A circular n. 6497 de 06/10/2021 está cancelada pelo Ministério do Interior do governo italiano.

Com uma nova e extensa circular, o Ministério do Interior do governo italiano acaba de revogar orientação da famosa carta que, no ano passado, aconselhou o sobrestamento dos processos de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis em função da tese defendida pela Advocacia do Estado sobre a chamada Grande Naturalização brasileira.

O novo documento – segundo informa o advogado italiano Antonio Cattaneo – já foi assinado e dirigido aos ‘Prefetti’ (representantes do governo nas províncias) que, por sua vez, deverão enviá-lo aos prefeitos de cada um dos municípios. A nova circular também foi enviada aos Comissários das Províncias Autônomas e Região Autônoma de Vale d’Aosta, além do Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional, que a fará chegar às embaixadas e consulados.

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A nova orientação do Ministério do Interior tem a assinatura do mesmo diretor (Rabuano), revoga a circular  6.497 de 06/10/2021 e está baseada na decisão das Seções Unidas da  Corte Suprema di Cassazione, tomada através das sentenças n. 25317 e n. 25318, de 24 de agosto último, que cassaram duas decisões da Corte d’Appello di Roma.

“Vossas Senhorias são convidadas a informar os Municípios sobre os referidos princípios e a fornecer indicações visando a retomada do tratamento dos pedidos, suspensos até a decisão jurisprudencial em questão”, diz a circular em certa altura, depois de formular um breve resumo da decisão da Suprema Corte.

Amanhã, às 10 horas, o advogado Antônio Cattaneo concede entrevista a Insieme para explicar o alcance da medida. Cattaneo foi o patrono de um dos recursos vitoriosos perante a Cassazione. Abaixo, publicamos o texto da nova circular por nós traduzido.

Ministério do Interior
DEPARTAMENTO PELAS LIBERDADES CIVIS E IMIGRAÇÃO
DIREÇÃO CENTRAL DOS DIREITOS CIVIS, CIDADANIA E MINORIAS

Roma, data do protocolo

AOS SENHORES PREFETTI (DELEGADOS DO GOVERNO)
AO SR. COMISSÁRIO DO GOVERNO DA PROVÍNCIA AUTÔNOMA DE TRENTO
AO SR. COMISSÁRIO DO GOVERNO DA PROVÍNCIA AUTÔNOMA DE BOLZANO
AO SR. PRESIDENTE DA REGIÃO AUTÔNOMA DE VALLE D’AOSTA

e, para o conhecimento

AO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
AO DEPARTAMENTO DE ASSUNTOS INTERNOS E TERRITORIAIS
Direção Central de Serviços Demográficos

ASSUNTO: Reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis – Grande naturalização brasileira

Dá-se sequência à conhecida circular n. 6.497, de 10/06/2021, com a qual este D. C. forneceu orientações sobre o tratamento dos pedidos de reconhecimento da cidadania italiana jure sanguinis apresentados por descendentes de italianos que emigraram para o Brasil, ou ali residiam permanentemente, à época da chamada “Grande Naturalização” em massa de 1889.

Sobre isso, o a Corte de Cassação em Seções Unidas, com as sentenças n. 25317 e n. 25.318, de 24 de agosto de 2022, deu provimento aos recursos propostos, anulando as sentenças da Corte de Apelo de Roma com o reenvio para análise de mérito, e estabeleceu princípios fundamentais sobre a questão de direito.

A quaestio iuris envolvia a instituição da perda da cidadania por parte dos cidadãos italianos emigrados para o Brasil e ali submetidos à naturalização em massa no final do século XIX, com expectativa de refletir na linha de transmissão dos descendentes. Como se sabe, a Corte de Apelo de Roma havia indeferido o pedido de reconhecimento iure sanguinis da cidadania dos descendentes do antepassado com base na interrupção da linha de transmissão.

A este respeito, A Corte de Cassação revogou esta interpretação sobre o fenômeno da chamada Grande naturalização brasileira de estrangeiros no final de 1800, sobre a natureza da cidadania e sobre a possível perda ou renúncia da mesma.

As Seções Unidas estabeleceram os seguintes princípios de direito:

– de acordo com o sistema delineado pelo Código Civil de 1865, pela subsequente lei de cidadania n. 555, de 1912, e a atual l. n. 91, de 1992, a cidadania por nascimento adquire-se de forma original iure sanguinis, e a condição de cidadão, uma vez adquirida, tem caráter permanente e imprescritível, podendo ser executada a qualquer tempo com base na simples prova da sua aquisição pelo fato de nascer de cidadão italiano, de modo que quem solicitar o reconhecimento da cidadania é responsável apenas pela comprovação do fato da aquisição e da linha de transmissão, cabendo à outra parte, que fez a exceção, provar qualquer interrupção.

– o instituto da perda da cidadania italiana, regida pelo Código Civil de 1865 e pela lei n. n. 555, de 1912, onde entendido em relação ao fenômeno da chamada Grande Naturalização de estrangeiros presentes no Brasil no final do século XIX implica uma exegese restritiva das normas pertinentes, no contexto dos princípios constitucionais surgidos, uma vez que o da cidadania pode ser contado entre os direitos fundamentais; Nesta perspectiva, o art. 11, n. 2, e.e. 1865, ao estabelecer que a cidadania italiana é perdida por quem tiver “obtido a cidadania em país estrangeiro”, implica, para os efeitos na linha de transmissão iure sanguinis aos descendentes, que se apure o cumprimento, pela pessoa no momento emigrada, de um ato espontâneo e voluntário destinado a adquirir a nacionalidade estrangeira – por exemplo complementado por um pedido de inscrição nos cadernos eleitorais de acordo com a lei do local -, sem que o ter estabelecido a residência no estrangeiro, ou ainda ter estabilizado as suas condições de vida no estrangeiro, possa ser considerado suficiente, juntamente com a falta de reação à medida de naturalização generalizada, para configurar a extinção do status pela aceitação tácita dos efeitos daquela medida.

Diante do exposto, fica claro que a extinção do status civitatis italiano não se cumpriria pela mera aceitação tácita dos efeitos do dispositivo da Grande Naturalização, uma vez que o direito fundamental em questão não é suscetível de renúncia tácita ou silêncio.

Orientação regulatória adicional é manifestada pela mesma Corte, através dos artigos 3, 4, 16 e ss. e 22 da Constituição, bem como no art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, e no Tratado de Lisboa, de 13 de dezembro de 2007, segundo o qual o direito subjetivo inalienável e permanente à condição de cidadão determina inevitavelmente que a perda possa ocorrer exclusivamente com ato voluntário e explícito em conformidade com a liberdade individual e, portanto, nunca por renúncia tácita.

No que se refere à questão relativa ao desempenho de “um cargo de governo estrangeiro”, os magistrados também esclareceram o sentido das disposições contidas no art. 11, parágrafo 3 do Cód. Civil abr., bem como no art. 8º, § 3º da Lei nº. 555/1912, estabelecendo que a perda da cidadania italiana relacionada ao desempenho de um cargo junto a um governo estrangeiro só pode ser efetivada na presença de alguns requisitos específicos. Em essência, deve ser um emprego estritamente governamental, que tenha resultado na assunção de funções públicas no exterior, de modo a impor obrigações de hierarquia e lealdade ao Estado estrangeiro, de natureza estável e basicamente definitiva, de modo que não possa configurar-se como a mera realização, no estrangeiro, de qualquer actividade laboral pública ou privada.

Diante do exposto e revogando o disposto na referida circular n. 6.497, de 10/06/2021, Vossas Senhorias são convidadas a informar os Municípios sobre os referidos princípios e a fornecer indicações visando a retomada do tratamento dos pedidos, suspensos até a decisão jurisprudencial em questão.

Nesta ocasião, recorda-se também que os litígios relativos à apuração do status da cidadania italiana iure sanguinis foram atribuídos às secções especializadas do Tribunal Ordinário do lugar onde o requerente reside e, com efeitos a partir do passado dia 22 de junho, quando o requerente reside no exterior os litígios relativos à apuração do status da cidadania italiana são atribuídos em função do município de nascimento do pai, mãe ou antepassados cidadãos italianos, de acordo com as disposições combinadas dos artigos 1 e 4, parágrafo 5, da lei 46 / 17, este último alterado pelo parágrafo 36 do art. 1 da lei de reforma do processo civil n. 206, de 26.11.2021, entrou em vigor em 24.12.2021.

Confirmou-se, portanto, a transferência de competência para as referidas controvérsias do Tribunal ordinário de Roma para as seções especializadas do Tribunal Ordinário do local de residência e, consequentemente, haverá uma transição semelhante do Procurador Geral do Estado para os Procuradores Distritais, em relação aos respectivos litígios.

É o que temos a dizer, conforme informado pelo Ministério das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional à rede consular dos Oficiais do Estado Civil no exterior, reservando-nos no direito de prestar qualquer informação adicional de acordo com a Advocacia do Estado e o Ministério das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional, também com base nos próximos acórdãos da Corte de Apelo de Roma ao qual a questão foi submetida.

Agradecemos a atenção e permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos úteis.

O DIRETOR CENTRAL
Rabuano