Sede brasileira da Arena Cidadania Italiana, envolvida nas denúncias de falsas cidadanias. (Foto Site Arena)

São de Criciúma, no Sul de Santa Catarina, os dois brasileiros envolvidos no mais novo “escândalo da cidadania” na Itália. Eles são proprietários da empresa “Arena Cidadania”, constituída há cerca de quatro anos com sede no Brasil e, também, na cidade de Verona. A família da proprietária e fundadora do serviço, Simone Frassini, mora há cerca de 16 anos em território italiano. Juntamente com o filho Raphael, Simone responde perante a Justiça italiana por atos que envolvem também dois funcionários do município de Crescentino, na província piemontesa de Vercelli, pouco mais de 50 quilômetros distante de Turim.

Na manhã de hoje, a redação de Insieme conseguiu falar com o gerente comercial da empresa no Brasil, Lucas Guidi Milioli. Segundo ele, “é tudo uma grande armação”, não há falsificação de documentos nem de residências, e a única questão que precisa ser explicada diz respeito às imagens de vídeo, que mostram pagamentos sendo feitos pelos brasileiros ao funcionário municipal italiano de nome Stefano Masino. Ocorre, segundo Lucas, que Stefano é também o proprietário de imóveis alugados para a empresa de Simone, e a quantidade mensal de euros a ele repassados se referem ao pagamento do aluguel, nada além disso.

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Lucas argumenta com tranquilidade e não descarta a possibilidade de a Arena Cidadania ter sido vítima da ação de concorrentes, isto é, de outras empresas que atuam no mesmo setor, inconformadas com o crescimento da empresa nos últimos tempos. E assegura que não existe nenhuma cidadania falsa dentre todos os casos encaminhados pela Arena que, também, como empresa legalmente estabelecida nos dois países, paga todos os tributos, tanto no Brasil quanto na Itália.

Vista panorâmica da cidade piemontesa de Crescentino. (Foto Alessandro Vecchi / Wikimedia Commons)

Crescentino é um município italiano da região do Piemonte, situado entre Milão e Turim, que conta, atualmente, com pouco menos de 8.000 habitantes; mas a Arena Cidadania, que opera também em outras áreas da Itália, tem sede em Verona, a cerca de 270 quilômetros de distância do local onde ocorreram os fatos que, rapidamente, tomaram conta das redes sociais, jornais locais italianos e, também, foram divulgados pela agência italiana Ansa.

Segundo relatam os jornais italianos, as investigações, que tiveram início em abril deste ano, envolvem outros 74 nomes de pessoas que, descendentes de imigrantes italianos, teriam sido beneficiadas com “falsas cidadanias”, num total de “pelo menos 150 cidadãos brasileiros”. Para obter a cidadania ‘iure sanguinis’ teriam pago, cada um, cerca de 4.000 euros para a empresa que prestava assessoria completa, incluindo moradia temporária na Itália.

O jornal online “Prima Chivasso” narra que, entre os muitos imóveis alugados no território de Crescentino “para alojamento dos cidadãos brasileiros”, estava um “de propriedade do funcionário público com as funções de funcionário do cartório e oficial do estado civil do mesmo município”. O mesmo funcionário tinha à disposição um outro imóvel no município de Robela d’Asti, a 13 quilômetros de Crescentino, formalmente habitado há dois anos por quatro brasileiros, que haviam realizado contrato de “uso gratuito”. Nesse período, entretanto, segundo a polícia italiana, por ali passaram pelo menos “30 cidadãos brasileiros”. “Para cada um desses – diz o jornal – o funcionário público recebia um aluguel não contabilizado, pago pela agência [Arena] de cerca de 700 euros por mês”.

“O mesmo funcionário público, além do aluguel irregular dos imóveis percebia igualmente propina”, segundo relata a mesma fonte, “às vezes chamada de ‘presente’, outras vezes de ‘prêmio’ , “circunstância documentada graças às microcâmeras instaladas pelos investigadores da Equipe Móvel no interior dos escritórios municipais”, onde “corruptores” tinham fácil e, por vezes, prolongado acesso. O relato do inquérito fala ainda em fotos que teriam sido tiradas no interior dos órgãos públicos e usadas nas redes sociais como propaganda para o aliciamento de clientes. Os negócios, segundo cálculos da polícia italiana, teriam envolvido até aqui a importância de 600 mil euros (equivalentes a cerca de quatro milhões de reais).

Segundo a agência Ansa, nos últimos anos, a polícia e o ministério público italiano desmantelaram diversas quadrilhas que praticavam corrupção e fraudes nos processos de reconhecimento da cidadania italiana ‘iure sanguinis’, “especialmente envolvendo brasileiros”. E afirma que “o problema mais frequente é a questão da residência”, pois “para obter o reconhecimento, é preciso comprovar moradia na Itália, o que exige a permanência por um período relativamente incerto, mas que pode durar por volta de três meses”.

Em alguns inquéritos, diz ainda a agência, “existe a suspeita de irregularidades no reconhecimento da residência, papel que cabe a um guarda municipal, o chamado “vigile”. Há também assessorias que vendem a ideia de que tal etapa pode ser concluída rapidamente ou sem a necessidade da presença permanente do candidato em solo italiano, o que vai de encontro ao que estabelece a lei”. No caso em tela, diz a agência, “a investigação gira em torno da suposta corrupção de servidores municipais para garantir o reconhecimento da cidadania para brasileiros”.

Segundo outro jornal online italiano – TgVercelli – a atividade da associação criada entre o pessoal da Arena e os funcionários públicos “se desenvolveu através de uma série de falsos certificados de residência dos cidadãos brasileiros, carentes do elemento subjetivo da vontade de estabelecimento em um determinado lugar. Os brasileiros, de fato, permaneciam em Crescentino apenas durante o tempo estritamente necessário para a obtenção da cidadania italiana para, depois, estabelecerem-se em outras áreas do território italiano, em outros países da União Europeia ou, mesmo, para retornar ao Brasil”.

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Ao comentar o fato em seu perfil no Facebook, o deputado ítalo-brasileiro Luis Roberto Lorenzato se refere à “velha máxima” de criar dificuldades para vender facilidades. Dizendo que nada justifica a fraude e que, “de fato existe o jeitinho brasileiro’, ele pergunta “quem estimula essa loucura de precisar ir à Itália, se sujeitar a fazer falsas residências?”. E mais: “Não vemos ítalo-argentinos (país em crise), ítalo-venezuelanos (país destruído), ítalo-americanos, ítalo-canadenses, etc. participarem desse esquema mafioso. Vale lembrar que o crime acontece na Itália por polícias municipais e funcionários públicos dos ‘comunes’ da Itália; os ítalo-brasileiros são clientes, vítimas das filas de 13 anos no Brasil”,  realidade que “não existe em Buenos Aires, New York, Santiago do Chile, Toronto”.

Há pouco, Lucas Milioli comunicou ter concluído uma demorada reunião com o “pessoal da Itália” e desmarcou a vídeo-entrevista que havia combinado com a redação de Insieme.