Em questão de pouco mais de 24 horas, cerca de mil agendamentos para legalização de documentos de requerentes do reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue foram realizados junto ao Consulado Geral da Itália em Curitiba, depois que o cônsul geral Enrico Mora decidiu abrir a agenda, na sexta-feira última (11/03). Os agendamentos ocuparam completamente as oito vagas diárias disponibilizadas até o dia 14 de novembro próximo.

Também os requerentes de passaporte italiano puderam, desde sexta-feira, agendar tranquilamente a solicitação de expedição do documento mas, segundo se verificava na tarde desta segunda (14/03), num ritmo bem menor que o das legalizações: ainda existiam vagas para julho e agosto, e estavam totalmente em branco as vagas de setembro, outubro e novembro. Enquanto a emissão de passaporte é requerida geralmente por cidadãos italianos reconhecidos em véspera de alguma viagem ao exterior, as legalizações são solicitadas por pessoas que optaram por realizar o processo de reconhecimento da cidadania italiana a partir de um endereço na Itália, em função da enorme demora verificada diante dos consulados italianos que operam no Brasil. Essa fila, segundo alguns cálculos, somaria entre 500 e 800 mil interessados.

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A decisão do cônsul Enrico Mora foi tomada – segundo apuração da revista Insieme – depois que ele obteve o “ok” de Roma e, coincidentemente, após ter passado por Curitiba, em visita oficial (07/03), o embaixador Raffaele Trombetta, que teve que ouvir reivindicações e protestos de “enfileirados”, durante sua recepção à comunidade italiana, realizada nas dependências da Sociedade Giuseppe Garibaldi.

Consultado, Mora não quis, por ora, comentar o assunto. Nos demais consulados continua em vigor o sistema segundo o qual os agendamentos, tanto para legalizar documentos quanto para requerer a emissão de passaporte, dependem de programa eletrônico comandado centralmente por Roma, com horário de abertura sempre à zero hora (horário italiano), com muitas críticas e denúncias por parte dos interessados. Existem pessoas que há diversos meses procuram agendar sem sucesso a emissão de passaporte ou a legalização de seus documentos.

A decisão de Curitiba obreve repercussão imediata. Em sua página no FaceBook, o presidente do Comites – Comitato degli Italiani all’Estero para os Estados do Paraná e Santa Catarina, Walter Petruzziello, ainda na sexta-feira, dava os parabéns ao cônsul Enrico Mora e à vice-cônsul Maria Salamandra “por esta decisão que vem ao encontro de nossas reivindicações”.  O Consulado de Curitiba – dizia Petruzziello –  “abriu a agenda do passaporte e da legalização até novembro deste ano. Quem precisar agendar pode escolher a data”.

Claro que – completava Petruzziello – milhares de pessoas agendarão; mas, pelo menos, “é uma tentativa de melhorar a situação”. Ontem, ele estranhava o número de inscrições efetuadas em tão pouco tempo e demonstrava sua preocupação com a possibilidade de “agendamentos de encomenda” (feitos por atravessadores usando e-mails diversos): “Espero que o pessoal do Consulado saiba administrar corretamente essa nova fila, dela retirando gente que eventualmente tenha realizado o requerimento em nome de terceiros, possíveis clientes, sob cobrança de valores diversos”.

Para conseguir agendamento, alguns “agenciadores” cobravam ou cobram valores que vão de R$ 600,00 (para passaporte) a dois ou quatro mil reais (para cada legalização). Quanto mais difícil obter o agendamento, mais alta é a soma solicitada e a forma de fazer nem sempre, segundo versões diversas, segue caminhos normais de alguém mais esperto ou mais equipado para enfrentar os meandros naturais da informática: há quem fale inclusive da ação de especialistas. Tais especialistas, ou hackers, teriam desenvolvido recentemente um programa capaz de furar o bloqueio imposto pelo sistema adotado pelo Governo Italiano, em Roma, e estariam ganhando dinheiro fácil com isso.

As chamadas “filas da cidadania” italiana diante dos consulados italianos, de qualquer forma, é atualmente fenômeno quase que exclusivamente brasileiro. No Brasil vive a maior comunidade de ítalo-descendentes de todo o mundo, calculada entre 30 e 35 milhões de pessoas. Pouco mais de um por cento delas – todas hipoteticamente com direito garantido a ter reconhecida a cidadania italiana “iure sanguinis” – tem inscrição consular, maioria por desinteresse, mas uma boa parcela por não conseguir a documentação necessária ou pela demora no atendimento consular, que já se estende por quase três décadas. Ao longo desse período, a burocracia romana tem criado dificuldades para o atendimento dos interessados, quer alterando constantemente as regras do jogo, quer alegando a conhecida falta de estrutura dos consulados para atender o volume considerável e constante de solicitações. O serviço era gratuito, mas desde 8 de julho de 2014 vem sendo cobrada uma taxa equivalente a 300 euros (mais de R$ 1.200,00 atualmente) para cada requerente no ato da entrega dos documentos – um valor que elevou o volume de dinheiro remetido diretamente a Roma, onde compõe o orçamento geral do Governo Italiano. Graças a essa taxa, o Consulado Geral da Itália em Curitiba transformou-se no segundo maior (atrás de São Paulo) arrecadador dentre os consulados italianos no Brasil – o sexto em toda a América Latina e o oitavo em todo o mundo.

A questão das “filas da cidadania” é assunto recorrente de diversos grupos organizados nas redes sociais, já muito antes de uma fracassada “task force” organizada na década passada com o objetivo de colocar fim ao problema. Atualmente correm pelas redes sociais dois documentos na forma de abaixo-assinado em que os signatários pedem ao governo italiano mais atenção para os ‘enfileirados’ e reivindicam a aplicação da taxa dos 300 euros nos consulados que deram origem ao recurso, como forma de equipá-los para melhorar seus serviços..

Aberturas e fechamentos no serviço de inscrição de interessados na cidadania italiana, que inicialmente não recorriam à opção de ir morar temporariamente na Itália para obter o reconhecimento de seu direito, causam sempre polêmica. No caso atual de Curitiba, a internauta Ana Carla Piucco Morais, por exemplo, não achou “justo liberar tudo em um dia porque –  diz ela –  a última vez que eu vi, tinha lugar em abril… Agora só em novembro… Coisa de louco”. Outros, como Jean Everson Martina, acham  que “teria como não fazer burrada que já foi feita no passado! Existem meios pra resolver isso de forma inteligente. Abrir num único dia até novembro significa que em três dias não vai mais ter vaga até novembro”.