u CURITIBA – PR – Na homenagem de que foi alvo a comunidade trentina pela comemoração dos 130 anos da imigração para o Brasil, o presidente do Círculo Trentino de Curitiba-PR, Ivanor Minatti, lembrou ontem à noite (09.11.2005), os valores que os “sem-terra de ontem” trouxeram de além-oceano e que contribuíram para a construção de um novo país: o trabalho, a fé, a tolerância, a solidariedade e a convivência pacífica. “Quando o Velho Mundo – disse Minatti a um público que lotava o salão nobre da Câmara Municipal de Curitiba – é tumultuado por hordas invasoras de uma nova migração desordenada e já quase global; Quando a guerra cresce alhures por causa da intolerância; Quando o adversário é rotulado pelo sangue que lhe corre nas veias ou pelo sotaque das palavras que pedem pão, estes são valores que precisamos sublinhar. E cultivar com redobrado esmero”
A solenidade, realizada por proposta do vereador Luiz Felipe Braga Cortes, foi prestigiada pelo cônsul geral da Itália para o Paraná e Santa Catarina, Riccardo Battisti, e pelo arcebispo metropolitano de Curitiba, Dom Moacyr José Vitti, entre outras autoridades. Braga Cortes enalteceu a comunidade trentina de Curitiba e destacou o trabalho do Círcolo Trentino à frente dos processos do reconhecimento da cidadania italiana que interessam a milhares. O cônsul Battisti também falou na oportunidade. Representantes de mais de 50 famílias de origem trentina foram homenageados, além do próprio Círculo Trentino. Após a solenidade os convidados realizaram uma animada confraternização em coquetel servido nas dependências da própria Câmara.
Segundo disse Minatti em seu discurso, as pessoas de origem trentina no Brasil somam cerca de três milhões. Na íntegra, o discurso do presidente do Círculo Trentino de Curitiba é o seguinte:
SOMOS TODOS PEREGRINOS – “Queria neste momento ter o dom da brevidade para dizer apenas obrigado. Queria, também, ter o dom da boa oratória para traduzir toda a emoção que me vai na alma. Mas percebo que apenas dizer obrigado é pouco. E sei também que é preciso conter esse turbilhão de emoções para traduzir racionalmente o que a ocasião aconselha seja dito. Assim, tentarei ser objetivo para ser breve.
Quantos de nós aqui têm suas raízes plantadas em outro solo? Na África, na França, na Alemanha, em Portugal? Em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul ou no Interior do Estado? Em algum país do Leste Europeu ou… na Itália dos vênetos, dos romagnolos, romanos e, entre tantos outros, dos trentinos?
Esta homenagem que nos presta a Câmara Municipal de Curitiba, por iniciativa do Vereador Luiz Felipe Braga Cortes (que de mãe assina Gubert), é uma homenagem a todos nós, um dia imigrantes.
Uma homenagem que nos faz pensar no sentido das palavras que traduzem o ser humano como peregrino. Migrantes temporários cada vez mais conscientes dos valores perenes que acompanham a humanidade que precisa estar em harmonia com tudo quanto a cerca. E também cada vez mais atropelados pelos erros de ontem e de hoje cometidos.
Este evento serve para lembrar que os nossos chegaram aqui há 130 anos, quase todos acossados pela pobreza. Os sem-terra de ontem aqui plantaram suas esperanças e sonhos e ajudaram a construir uma nação. E, ordeiramente, se multiplicaram na organização de suas famílias.
Nós, trentinos, formamos hoje uma comunidade calculada em pelo menos três milhões de pessoas. Da Santa Maria do Novo Tirol da Boca da Serra, ali nas montanhas de Piraquara, onde fizeram a primeira vila no Paraná, os trentinos se espalharam pelos campos, pelas cidades do interior, pela cidade grande. Assim aconteceu no Espírito Santo, em São Paulo, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde se concentram em maior número.
Dias atrás acompanhei, representando a Federação dos nossos 57 Círculos Trentinos, uma delegação do governo do Trento em visita ao Brasil para as comemorações dos 130 anos do início da grande imigração. Estive em lugares como Piracicaba e Jundiaí, no interior de São Paulo; em Porto Alegre, em Bento Gonçalves e em Garibaldi, no Rio Grande do Sul. Percebi que muitos ainda falam o dialeto, trazem no coração a chama que divide seu amor em duas Pátrias. É natural. É também uma riqueza cultural da qual não abrem mão.
Tive oportunidade de fazer ver aos visitantes que a nossa organização é hoje o reflexo de uma força, acumulada e acrisolada no curso desses longos 130 anos que nos separam da dolorosa “partenza”.
Mas se a dor de ontem não pode e não deve ser esquecida, muito maior deve ser a alegria da constatação de quão multiplicadora foi a semente espalhada em solo brasileiro. Por todo esse imenso Brasil, a águia trentina tremula nos estandartes dos nossos círculos ao lado de nossas cores verde-amarela. E não só aí. A águia trentina tremula também nos corações de muitas de nossas brasileiras lideranças políticas, sociais, culturais, econômicas e religiosas – pois a gente trentina sempre foi e continua a ser, como a maioria dos brasileiros, gente de fé e de trabalho.
Como se vê, não fizemos feio. Ajudamos a construir a América, o Brasil, o Paraná. Fundamos e ajudamos fundar cidades. E disso nos orgulhamos. Construímos, como diz a canção, ao lado de outros imigrantes, de outras etnias e procedências, um bom lugar para morar, para viver e para realizar nossos sonhos e os sonhos de nossos filhos.
Nem tudo foi fácil, como sabemos. Mas nossa produtiva e pacífica integração nessa terra que amamos sem perder o amor pelas raízes que herdamos – é, sem dúvida, o maior legado a comemorar neste emblemático marco dos 130 anos.
Repito que devemos comemorar duplamente, agora que conquistamos, enfim, a possibilidade de ver reconhecido nosso direito à cidadania italiana jure sanguinis. Sem nos fazer piores ou melhores, isto permite-nos acrescentar formalmente à nossa identidade cívica o gêne que nos distingue pela tolerância, pela fé, pelo trabalho, pela solidariedade e pela convivência pacífica.
Quando o Velho Mundo é tumultuado por hordas invasoras de uma nova migração desordenada e já quase global; quando a guerra cresce alhures por causa da intolerância; quando o adversário é rotulado pelo sangue que lhe corre nas veias ou pelo sotaque das palavras que pedem pão, estes são valores que precisamos sublinhar. E cultivar com redobrado esmero. São estes os predicados que, historicamente, sempre distinguiram os trentinos. Que, felizmente, distinguem também os brasileiros de todas as raças, credos ou cores.
É esta a mensagem política mais evidente que deve emanar da homenagem que nos preparou a Câmara Municipal de Curitiba.
No estourar de um espumante, no brindar um copo de vinho ou num simples aperto de mão, unamo-nos todos em nossas lembranças de peregrinos de uma vez. Digamos todos um esfuziante salute… Um salute aos que um dia partiram e aos que lá ficaram, aos que chegaram e aos que tombaram na longa caminhada, aos que estamos aqui há mais tempo, ou os que agora chegam em nossas cidades ou em nossa Nação com o mesmo espírito. Aos que – como nós – continuam a sonhar.
Auguri a tutti noi, pessoas que trabalhamos pela PAZ.”