Dois abaixo-assinados dirigidos a autoridades italianas pedindo o fim das “filas da cidadania” estão circulando pelas redes sociais desde o período de carnaval: um de iniciativa do PD – Partido Democrático no Brasil, cujo expoente é o deputado Fabio Porta, e outro de iniciativa do senador Fausto Longo, que integra o PSI – Partido Socialista Italiano. Os dois documentos nascem das pressões exercidas por internautas membros de grupos que atuam na Internet sobre a representação parlamentar dos italianos no exterior e vieram à luz depois de duas experiências semelhantes realizadas isoladamente: um abaixo-assinado dirigido ao Embaixador da Itália no Brasil e uma carta-aberta
O primeiro documento tem como título “Petição popular para a melhoria dos serviços consulares italianos” e é dirigido ao presidente do Conselho de Ministros, Matteo Renzi; ao ministro da Economia e Finanças, Pier Carlo Padoan; ao ministro das Relações Internacionais e Cooperação Internacional, Paolo Gentiloni, além do embaixador da Itália no Brasil, Raffaele Trombetta, enquanto o segundo, endereçado ao presidente do Senado, Pietro Grasso, e ao presidente da Câmara dos Deputados, Laura Boldrini, tem o nome de “ Petição popular ‘somos todos italianos’.

A dualidade de iniciativa sobre o mesmo tema não disfarça a competição que passou a se estabelecer pelo maior número de signatários. Apesar disso, o abaixo assinado com as cores do PD contabilizava apenas 1.767 assinaturas por volta das 21 horas deste domingo (14/02/2016), enquanto a iniciativa com o timbre do PSI somava número ainda menor: 1.197 assinaturas. Ambas as correntes passaram a bombardear grupos da internet com mensagens apelativas, lançando mão também das ferramentas de e-mails disparados a associações e entidades vinculadas aos movimentos que se ocupam da cultura italiana.

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endereçada ao Consulado Geral da Itália em São Paulo.“Embora sejam petições similares – justifica-se o senador Longo em sua página no Facebook –  cada qual tem a sua função específica e ambas são, em sua essência, extremamente necessárias para despertar o governo italiano para a realidade da comunidade italiana, com ou sem a cidadania, que clama por seus direitos”.

Segundo Longo, a petição encabeçada pelo partido concorrente “trata do aperfeiçoamento dos serviços consulares e de garantir que os 300 euros cobrados nas solicitações de reconhecimento da cidadania italiana sejam alocados na própria atividade consular, bastante fragilizada”. A petição “por nós proposta enquanto senador pelo PSI” – explica o senador – “também e da mesma forma exige maiores investimentos na infraestrutura de atendimento da rede consular, defendendo que os 300 euros hoje cobrados graças a uma emenda do senador Tonini, também do PD, se caracterizem como verba ‘carimbada’ destinada à superação da questão das já famigeradas filas da cidadania e da absurda, lenta e retrógrada burocracia hoje existente”.

Ironias e farpas à parte (afinal, o PD é o partido majoritário que apoia o atual governo italiano e é de um de seus parlamentares a iniciativa da cobrança da famigerada taxa dos 300 euros), Longo explica ainda que sua “petição apresenta uma alternativa ao atual processo de obtenção do reconhecimento da cidadania, propondo a regulamentação de mecanismos legais de obtenção da cidadania nas próprias cidades de origem dos ascendentes ou antepassados das pessoas que possuem constitucionalmente esse direito, sem a necessidade das, também famigeradas, ‘assessorias’, algumas éticas, outras nem tanto”.

Os termos do abaixo-assinado proposto pelo PD do Brasil, que foram discutidos durante uma reunião realizada no final de janeiro em Vitória-ES, constam do site do Partido Democrático (PDMundo) e ali se lê que “a atual realidade dos serviços consulares italianos não é adequada às grandes dimensões de nossa comunidade no exterior”, classificando o caso do Brasil como “clamoroso”. A “decisão histórica” antes referida pelo deputado Fabio Porta, até aqui, não apareceu e seus concorrentes políticos do Maie – Movimento Associativo Italiani all’Estero estão pedindo que a lei seja alterada, pondo fim à cobrança.”Parem de enganar os italianos no exterior”, escreveu o coordenador do partido no Brasil, Luis Molossi.

Sobre a taxa dos 300 euros, instituída por lei e que entrou em vigor dia 8 de julho de 2014 (aqui o documento do PD comete um erro, dizendo que a taxa foi introduzida em agosto de 2014), pede-se que ela seja destinada aos consulados onde o recurso foi gerado, para “a contratação local de pessoal e digitadores” para melhorar a prestação de serviços que, por sua vez, geraria novo aumento de entradas, enquanto os novos cidadãos também produziriam reflexo positivo no fenômeno do “turismo de retorno”, do fluxo cultural e de estudos, além de investimentos econômicos na Itália.

Embora a movimentação que os dois documentos estão gerando, não há, entre os que se manifestam com frequência sobre o assunto, muita expectativa nos resultados dos abaixo-assinados. O ex-presidente do Comites do Recife, Salvador Scalia, lembra, por exemplo, que os Comites e CGIE já fizeram isso no passado e o número de pessoas que aderiram o movimento foi pequeno diante da enormidade das filas, hoje calculadas em mais de 500 mil pessoas – um número que seria bem maior não fossem as crônicas dificuldades antepostas aos interessados, a começar pelo tempo: há consulados onde um pedido desses pode ficar na fila dez ou mais anos.

“Parole, parole, parole”, costuma dizer Scalia diante do que classifica de ‘factoides’, bem ao gosto de alguns políticos, apontando o dedo para as duas petições. Tanto que nem mesmo os Comites, de forma institucional, ou os conselheiros atuais do CGIE, exceto alguns compartilhamentos, vieram a público para reforçar para valer a iniciativa dos dois parlamentares. Silvia Alciati, de Belo Horizonte, por exemplo, prefere  mais publicidade para uma terceira petição: a endereçada ao Presidente Mattarella, da Itália, pedindo que ele impeça cortes nos fundos para a língua italiana no exterior. Esse abaixo-assinado, na mesma data dos anteriores, contava apenas 155 apoiadores.

O coordenador de um dos grupos atualmente mais atuantes no FB (“Contra as Filas dos Consulados Italianos no Brasil”), Daniel Laguna, está convocando “quem está há mais de 730 dias na fila” a formar um grupo para entrar com uma ação judicial coletiva no Tar – Tribunal Administrativo Regional (sede em Roma): “posso ajudar a achar um advogado e negociar com ele”, diz Laguna, logo abaixo da manifestação de Ariel Stenius Mora: “estou chegando à conclusão de que tudo o que fizemos desde 2000-2002 para os enfileirados não resultou em nada. Só está servindo para esses camaradas que alimentam a ansiedade dos enfileirados para tirar vantagem financeira”.

O texto em português, na íntegra, do abaixo-assinado liderado pelo PD é o seguinte:

“Os serviços consulares são o cartão de visita da Itália no exterior além de um serviço devido a cidadãos residentes no exterior e àqueles que segundo a legislação italiana têm direito ao reconhecimento da cidadania italiana por descendência.

A realidade atual dos serviços consulares italianos não é adequada às grandes dimensões de nossas comunidades no exterior e proporciona um serviço precário aos compatriotas, negando  de fato – clamoroso o caso do Brasil –  o direito ao reconhecimento da cidadania italiana. A responsabilidade não é do corpo diplomático ou dos trabalhadores da rede consular, mas de insuficientes recursos disponíveis. Precisamente para criar recursos adicionais é que foi introduzida em agosto 2014 a contribuição de 300 euro para cada processo de reconhecimento da cidadania italiana de requerentes maiores de idade.

Os ABAIXO ASSINADOS, cidadãos italianos e em espera do reconhecimento da cidadania, requerem que esta contribuição seja usada para melhorar os serviços consulares graças à admissão de pessoal com contrato local e digitadores e através da assinatura de convênios com entidades qualificadas capazes de apoiar a prestação dos serviços consulares.

Os ABAIXO ASSINADOS ressaltam que esta medida não constitui um aumento estrutural da despesa na medida em que o aumento dos efetivos gera novas receitas especificamente com o pagamento da contribuição de reconhecimento de cidadania por centenas de milhares de requerentes que estão atualmente em filas de espera indignas de um Estado de direito; novas receitas seriam também asseguradas pela prestação a estes novos cidadãos de outros serviços a partir da emissão do passaporte.

O aumento do número de cidadãos italianos no mundo seria assim acompnhado por um aumento paralelo das receitas (as chamadas “percepções consulares”), que poderiam ser reinvestidas não só na melhoria do serviço, mas também em programas destinados a dar aos “novos cidadãos “plena consciência dos seus novos direitos e deveres (língua e cultura, representação, assistência, internacionalização do comércio e da cultura, informação e comunicação).

Se reforçaria, finalmente, a presença italiana no mundo com o aumento exponencial do fenômeno do “turismo de retorno”, do fluxo cultural e de estudo à Itália, e dos investimentos econômico no nosso país.”