“Por que você é italiana, deputada [Laura] Boldrini? Porque é nascida na Itália? Pode me explicar, por favor?”. A pergunta é do deputado Luis Roberto Lorenzato (Lega) e foi feita durante o acalorado debate de hoje na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que começou a discutir as propostas de reforma da legislação sobre a cidadania italiana. Boldrini (PD), autora de um dos principais projetos em exame, não explicou, e Lorenzato passou à ofensiva, rebatendo os “argumentos xenófobos” de que “não somos italianos, não falamos o italiano” e coisas do gênero. Como resultado do clima tenso criado, o debate sobre o tema foi suspenso e adiado para outra oportunidade.
A relatar o acontecido estão alguns vídeos curtos que o próprio Lorenzato, eleito na Circunscrição Eleitoral do Exterior (América do Sul) postou em suas redes sociais, inclusive um em que ele, ao vivo, é obrigado a interromper por determinação da mesa diretora dos trabalhos. “Lamento! Italianos no mundo, não se pode filmar, não existe transparência”, diz o parlamentar alterando para a câmara frontal e encerrando a gravação.
“Ela diz que não somos italianos; então comecei por questioná-la. Desafiei a ex-presidente da Câmara a me explicar por que ela é cidadã italiana e ela não respondeu, não soube responder. Depois lavei a minha alma e a de milhões de ítalo-brasileiros”, considerou Lorenzato a Insieme. Já fora do ambiente, o deputado gravou outro pequeno vídeo diante da imagem de Giuseppe Garibaldi, “um herói que perdeu a guerra no Brasil e unificou esse país de uma forma errada”.
“Consegui derrubar a sessão e o debate foi reenviado para outra data. Eles não têm argumentos. São propostas da esquerda, do PD e do M5S que querem acabar com a nossa história. Dizem que nós somos estrangeiros, que não somos italianos, que não sabemos onde fica a Itália, que nós queremos abusar da Itália; esta é a visão dessa gente aqui na Itália”, diz Lorenzato na gravação.
Registrando sua própria intervenção na comissão da qual faz parte, o deputado começa por dizer que quem fala que “não somos italianos, é ignorante no sentido do dicionário”. Em primeiro lugar, “vocês falam o dialeto toscano”; segundo, “por que você é italiana, deputada Boldrini? Porque nasceu na Itália? Faço esta pergunta… dentro de sua experiência, que já foi presidente da Câmara: porque a senhora é italiana?”. Depois, dirigindo-se ao presidente da mesa, Lorenzato refaz a pergunta, que ficou sem resposta. Mas ele mesmo explicou na sequência do discurso:
“Ok, a senhora é italiana – argumentou Lorenzato ao microfone – não porque nasceu na Itália e, sim, porque seu ancestral, talvez um trisavô – pois temos mais ou menos a mesma idade – era vivo em 1865, quando foi instituído, por esta Casa, o Código Civil italiano. Portanto, a senhora é uma italiana como eu, de terça ou quarta geração.”
O parlamentar prossegue então explicando que os ítalo-descendentes da América não dependem de um passaporte italiano para girar pelo mundo; que quando milhões de pobres ‘escaparam’ da Itália com fome, o Brasil os acolheu de braços abertos; que temos uma lei de reciprocidade; que sendo italiano quem é filho de italiano, não há como limitar o direito em algum tempo e em condições de igualdade; que, no caso de uma alteração da lei (“se vocês tiverem esse poder”), os 32 milhões de ítalo-brasileiros – embora apenas cerca de 300 mil tenham obtido até agora o reconhecimento da cidadania italiana – não perdem seus direitos.
Lorenzato se referiu também à criação (ele fala claramente em “máfia”) de um “monstro jurídico em São Paulo e Rio de Janeiro chamado ‘lista de espera da cidadania italiana’, que não existe em Buenos Aires ou em Nova Iorque, que não existe no resto do mundo”. Depois, aludindo à chamada tese da Grande Naturalização brasileira, citou também a orientação do governo italiano, através da ‘avvocatura dello stato’, a produzir recursos nos tribunais “contra seu próprio povo”, contra as pessoas que os juízes de primeiro grau declaram “italiano desde o nascimento”. “Vocês nos acusam de sermos contrários aos imigrantes, mas vocês estão contra os vossos próprios filhos que uma vez colocaram pelo mundo”, afirmou.
Para o parlamentar, o debate é de “baixo nível” e citou que no Brasil cerca de 700 mil pessoas falam o ‘dialeto vêneto’, enquanto Leonardo Da Vinci não era italiano e, sim, toscano. Assim como o avô de Luca Zaia (governador do Vêneto – NR) nasceu em São Paulo, no Brasil.
A Comissão de Relações Exteriores está analisando as mudanças da lei 91 de 5 de fevereiro de 1992, que trata da cidadania italiana com a unificação das propostas 105 (Boldrini), 194 (Fitzgerald Nissoli), 221 (La Marca), 222 (La Marca), 717 (Polverini), 920 (Orfini), 2269 (Siragusa), 2981 (Sangregorio) e 3511 (Ungaro). É relatora a deputada Iolanda Di Stasio (M5S). O texto unificado já passou pela Comissão de Constituição com uma emenda aprovada: a que retira, para a concessão da cidadania tida como ‘ius scholae’, o tempo, antes fixado em três e quatro anos, de frequência à escola ou curso de qualificação profissional a menores estrangeiros nascidos na Itália.
Em anexo, publicamos um documento em PDF contendo todas as propostas em debate (as que foram assinalados em amarelo não foram aceitas pela Comissão de Constituição.
Mas no bojo das propostas em análise estão algumas que pretendem implantar um limite para a transmissão da cidadania “iure sanguinis” já na segunda geração. Os debates no Parlamento acontecem ao mesmo tempo em que, no Judiciário, aguarda-se o pronunciamento ( dia 12 de julho próximo) da Corte Suprema di Cassazione sobre os efeitos da Grande Naturalização brasileira e a renúncia tácita da cidadania italiana por direito de sangue.
Em sua página do Facebook (Vote pela Cidadania Italiana), Lorenzato recebeu elogios por suas posições e também os “parabéns por defender nossos direitos” (Sonia Maria Felicio). Em outro comentário, a mesma internauta se diz “confiante” e que “a esquerda, por onde passa, deixa um rastro de destruição”. Adilson Beber Oliveira Júnior pediu ao deputado que “explique melhor o que está sendo discutido na comissão”.
Já o recém eleito conselheiro do Brasil no CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani all’Estero”, Daniel Taddone, observou: “Mais uma vez o deputado Luis Roberto Lorenzato nos brinda com um patético espetáculo na Câmera dos Deputados da Itália. Num discurso confuso, Lorenzato não economiza nos tons xenofóbicos ao externar sua preocupação de que os descendentes de imigrantes italianos possam ser tratados “como africanos”. Suas bravatas histriônicas com elementos históricos completamente equivocados envergonham a comunidade ítalo-brasileira. Muitos podem achar que esse tipo de ação nos “defende”, mas se enganam redondamente. Esse tipo de fanfarronice tem o efeito completamente contrário, pois nos retrata como uma comunidade retrógrada e “pastelona””.