parte de residentes no estrangeiro, a grande maioria dos quais provenientes do Brasil, seguido da Argentina e da Venezuela, não está apenas a obstruir os escritórios judiciais de Rialto; podem também conduzir a “uma espécie de risco democrático para a República, pense nas alterações dos quóruns eleitorais”, como sublinhou o presidente do Tribunal de Recurso, Carlo Citterio, no Palazzo Grimani, durante a inauguração do ano judicial. «O reconhecimento da cidadania foi efectivamente automatizado mesmo para aqueles com laços familiares muito remotos e sem contato com Itália – continuou Citterio – precisamos avaliar a oportunidade de uma possível, oportuna e sábia revisão da disciplina». A tal ponto que está sendo organizado um estudo aprofundado com o chefe da Procuradoria do Estado de Veneza, Stefano Maria Cerillo, e o constitucionalista da Universidade de Pádua, Sandro De Nardi.
Os números do fenômeno – Porque o número de 12 mil não diz tudo: por trás de cada apelo há de fato famílias inteiras, até 10-15 pessoas, o que eleva o número de requerentes a uma estimativa que varia entre 100 e 150 mil. Certamente o Vêneto, terra de emigrantes no Brasil, tem números elevados, mas é fácil compreender que dar cidadania a tantas pessoas significa então que elas podem registar-se no Aire (o registo dos italianos que vivem no estrangeiro) e depois votar. Para compreender o que aconteceu é preciso recuar alguns anos: o Tribunal de Cassação já tinha alargado o leque de possíveis requerentes de cidadania, admitindo a possibilidade de concede-la também a quem tem ascendência italiana com o ius sanguinis através de mulheres; depois veio o decreto-lei, que transferiu a jurisdição do tribunal de Roma para os vários escritórios distritais de cada região. E assim, precisamente, chegamos a Veneza. A isto juntou-se então outro fato: nomeadamente que a via administrativa, com requerimento apresentado aos consulados-gerais italianos no Brasil, está agora intransitável, porque parece que demora até dez anos para obter a cidadania por essa via. E tantos optaram por fazer o pedido judicialmente nos tribunais italianos, obviamente ligados ao território de origem dos parentes distantes.
Porque tantos pedidos – Mas por que centenas de milhares de brasileiros (ou outros sul-americanos) querem um passaporte italiano? Em vez de poder influenciar as eleições italianas, na realidade, é preciso dizer que o principal objectivo é poder viajar com mais facilidade. Na verdade, quem possui um documento do nosso país, além de poder circular pela União Europeia sem problemas, também pode chegar aos Estados Unidos aproveitando o «Visa Waiver Program», que permite a entrada sem visto para fins turísticos por um período de até 90 dias, o que não é possível para cidadãos brasileiros: e isso leva muitas famílias a fazerem o pedido também com advogado – tanto que existem escritórios de advocacia especializados nesse tipo de prática – sem prestar muita atenção às despesas.
Então, justamente, desde 2022 tem havido essa enxurrada de apelos. O presidente do tribunal de Veneza, Salvatore Laganà, já no relatório do ano passado, tinha manifestado preocupação com um fenômeno que começava a ser vislumbrado, com os primeiros 2.600 recursos registados nesse ano. Infelizmente foi um bom profeta, porque neste ano os bancos quebraram: no relatório lido ontem falava-se de 6.923 recursos registados até 30 de Junho, a ponto de representar 55 por cento do contencioso cível, que era de 12.632 processos . Mas os dados recolhidos por Laganà no final do ano aumentaram a pesada contabilidade para 12 mil, ou 68 por cento dos ficheiros de todo o ano.