Longo anuncia em Brasília que apresentará projeto que institui o “imposto anual da cidadania” a todos os ítalo-descendentes reconhecidos

CURITIBA – PR – Detentores de passaporte ou não, mas que tenham a cidadania italiana por direito de sangue formalmente já reconhecida poderão vir a pagar um imposto anual para a Itália, segundo proposta em formulação pelo senador Fausto Longo, eleito pela área da América do Sul da Circunscrição Eleitoral do Exterior para o Parlamento Italiano (29.077 votos; 24.152 dos quais no Brasil). Atualmente, no Brasil, são cerca de 300 mil nesta situação.

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Longo não acha justo que os italianos da Península tenham que “sustentar a burocracia dos meus direitos aqui no Brasil, sem que eu contribua com nada”. Para ele, a cidadania é uma “via de duas mãos”, segundo disse durante a reunião do “Sistema Itália”, na sede da Embaixada da Itália, em Brasília, dia 12 último.

“Vou apresentar um projeto de lei – já conversei com o meu partido e ele topou – que vai criar um imposto. É cidadão? Paga imposto na Itália, anualmente, mesmo que esteja fora”, anunciou o senador na reunião de Brasília. “A idéia do Fabio (deputado Fabio Porta – NR) de a gente pagar alguma coisa por isso eu ainda acho pequena”, enfatizou o senador.

Procurado pela redação de Insieme, o deputado Fabio Porta, que não participou do encontro na Embaixada, mas que elegeu-se na mesma chapa com Longo, diz não conhecer a proposta do senador. “Me falaram que ele comentou algo a respeito em Brasília, talvez falando “a braccio” (de forma improvisada – NR); quando conhecer bem a proposta posso falar a respeito”. Entretanto, Porta acrescentou que os italianos já pagam muitos impostos na Itália e no exterior e que, entre Itália e Brasil, existe até um acordo contra a dupla tributação (que, inclusive, não está sendo aplicado de forma correta). “Minha proposta – disse Fabio – é diferente, tem uma lógica e – principalmente – tem como consequência direta a solução da “fila da cidadania” e, como consequência indireta, a demonstração do fato que quanto maior é a comunidade de origem italiana em um País, tanto maior é o benefício (direito e indireto) para a própria Italia. Não é uma taxa, nem um imposto… minha ideia não tem nada a ver com uma “imposição fiscal”.

Conforme o deputado Fabio Porta disse também em outras oportunidades, sua proposta encerra a idéia de uma contribuição “una tantum”, igual àquela que na Itália existe a favor do “Ministero dell’Interno” no caso de cidadania ‘ius matrimoni’. Também neste caso, o valor seria revertido a favor da administração competente (no nosso caso, o Consulado) para melhorar o atendimento, contratar funcionários para a “força tarefa” e conseguir, como ‘contrapartida’, a finalização dos processos em poucos meses e não mais em muitos anos”, como ocorre atualmente. “Desta maneira – conclui Porta -, finalmente, o MAE e a Itália vão entender que a cidadania ‘ius sanguinis’ trará mais benefícios e vantagens que problemas e dificuldades ao Estado italiano; e os italianos no exterior, enfim, serão considerados, como é justo que seja, italianos de “Série A”.

Clique aqui para ouvir a explicação do projeto feita pelo senador Longo

A PROPOSTA DE LONGO – Para entender melhor a proposta do senador Longo, é preciso acompanhar seu raciocínio exposto durante a reunião de Brasília, em gravação que a redação de Insieme teve acesso e cujo conteúdo parcial aqui reproduzimos: “Na Constituição italiana não tem uma linha que fale que para ser italiano precisa falar italiano. Nem para ser candidato, nem nada. Porque o povo italiano é um povo global e que conseguiu se miscigenar em todos os países onde esteve presente de forma a praticamente se transformar naquele povo.

Aliás, mesmo nós, que nos dizemos italianos, o que nos define como italianos?

Nós somos uma raça? Não somos. Raça… existem os brancos, negros, amarelos e vermelhos. Nós somos uma etnia? Mal e mal! Por quê? Porque a Península foi, na verdade, uma verdadeira festa étcnica, formada por “n” povos que por ali passaram e festejaram… escrava com soldado, soldado com prisioneiro, prisioneiro com invasor… enfim, é uma verdadeira salada. É uma Arca de Noé aquilo.

O conselheiro Walter Petruzziello, do CGIE – Consiglio Generale degli Italiani all’Estero é contra o projeto

Então a gente não pode falar que transmite italianidade. Na verdade, o que nos amarra, o que pode nos unir como povo, esse sentimento de ser um só povo, que, aliás, tem que ser construído porque não é real – um italiano não se reconhece na rua como um japonês, um sírio-libanês, como um judeu – o que nos faz termos essa possibilidade de nos sentirmos um só povo, é exatamente a decisão, vontade cultural, de assumir essa italianidade. Então, celebrar essa… a gente teria que ter o bom senso de mudar um pouquinho o discurso. Inclusive acho que a gente que atua muito forte em São Paulo, no Brasil, é fazer com que as pessoas que querem a cidadania têm que assumir a responsabilidade de, efetivamente, entender que existe uma via de duas mãos.

Quando falo issso… eu não me conformo que um grupo de trabalhadores italianos, lá na Itália, tenha que trabalhar para sustentar a burocracia dos meus direitos aqui no Brasil, sem que eu contribua com nada. Então, a ideia do Fabio de a gente pagar alguma coisa por isso, eu ainda acho pequena. Vou apresentar um projeto de lei – já conversei com o meu partido que topou – que vai criar um imposto. É cidadão? Paga imposto na Itália, anualmente, mesmo que esteja fora. Porque ai, inclusive, a Itália há de perceber que: primeiro, esta comunidade não é uma comunidade de miseráveis que saiu de lá e agora está aqui sem fazer nada. São pessoas que podem, efetivamente, contribuir para essa agenda que a Itália tem: primeiro, a agenda de vencer a crise mundial; segundo, a agenda complicada que a Itália tem para se posicionar de uma forma protagonista dentro da Europa; terceiro, enfrentar esta concorrência extremamente desproporcional dos produtos chineses.

Então nós devemos aqui é pensar como a gente pode desenvolver mecanismos e instrumentos que possam contribuir para que essa Itália, que não é mais territorial, que é uma Itália que não é mais uma Itália (no conceito de nação formada por povo mais território), mas que é um povo espalhado pelo mundo, tenha a dignidade de um ajudar o outro e sentir-se efetivamente um só povo.

É nesse sentido que o meu mandato está voltado. Eu aceito a crítica de lá falar pouco italiano; de aqui falar pouco o italiano. Essa foi a minha história. Tenho 62 anos. Não aprendi, como muita gente aqui, o italiano no berço. Na minha casa era proibido falar o italiano. Por vergonha de a Itália ter-se aliado ao nazismo. Então essa é a história, não minha, mas de muitos e muitos ítalo-descendentes. Então eu não me envergonho, não.

O senador Fausto Longo em entrevista concedida em Curitiba, na véspera da reunião de Brasília

Às vezes, quando as pessoas falam: “o que você faz lá?”, eu respondo que estou fazendo muito: são 12 projetos de lei, inclusive esse que reconhece as associações que atuam no exterior, que atuam de verdade – não aquelas entidades picaretas – mas que atuam no exterior e que prestam serviço efetivamente para a comunidade italiana, sejam reconhecidas tais como as associações italianas. O projeto de lei é da minha autoria e está lá. Então são 12 projetos de lei, estou tendo uma participação extremamente com apoio, graças a Deus, dos italianos do Estado de São Paulo, e principalmente dos italianos industriais que atuam na Fiesp. Em cinco anos – se o mandato durar cinco anos, e se não durar também, este é o único mandato meu – entregar o Hospital Italiano, porque eu tenho vergonha de andar pela cidade de SP e ver o Sírio-Libanês, ver o Beneficência Portuguesa, ver o Hospital Israelita, o Japonês, o Hospital Alemão, e a gente não ter ainda… Eu consegui com o prefeito de São Paulo a doação do terreno, e com as empresas da Fiesp a construção do hospital.

Se eu conseguir fazer com que o cidadão ítalo-descendente entenda que cidadania é um exercício, um contrato social entre o indivíduo e o Estado, e que ele tem que pagar por isso, porque é uma via de duas mãos, eu estou contente.

Segundo, se conseguir entregar esse hospital, estou contente.

Terceiro, já estamos conseguindo fazer uma boa relação comercial entre as empresas filiadas à Confindustria – Confederazione Generale dell’Industria Italiana e a Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Semana passada, recebemos 25 empresas da Úmbria, sendo que duas delas – nesses seis meses – já compraram terreno em São Carlos e Araraquara e inauguram mês que vem. Então já estão acontecendo algumas coisas nesse sentido.

Mais de uma vez eu disse que vim aqui “per imparare un po’ di quello che non conosco”, que é essa atividade relacionada aos consulados. Eu fui um crítico sempre muito duro do consulado, mas hoje eu entendo o seguinte: que a gente tem que, um pouquinho, conscientizar essas pessoas que querem a cidadania para que compreendam um pouco o que é ser cidadão.”