Faltando apenas um mês para a sentença da Corte Suprema di Cassazione sobre a tese da Grande Naturalização brasileira e renúncia tácita da cidadania italiana, o advogado e professor italiano Giovanni Bonato acredita na confirmação da jurisprudência majoritária até aqui firmada e, portanto, na derrota definitiva da argumentação levantada pelo Ministério do Interior, através da Advocacia do Estado. “Eu espero, com outros colegas e amigos, dar nossa contribuição para que haja um julgamento favorável para a causa e um julgamento sobretudo correto, um julgamento justo. Que seja proferida uma sentença justa, conforme as regras de direito material e processual. Essa é nossa esperança”, disse Bonato em tele-entrevista exclusiva à revista Insieme.

O advogado que está produzindo novos artigos técnicos sobre a matéria, assegura que vai acompanhar o julgamento, mas não se sabe ainda se no plenário das “sezioni unite” haverá sustentação oral “devido à pandemia”. Embora admitindo que “o cenário é múltiplo”, Bonato assegura que, pessoalmente, acredita “em alguma confirmação da jurisprudência precedente” e que a Corte de Cassação “confirmará o julgamento sobre a necessidade de identificar uma verdadeira vontade expressa de abdicar e, portanto, renunciar ao status de origem – a cidadania italiana”. Sem a prova da renúncia expressa, que cabe ao Ministério fornecer, “é descabido, é inadmissível, não tem fundamento decretar uma perda da cidadania italiana”, argumenta Bonato na entrevista.

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Mesmo sem provar a renúncia da cidadania italiana por parte dos imigrantes italianos naturalizados compulsoriamente no início do governo republicano brasileiro, a Advocacia do Estado italiano passou a recorrer de decisões de primeiro grau, para contestar a cidadania ‘iure sanguinis’ obtida perante o tribunal romano de primeiro grau, uma questão que atingiria pelo menos um terço do universo atual de ítalo-descendentes do Brasil. Além disso, baseado em apenas duas sentenças de segundo grau, o Ministério do Interior orientou prefeituras e consulados para o sobrestamento dos pedidos de cidadania de ítalo-brasileiros, apresentados perante os órgãos administrativos italianos.

Nos últimos meses, quer em função do anúncio, pela Suprema Corte, da antecipação do julgamento dos recursos interpostos, quer em função de sentenças rejeitando a tese da GN e condenando o Estado Italiano ao pagamento de pesadas custas em sentenças de segundo grau, a ‘Avvocatura dello Stato’ praticamente desistiu de recorrer, salvo raríssimas exceções. E, enquanto algumas audiências de segundo grau vem sendo adiadas também à espera do julgamento da ‘Cassazione’, no primeiro grau ocorre o contrário: muitas audiências foram ou vem sendo antecipadas, segundo conta o advogado Bonato.

Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de Roma “La Sapienza” e professor concursado na Universidade de Paris “La Défense”, o advogado já conhecido dos leitores de insieme atua no Brasil e nos tribunais superiores italianos, sendo “avvocato cassazionista”. A seguir, transcrevemos a íntegra de sua entrevista:

Com a aproximação da data do dia 12 de julho próximo, aumentam as expectativas e ansiedades de milhões de ítalo brasileiros e ítalo descendentes. Como estão as expectativas do mundo jurídico diretamente envolvido na questão?

Boa tarde a todos! Antes de mais nada, gostaria de agradecer pelo honroso convite. É sempre uma grande alegria e satisfação para mim fazer parte da revista Insieme, contribuir com a minha opinião para o desenvolvimento de idéias e difundir opiniões sobre a questão do reconhecimento da cidadania para ítalo brasileiros e, em geral, para ítalo descendentes. Como todos sabemos, no dia 12 de julho ocorrerá uma audiência perante a Corte de Cassação italiana. Essa audiência ainda não sabemos se vai ser oral ou se vai ser uma audiência “a trattazione scritta”, ou seja, uma audiência por escrito por causa da emergência Covid 19.

Dito isso, em 12 de julho, as “sezioni unite”, ou seja, uma turma maior, mais ampla, uma turma composta por nove ministros só será chamada a julgar a questão da grande naturalização dos estrangeiros que se encontravam no Brasil em 1889, em 1891. Como já tive a oportunidade de escrever na Revista Jurídica “Juditium”, a meu ver, a questão da Grande Naturalização, assim como foi posta pelo Ministério do Interior representado pela advocacia pública italiana, é descabida. É descabida porque nunca foi admitido no ordenamento italiano que uma naturalização compulsória de massa em geral pudesse provocar a perda da cidadania de origem. Isso nunca aconteceu. Porque? Porque dentro da concepção da cidadania italiana há o princípio da livre renúncia. Ou seja, recorrendo aos pressupostos indicados pela lei, é possível que um cidadão italiano possa renunciar voluntariamente à sua cidadania de origem, mas tem que ser uma renúncia espontânea. Como sabemos, o Ministério do Interior tentou várias vezes suscitar a questão da naturalização dos italianos que vieram ao Brasil, alegando a naturalização brasileira desses italianos e isso diante do artigo 11 do Código Civil de 1865, que continha as disposições que se aplicavam ao caso concreto; diante desse artigo 11 do Código Civil de 1865, aparentemente os italianos teriam perdido a cidadania de origem italiana porque aceitaram implicitamente ter sido naturalizados brasileiros. O fulcro, o coração do raciocínio jurídico da tese do Ministério está embasado sobre esse princípio da aceitação tácita da naturalização brasileira, que teria determinado, que teria provocado uma renúncia tácita à cidadania italiana de origem, diante do artigo 11, número 2 do Código Civil de 1865.

Dito isso, e como já tive a oportunidade de escrever, essa tese me parece descabida. Descabida por várias razões. Em primeiro lugar, porque se baseia numa concepção antiga, isolada e minoritária de alguns doutrinadores do final do século 19, que admitiam a renúncia tácita. Mas, em segundo lugar, é uma tese completamente superada tanto à luz do julgamento da Corte de Cassação de Nápoles, em 1907, que todos conhecemos, que ressaltou a necessidade de identificar uma renúncia expressa ou pelo menos uma renúncia à cidadania feita com provas concretas. Mas dentro da concepção atual que veio se formando, sedimentando no tempo, a jurisprudência italiana sempre frisou a necessidade de identificar um comportamento, uma renúncia que seja expressa ou que, de qualquer modo, não possa dar ensejo a qualquer dúvida sobre a abdicação da cidadania de origem.

Portanto, respondendo à sua pergunta, a expectativa é que a Corte de Cassação continue e confirme a jurisprudência precedente segundo a qual, para ter uma perda da cidadania italiana, é preciso identificar uma renúncia expressa ou um comportamento bem determinado que leve a comprovar, sem nenhuma dúvida, a vontade do interessado de abdicar à sua cidadania de origem, ou seja, não basta um provimento, um decreto legislativo do Estado estrangeiro que possa determinar a perda de uma cidadania italiana.

Essa questão, aliás, foi já enfrentada pela Corte de Cassação em outros julgamentos. Eu me lembro, por exemplo, a “legge del ritorno degli israeliti”, a lei do retorno dos judeus, que implicava os judeus que voltavam para Israel adquiriam automaticamente a cidadania de Israel. E isso podia colocar em dúvida a questão da perda da cidadania italiana, porque na década de 50 não existia ainda aquele dispositivo que contém a lei atual que permite, sem restrição, a titularidade de duas cidadanias. Naquela época, na década de 50, quando existia essa “legge del ritorno”, vigorava o artigo 8º da Lei número 555 de 1912. E essa lei previa que quem adquiria espontaneamente uma cidadania estrangeira perdia a cidadania italiana de origem. Isso para dizer que, em algumas ocasiões, oportunidades como diante da lei israelense e em outras oportunidades que a jurisprudência italiana teve que enfrentar a questão da perda compulsória, afirmou-se, com letras claras, que é possível perder a cidadania italiana apenas quando ocorrer uma renúncia explícita ou uma renúncia que possa decorrer de um comportamento voluntário. Voluntário como é a voluntariedade, espontaneidade na aquisição de uma nova cidadania por naturalização.

Já, por exemplo, também em relação à questão da dupla cidadania de origem – eu estou estudando, nessas semanas, a dupla cidadania, o fenômeno da dupla cidadania – nós sabemos que a dupla cidadania pode ser uma dupla cidadania de origem, desde o nascimento, ou uma dupla cidadania derivada, sucessiva. A dupla cidadania de origem – sempre foi claro a todos os juristas, tanto italianos quanto brasileiros ou internacionais que estudaram a matéria do conflito, aquele que se chama do conflito das leis de cidadania – sempre foi claro que o indivíduo que nasceu com a dupla cidadania italiana pelo ‘ius saguinis’, e brasileira pelo ‘ius soli’, podia manter essas duas cidadanias permanentemente ao longo da sua existência. Pelo menos é isso que foi estabelecido pela jurisprudência italiana antes da lei de 1912 e, depois, com o artigo 7º da lei de 1912.

Outros legisladores, por exemplo, que naquela época eram contrários à dupla cidadania e que tentavam impor o princípio da unicidade ou em outro sistema, quando o indivíduo alcançava os 18 anos, introduziram o mecanismo da opção da cidadania, tal seja a necessidade de escolher uma entre as duas cidadanias. Essa foi, aliás, uma solução que foi acatada pela Lei italiana número 123 de 1983, no caso em que a dupla cidadania decorria pelo ‘ius sanguinis’ por parte de pai e de mãe, mas que, aliás, foi um dispositivo legal muito controvertido, que dava a opção de escolher entre uma ou outra dentro de um ano depois da maioridade. Esse dispositivo da opção da cidadania foi suspenso, antes, por uma lei de 1986 e, em seguida, foi revogado pela lei em vigor n. 91 de 1922. Isso para resumir que, de acordo com o pensamento, a concepção da cidadania italiana, e conforme um posicionamento sedimentado na jurisprudência italiana há décadas, é possível determinar a perda da cidadania italiana apenas diante de um comportamento voluntário e espontâneo (art. 11, n. 2 e 3, do código de 1865 e art. 8 da Lei n. 555 de 1912) ou em caso de renuncia expressa, como é nos casos do artigo 11, número 1 do Código de 1865, do artigo 7º da Lei número 555, de 1912 e como é agora na hipótese do artigo 11 da Lei da Cidadania em vigor, que prevê apenas o instituto da renúncia expressa. E, aliás, há julgados nesta direção até na jurisprudência constitucional que todos conhecemos sobre a inconstitucionalidade de qualquer hipótese de renúncia automática à cidadania; nós conhecemos bem o caso da inconstitucionalidade daquela norma da perda de cidadania automática pela mulher. Portanto, o pensamento do ordenamento italiano, dos ordenamentos atuais, modernos, é que uma perda do status civitatis spossa ser admitida apenas quando tiver um comportamento expresso em relação a essa perda, a essa abdicação da cidadania de origem.

Portanto, tudo leva a crer que a Corte de Cassação, em “sezioni unite” (turma julgadora mais ampla do que a turma normal em que apenas cinco ministros julgam) onde julgam nove ministros, uma turma de maior envergadura, porque a questão é de máxima importância e muito relevante, tudo leva a crer que haverá uma confirmação da tese da jurisprudência anterior, da mesma concepção da perda. Mas na Justiça, como sabemos, ninguém pode dar uma resposta 100%. Claro, nossa expectativa é que haja uma confirmação dessa concepção liberal e voluntária da perda da cidadania. Aliás, como sempre foi confirmado de maneira unânime em primeira instância, como foi confirmado várias vezes por vários acórdãos da “Sezione Prima” da Corte de Apelação de Roma, onde vários desembargadores da Corte de Apelação de Roma confirmaram a tese da renúncia voluntária e expressa da cidadania italiana e, portanto, rejeitaram a tese da advocacia pública e não deram provimento à apelação interposta pelo Ministério, confirmando, portanto, a decisão de primeira instância, com expressivas condenações de sucumbência.

Nós temos aqui a informação sobre processos que foram adiados, como exemplo cito um processo de uma personalidade brasileira muito conhecida – o maior best seller que temos hoje na área da literatura, meu colega jornalista Laurentino Gomes. Ele está com um processo que foi adiado em função desse julgamento do dia 12. Temos informações de outros processos que foram adiados. Perguntaríamos o que isso significa, Dr. Bonato? Seria a expectativa de uma possibilidade de mudança no entendimento, ou apenas um…

Eu acho que é apenas uma cautela. Eu acho que alguns desembargadores estão sendo cautelosos e cuidadosos. Estão preferindo esperar o julgamento da última instância ou seja da Corte de Cassação, antes de proferir os acórdãos deles. É por isso que algumas audiências estão sendo postergadas em segunda instância, na Corte de Apelação, porque alguns desembargadores estão preferindo esperar o julgamento da Corte de Cassação. Isso é verdade. É cautela, simplesmente cautela. E é uma atitude que poderemos compartilhar. Uma atitude respeitável, que não me espanta.

Ao contrário, em primeira instância, está acontecendo que os juízes, muito juízes estão antecipando as audiências e, portanto, estão antecipando julgamentos. Porque, em primeira instância aconteceram nos últimos meses inúmeras antecipações. Por exemplo, algumas audiências que estavam marcadas para 2023 foram antecipadas para 2022. Portanto, existem processos – eu mesmo tenho processos, por exemplo – que duraram [apenas] quatro meses em primeira instância. Quatro ou cinco meses. Outros processos que duram oito a nove meses por causa dessas antecipações. Aliás, é importante salientar mais uma vez que quando a sentença transita em julgado, o reconhecimento é feito para a eternidade, eu diria para sempre, porque, uma vez que uma decisão em primeira instância não é objeto de recurso por parte do Ministério e, portanto, transita em julgado, o direito à cidadania do ítalo descendente nunca poderá ser questionado.

Eu me lembro sempre das palavras de Salvatore Satta – autor de “Il giorno del giudizio” – um jurista, um processualista famosíssimo que ensinou há muitos anos em Roma. Salvatore Satta sempre dizia que a coisa julgada, o trânsito em julgado, tem o poder de transformar o branco em preto. E, portanto, uma vez que ocorreu o reconhecimento dos ítalo-descendentes por sentença transitada em julgado, mesmo que por acaso, lá na frente, houvesse uma mudança de posicionamento da Corte de Cassação, essa mudança de posicionamento não poderá atingir as situações jurídicas perfeitas, esgotadas ou seja, reconhecidas com sentença transitada em julgado.

Claro, faço uma ressalva: cabe sempre aquilo que na Itália se chama de “mezzi di impugnazione straordinari”. Ou seja, alguns [recursos] que no Brasil seriam chamados de meios de impugnação. No sistema brasileiro processual se distinguem os recursos que correspondem aos “mezzi di impugnazione ordinari” italianos e os meios autônomos de impugnação, que correspondem aos “mezzi di impugnazione straordinari” italianos. Um caso clássico é a ação rescisória brasileira, que é um meio autônomo de impugnação, conforme o ensina a doutrina brasileira, lembramos Barbosa Moreira, é um meio que pode ser utilizado para desconstituir uma sentença transitada em julgado. Mas é um meio excepcional que pode ser utilizado só quando tiver provas falsas. Se um dia for descoberto que as certidões apresentadas no processo de cidadania eram falsas, daí caberia a ação rescisória e poderiam desconstituir uma coisa julgada. Mas uma mudança, uma eventual mudança jurisprudencial nunca poderá atingir fatos pretéritos. É o “overruling”, como se chama. No Brasil se chama mudança jurisprudencial. Aliás, nós poderíamos discutir horas sobre os efeitos temporais do “overruling” se houver uma eventual mudança na Corte de Cassação, se essa mudança será um “prospective overruling” ou um “retrospective overruling”, ou seja, se poderá atingir só fatos futuros, ou se poderá atingir também fatos pretéritos. Porque a Corte de Cassação, para tutelar as legítimas expectativas, poderia, em tese, até proferir um julgamento desfavorável, mas que se aplicasse apenas aos casos futuros ou àqueles que não entraram ainda com ação judicial.

Então, o cenário é múltiplo. Mas, como eu disse, eu pessoalmente, acredito em alguma confirmação da jurisprudência precedente e acredito que a Corte de Cassação confirmará o julgamento sobre a necessidade de identificar uma verdadeira vontade expressa de abdicar e, portanto, renunciar ao status de origem, a cidadania italiana. E sem a prova, sem essa renúncia expressa – sem uma prova que, aliás, cabe ao Ministério fornecer – é descabido, é inadmissível, não tem fundamento decretar uma perda da cidadania italiana.

Nós temos a informação de que em quase todos os processos, a advocacia do estado não recorreu mais. E ela se deu por vencida? Que aconteceu?

O que aconteceu é o seguinte, depende das temporadas. Por exemplo, vivemos no final do ano passado uma temporada ruim, porque entre setembro e dezembro, houve inúmeras apelações. Reconstruindo o que aconteceu, vamos na linha do tempo: Em julho de 2021 nós conhecemos aquele acórdão da Corte de Apelação de Roma, que, bem ou mal, acolheu a tese da grande naturalização e considerou que o italiano aceitou de maneira implícita o fato de ter sido naturalizado. Aceitou essa cidadania, essa nova cidadania, a nacionalidade brasileira. Se comportou como brasileiro, teve filhos, casou, viveu no Brasil e, de acordo com esse pensamento – que, graças a Deus, ficou isolado – a Corte de Apelação acolheu a tese de fato da grande naturalização, da aceitação tácita da naturalização brasileira e da perda da cidadania italiana por renúncia tácita.

Diante dessa vitória – que eu posso definir como uma vitória de Pirro, uma vitória isolada -, a Advocacia do Estado começou, de setembro até dezembro, a interpor inúmeros recursos e, realmente, inúmeras apelações foram interpostas. Mas houve, em outubro de 2021, um primeiro acórdão que considerou descabida a tese da grande naturalização; que, portanto, não deu provimento à apelação proposta e confirmou a sentença recorrida – a decisão de primeira instância. Depois, em janeiro ou fevereiro, e até recentemente, em abril, houve acórdãos que não apenas não deram provimento ao recurso e, portanto, confirmaram a sentença favorável de primeira instância, mas, além disso, condenaram o Estado italiano, o governo a pagar a sucumbência. E o pagamento, nós sabemos, foi em valor expressivo; condenações de 9.000 ou 12.000 euros, se não me engano até 15.000. Então, diante dessas condenações, é claro que o Ministério do Interior ficou com medo porque – imaginemos uma média de 10.000 euros de condenação para o governo em cem apelações, o dado já superou um milhão. Digamos que nós temos 500 apelações pendentes. Não sei o número exato, mas supondo que forem 500 as apelações pendentes, multiplicadas por 10.000 euros, isso dá cinco milhões de euros…. Multiplicando por cinco: 25 milhões de reais para uma tese descabida como a da grande naturalização, é claro que o ministério ficou com medo, porque enfrentar condenações desse tipo seria prejudicial para o ministério. Sobretudo, poderia dar ensejo até a uma responsabilidade contábil “per danno erariale” dos advogados públicos que interpuseram tantas apelações, correndo o risco de ser condenados.

Acho que é por isso também que há esse adiamento, esse postergamento das audiências da Corte de Apelação. Porque a mesma Corte de Apelação está dizendo ‘vamos ver o que fazer…”. Porque a advocacia pública poderia ou poderá até desistir da apelação. Poderá desistir. É preciso enfrentar a questão de quem paga as despesas, mas renunciando à apelação, a advocacia pública – porque é possível a desistência no juízo da apelação – o que claramente implica o trânsito em julgado da decisão de primeira instância recorrida e, portanto, a vitória para sempre dos descendentes. É por isso que as apelações pararam. Eu sei que que tem apelações ainda, mas são muito poucas. Diminuíram e diminuíram muito. Não sei dar um percentual porque são dados sigilosos. Mas nos últimos cinco meses, houve pouquíssimas apelações.

Estou, Dr. Bonato, agradecendo sempre a sua disponibilidade de esclarecer e tranquilizar o público…

Ah, a gente não falou… na verdade eu esqueci… até porque, confesso, que não estou de acordo, por várias razões, com o fundamento jurídico dessa sentença. Esqueci da sentença proferida pela desembargadora Maria do Rosário Budetta, como relatora. Ela identificou na declaração parcial, no fato de que o italo descendente não declarou também a titularidade da sua dupla cidadania perante uma autoridade estrangeira, e ela vislumbrou que esse comportamento, essa declaração parcial poderia ou pode dar ensejo a uma renúncia nos termos do artigo sétimo da Lei n. 555 de 1912. Eu até tinha esquecido desse posicionamento porque ‘data maxima venia’ diante dos juízes e dos desembargadores, acho essa tese desconfortável e criticável por várias razões. Não me convenceu o julgamento de um acórdão sobre a declaração parcial de uma nacionalidade, e não me convenceu por inúmeras razões que estou estudando e aprofundado.

Mas essa, essa é uma questão que também vai ser certamente avaliada no bojo desse julgamento que estamos aguardando, não é Dr Bonato? O senhor, de certa forma, em sua exposição elimina a possibilidade de ingerência política na decisão da Suprema Corte. No entanto, a gente percebe que há um endereço político, pelo menos por parte da “Avvocatura dello Stato”, ou seja, do Ministério ou do Governo.

Mas temos que distinguir. A “Avvocatura dello Stato” faz o trabalho dela, ou seja, representa o Ministério do Interior e, portanto, representa o governo, o Poder Executivo e o governo tem todo o direito de apresentar suas teses. Ele é a parte ré do processo, portanto, a “avvocatura” tem todo o direito de expor as teses jurídicas que considera mais adequadas e mais fundamentadas e, portanto, é o papel da “avvocatura” apresentar contestações e se opor ao deferimento do pedido. Está no direito dela e faz parte da dinâmica processual, porque a “avvocatura” é parte do processo e, portanto, uma parte é parcial, porque defende suas próprias teses. Nós sabemos que são teses descabidas, que são teses sem fundamentos, ok, mas faz parte da dinâmica processual. A Corte de Cassação é, como qualquer juiz, independente e imparcial. A Constituição italiana, no seu artigo 111, dispõe que o processo deve ser “justo”, ou seja, deve ser um “devido processo legal” – para utilizar a terminologia portuguesa –, sendo este um processo que se desenvolve perante um juiz imparcial e independente, “terzo e imparziale”. É muito difícil traduzir em português a noção de “terzietà”. Esta noção é sinônimo de imparcialidade – porque nós temos: autor e réu (requerente e requerido) e o juiz que é “terzo”, é terceiro diante da controvérsia. Diria “processus est actus trium personarum”, pois o processo se desenvolve sempre diante de pelo menos três pessoas: duas partes e o juiz imparcial.

Portanto, a característica do juiz é ser independente e imparcial. E além de ser independente e imparcial, o juiz não apenas deve ser imparcial, mas deve sempre aparecer como imparcial. Eu, sinceramente, acredito na magistratura italiana. Acredito na magistratura italiana porque, para ser ministro da Corte de Cassação é preciso enfrentar vários anos de carreira. Os ministros chegam à Corte de Cassação, não por nomeação política, como hoje aqui no Brasil, que alguns são designados pelo presidente da República. Mas eles chegam à Corte de Cassação após uma carreira em primeira e segunda instância. Portanto, são todos juízes profissionais e de carreira, que têm a mentalidade de serem imparciais e independentes. Aliás, a mesma Constituição italiana, no seu artigo 101, dispõe que “il giudice è soggetto soltanto alla legge”, o juiz está subordinado apenas à lei e o juiz deve aplicar apenas a lei.

É, aliás, a mesma definição de função jurisdicional. A jurisdição o que é? Um juiz o que faz? Julga controvérsias e, portanto, aplica a lei ao caso concreto. Essa é uma definição da atividade jurisdicional que deu Giuseppe Chiovenda, conhecido também aqui no Brasil, por ter influenciado muito a doutrina processual brasileira. Mas, dito isso, eu acredito sinceramente na independência dos ministros italianos. Eu não acho que nove ministros possam sofrer influências, ou possam ser influenciados no julgamento por parte do governo. Claro, a advocacia pública vai fazer o papel dela, ou seja, o “avvocato generale dello stato” poderá ir na audiência e geralmente a advocacia pública envia advogados competentes nas audiências da corte de cassação. Mas isso é o papel deles. Eles são a parte ré, eles são requeridos e eles têm o direito de defender a tese deles, assim como os colegas que irão participar das audiências na Corte de Cassação defenderão a tese favorável aos descendentes. Faz parte da dinâmica processual e nós esperamos nove ministros independentes e imparciais

Agradecendo, doutor Bonato, deixo a palavra livre, então, para o senhor fazer seu encerramento. O senhor tem mais alguma coisa a dizer e tranquilizar?

Eu posso dizer que é bom ter tranquilidade. Eu me sinto tranquilo. É sempre bom contribuir para o desenvolvimento da ciência jurídica, para o desenvolvimento da comunidade ítalo-brasileira. Eu espero, com outros colegas e amigos, dar nossa contribuição para que haja um julgamento favorável para a causa e um julgamento sobretudo correto, um julgamento justo. Que seja proferida uma sentença justa, conforme as regras de direito material e processual. Essa é nossa esperança.

O senhor vai acompanhar a audiência?

Sim, claro, eu vou acompanhar, acompanhar tudo. Ainda não sabemos se a audiência será por escrito, se será por sustentação oral… é até possível que a audiência seja remarcada. Porque eu tinha uma apelação agora que foi remarcada, porque mudou o desembargador. Então, tudo pode acontecer na Justiça, nós sabemos. Mas eu estou também me preparando para os tribunais locais, porque sabemos que haverá uma grande mudança agora a partir do dia 22 de junho. Na verdade, não tem nenhuma mudança do ponto de vista substancial, do ponto de vista material. O legislador não modificou a lei de 1992. A única mudança é uma alteração processual que modifica a competência territorial para julgar as ações de cidadania. E daí veremos nos tribunais locais qual será a atitude dos juízes. De qualquer modo eu, pessoalmente irei conhecer os novos juízes e, também com os outros colegas e amigos, iremos conhecer os juízes e informar os novos juízes sobre as peculiaridades dessas ações.

Por quê? Eu observei nos últimos cinco anos que a cidadania parece algo de simples. Mas estudando e analisando bem, um processo de cidadania é algo que pode ser muito trabalhoso, muito técnico e muito específico. Além do conhecimento profundo da lei material de cidadania italiana, é preciso também conhecer a lei processual, dominar claramente a língua do país em que o processo corre, porque quem não sabe escrever na língua italiana não consegue escrever peças boas. Mas isso, mesmo uma criança na escola primária entende isso. E, além disso, nessas ações de cidadania é preciso também conhecer o direito internacional privado e precisa conhecer o direito do país de onde vem o requerente. Porque nós estamos diante sempre de requerentes como dupla nacionalidade. Então, essas ações envolvem questões de cidadania italiana, de direito material italiano, de direito processual italiano, mas também questões de direito internacional privado e que nos levam a estudar o direito de origem, ou seja, o direito, no nosso caso, brasileiro ou o direito argentino, chileno, americano para ver, não apenas diante da lei italiana, mas também diante da lei brasileira, como é tratado esse indivíduo com duas nacionalidades. E esses são os meses meus de reflexão. Eu estudei bastante essa questão da dupla cidadania tanto em relação ao direito italiano quanto ao brasileiro e francês, porque a dupla cidadania é um tema central.

E dito isto, nos tribunais locais veremos. Estamos todos com esperança e todos prontos para defender os direitos dos ítalo-descendentes e novamente, como sempre foi feito no Tribunal de Roma. No Tribunal de Roma, nós temos a vantagem de ter uma jurisprudência unânime, sedimentada sobre o interesse de agir nas chamadas ações “contra as filas”, sobre algumas questões mais peculiares, processuais. Eu espero que esse posicionamento do Tribunal de Roma se expanda para a Itália inteira, mas incumbe a nós, advogados, informar juízes e escrever, contribuir para que os novos juízes possam continuar nessa atitude em prol dos ítalo-descendentes.

Agradeço muito pelo convite. Prometi fazer mais um vídeo, mais uma entrevista às vésperas do julgamento e vou cumprir com essa promessa. Para mim é sempre uma honra participar e ser convidado pela revista Insieme e por esse espaço e me coloco à disposição para qualquer mesa redonda, palestra, artigos e agradeço sempre pela oportunidade que você me outorga, me concede, com a sua gentileza. Obrigado a todos.