Instado a dirigir uma mensagem aos milhares de ítalo-brasileiros que aguardam há anos pelo reconhecimento da cidadania iure sanguinis diante dos consulados, o ebaixador da Itália no Brasil, Francesco Azzarello, remeteu a questão ao Parlamento e ao Governo, através do Ministério do Interior. “Eu repito – disse o diplomata durante a entrevista coletiva à imprensa, concedida na manhã do último dia 24, em Curitiba – a responsabilidade primária do setor da cidadania é do Ministério do Interior”.

Durante a entrevista, conforme já tivemos oportunidade de informar, o embaixador explicou os objetivos da sua primeira visita oficial ao Paraná (a segunda no Brasil desde a sua chegada pouco antes da explosão da pandemia da Covid) e respondeu a perguntas sobre as relações comerciais Brasil-Itália e, também, sobre temas específicos de interesse da comunidade ítalo-brasileira.

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O embaixador procurou enaltecer o trabalho desenvolvido pelos consulados, traçou paralelo entre a grande imigração italiana no Brasil e na Argentina; abordou questões inclusive de natureza criminal no processo de reconhecimento da cidadania, e, entre outras coisas, disse reconhecer que muitos dos que procuram o reconhecimento da cidadania italiana são motivados “pelo coração, mas que existem também os que estão apenas interessados no passaporte por outras razões.

O embaixador observou que a polêmica que, às vezes, acompanha o debate sobre esse assunto, não resolve o problema e sugeriu um trabalho de colaboração entre comunidade e consulados. “Nós temos muitos brasileiros na fila de espera. Nós sabemos disso. Não é uma coisa que nos deixa contentes”, disse o embaixador, afirmando que conhece bem o problema, pois trabalhou como cônsul em sua juventude.

Quando Azzarello mencionou falta de recursos para o atendimento, foi perguntado sobre se os valores advindos de parte da “taxa da cidadania” (300 euros por processo), em vigor desde meados de 2014, eram suficientes ou não para a manutenção dos serviços, a entrevista coletiva foi interrompida por alguém da organização do evento para que o embaixador passasse a atender uma entrevista particular.

Com esta matéria, damos sequência à série de vídeos com o conteúdo integral da entrevista. O cônsul Salvatore Di Venezia anuncia: O próximo é Desidério Peron, da Insieme: 

Sr embaixador, o Brasil e a Itália vivem momentos singulares em sua política. E hoje a Itália, daqui a pouco, está começando o processo de eleição do novo presidente. Qual a sua expectativa em função desse momento? A segunda pergunta seria um pouco mais centrada na questão da comunidade ítalo brasileira. O senhor mesmo se refere a 30, 35 milhões de ítalo-descendentes que, pela lei italiana, detém a cidadania italiana desde o nascimento. No entanto, as filas hoje são iguais às de ontem ou talvez maiores. O que o senhor diria para esse grande número de centenas de milhares de pessoas que aguardam esse reconhecimento, tendo em vista todo o panorama que até agora se criou, inclusive com a criminalização de pessoas que procuram ir à Itália para obter o reconhecimento da cidadania italiana e todo o resto que o senhor já sabe: a questão da grande naturalização que foi levantada agora, de uma forma estranha, pela própria Advocacia Geral do Estado italiano?

Agradeço também às perguntas suas. O Parlamento italiano hoje, às 11, horário brasileiro, começa a primeira votação para o novo Presidente da República. As primeiras três votações necessitam 75 por cento dos votos doo Parlamento conjunto mais representantes regionais e senadores vitalícios para eleger o presidente.

Depois, na quarta votação, que seria na quinta feira, a eleição necessita da maioria de 50% mais um. Eu li, como você, somente as agências de notícia para saber o que acontece… No momento, eu creio que o panorama não é muito definido, não é definido.

Não li… amanhã esse é o candidato…. esse é outro candidato… O momento é de estudo e sobretudo de negociações entre os partidos nesses primeiros três dias. Portanto, esperamos que na quinta [votação] vamos ter uma eleição do presidente.

Depois, se continuar… O presidente, Mattarella termina seu mandato em 3 de fevereiro. Nós temos um primeiro ministro excepcional que todo mundo conhece muito bem, que é muito respeitado, muito competente, e disse que continuará sendo o presidente do Conselho [de ministros]. Ele seria Presidente da República? Não sei, mas eu creio que a Itália tem agora uma estabilidade – um pouco italiana, não é? -, mas uma estabilidade política porque todo o mundo tem consciência de que o momento não é fácil e existe a necessidade de ter gente competente. Esse é o momento de investimento na retomada econômico-financeira da Itália. Esses já são bons dados. Portanto, eu não sei o que dizer, estou interessado como você. Eu sei, possivelmente, um pouco menos de você que lê sempre as agências.

Cidadania. Eu gostei muito, em Minas, do encontro com os representantes da comunidade italiana e com a conselheira do CGIE, a Silvia Alciati. Um dos novos representante disse: “A gente tem direitos e deveres”. Não é mau como conceito. A gente não tem somente direitos. A cidadania é um direito mas é também um dever.

Você mencionou muitos tráficos – falou claro – no Brasil e na Itália, com brasileiros e italianos. Tráfico para obter a cidadania ilegalmente. Documentos falsos… É complicado porque a diferença entre a imigração italiana no Brasil e na Argentina está no fato de que, no Brasil, é mais antiga e tem mais dificuldade de encontrar os documentos. As pessoas chegavam aqui e.. mudou uma letra do ‘cognome’, do sobrenome, portanto, é complicado. Existem juízes que estão muito atentos na Itália, algumas vezes eles prendem pessoas na Itália… existem tráficos de pessoas que…Alguns não têm um verdadeiro interesse na cidadania; têm interesse no passaporte por outras razões. Nós temos muita, muita muita gente que tem direito e que gostaria, honestamente, de ter a cidadania italiana. Nós temos a obrigação de fazer aquilo que nós podemos para ajudar a obter a cidadania.

Eu creio que os consulados, que não têm recursos ilimitados, eles fazem aquilo que eles podem. A pandemia foi um desastre. Dois anos mais ou menos fechados. São Paulo tinha, não sei, 120 mil pedidos de cidadania e agora seria… mas tem o compromisso e a vontade de fazer aquilo que a gente pode. Nós temos muitos brasileiros na fila de espera. Nós sabemos disso. Não é uma coisa que nos deixa contentes. As pessoas não estão contentes. Mas há quem tenha razão em querer a cidadania. Eu sou muito honesto intelectualmente, é claro. Se a gente não está contente, a gente protesta… Eu sei. Há a necessidade de colaboração entre a comunidade os escritórios consulares, se têm problemas, a Embaixada está lá, eu estou lá à disposição sempre, como os Comites…

E eu devo dizer que os cônsules no Brasil são todos muito sérios; é gente que trabalha, que procura ajudar; eles têm interesse em ajudar, mas tem limites jurídicos. Porque agora, na questão da cidadania, é perigoso não fazer exatamente como diz a lei. Os documentos… é um pouco um pesadelo os documentos, porque tem casos que eu vi… Mas quando há responsabilidades penalidades penais, civis e penais a, gente deve prestar atenção.

Portanto, há grande disponibilidade, grande empenho da rede consular, com todos os limites humanos que nós temos na vida – há quem é mais bravo, quem é menos bravo, mais gentil ou menos gentil – mas todos os escritórios estão à disposição para ajudar nos limites daquilo que nós podemos fazer. Depois temos a nossa Itália, os “comuni”… e você sabe muito bem as questões… os “comuni” que não respondem, que não respondem prontamente… Temos muitos problemas.

Mas quando tem problemas nós escrevemos a Roma, relatamos… Existe o Ministério do Interior que tem a responsabilidade primária na questão da cidadania. É o “Ministero dell’Interno” italiano [que tem a responsabilidade]. Não é o Ministério das Relações Internacionais que tem a gente aqui a se confrontar, amigavelmente, com uma comunidade que não está contente..

Eu conheço muita gente que gostaria de ter a cidadania italiana sem razão particular, que é somente a razão do coração. É comovente. Eu fui cônsul quando eu era. Eu sei exatamente como é. Eu como eu trabalhei muito nos consulados. Austrália, terra de fronteira. Eu era jovem… isso e aquilo que eu posso dizer. Posso dizer. Não é fácil. Não existe a receita para resolver o problema.

Quer dizer: ‘Lasciate ogni speranza voi che entrate’ (percam qualquer esperança vocês que estão a entrar)?

Não. Eu vou dizer que todo mundo, nossos consulados no Brasil trabalham muito seriamente, e que a pandemia foi um desastre para todo esse processo, porque quando eu cheguei, um pouco mais de dois anos atrás, havia um um processo de otimização, melhoramento… e que nós temos somente que trabalhar, cooperar, e que a polêmica não serve. Na vida, a polêmica não resolve nada. Pelo contrário, a polêmica endurece os relacionamentos. As soluções deveremos encontrar juntos. Nós temos um parlamento na Itália. A Lei é responsabilidade do Parlamento. Temos um governo, isto é, cada um tem sua responsabilidade para resolver os problemas.

Eu repito, a responsabilidade primária do setor da cidadania é do Ministério do Interior, Itália. “Comunes”… Nós temos a responsabilidade dos escritórios, dos recursos que não são suficientes. E nós… Roma sabe muito bem. Mas o dinheiro para o Ministério das Relações Exteriores vem do Parlamento. Sem recursos, o pessoal, as pessoas… Esiste uma diferença entre dez, ou 20 pessoas trabalhando na cidadania…

Senhor Embaixador. Sem querer fazer polêmica, nós estamos numa fase em que a cidadania é cobrada. 300 euros. Essa taxa vem desde 2014. Esses recursos são suficientes para pagar o serviço, ou não?

Você pode repetir essa pergunta?

Se esse valor de um terço da taxa de 300 euros que é cobrada para cada processo de cidadania está sendo suficiente para remunerar o serviço, ou não?

Só 30% do que entra nós utilizamos para contratar os digitadores, como você conhece, para ajudar. Mas isso depende da quantidade de cidadanias que nós fazemos. Nos últimos dois anos, isso foi muito pouco. Portanto, o sistema está um pouco parado. Mas não é isso que vai resolver o problema da cidadania. Essa é uma pequena ajuda no processo de tratamento dos papéis e documentos… (A entrevista coletiva à imprensa é abruptamente interrompida por alguém anunciando um entrevistador externo ao telefone, quando volta, …. minutos depois, o embaixador não retoma o assunto). Você mais de desculpar um momento…