Lorenzato: O outro lado das ‘black friday’ da cidadania. Desconto de 50% sobre o quê? A “falácia” dos passaportes e a necessidade de “uma abordagem mais colaborativa”

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Respondendo a dois jornais italianos (Corriere della Sera e Il Messaggero) que têm criticado anúncios promocionais de empresas que prestam serviço na área da cidadania italiana no Brasil, o ex-deputado Luis Roberto Lorenzato escreveu carta em que  afirma que “O único valor existente e que se paga oficialmente é a taxa do governo de €300 por pessoa, que é cobrada pela análise dos documentos”.

“Milhões de euros são arrecadados anualmente em todos os consulados italianos no mundo, e a burocracia italiana permanece a mesma!”, observa o ex-parlamentar leguista, aduzindo que o desconto das empresas em promoções de black friday é sobre os serviços que prestam, mas “não estão vendendo cidadania; estão oferecendo serviços no Brasil para obter certidões de nascimento, casamento e óbito de pais e avós, além de realizar a tradução juramentada e a apostila de Haia”.

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“Não se trata de um desconto na taxa de cidadania, mas apenas nos serviços prestados em função da burocracia criada pela própria Itália”, assegura o texto da correspondência ao  qual Insieme obteve acesso. O tema, que está sendo explorado por políticos italianos e pela imprensa peninsular tem gerado intenso debate nas redes sociais e em grupos formados por profissionais que atuam no chamado “mercado da cidadania”.

Lorenzato aborda ainda outras questões que, em sua forma de ver, são apresentadas de forma distorcida, como o “argumento absurdo e tendencioso”, no caso dos passaportes italianos para entrar nos Estados Unidos. “Apenas em 2023, 1.100.000 brasileiros obtiveram o visto para os Estados Unidos, e a embaixada americana no Brasil publicou em seu site a celebração de um recorde na emissão de vistos”. Os brasileiros não precisam do passaporte italiano para, como turistas, terem acesso a serviços de saúde, lembra Lorenzato.

Em vez de disseminar o que classifica de “falácias”, o parlamentar aconselha as autoridades diplomáticas italianas, cujo foco deveria “estar sempre no bem-estar do cidadão”,  a “se inspirar nas práticas dessas empresas [de cidadania] que, apesar de atuarem em um ambiente burocrático, buscam facilitar a vida dos cidadãos”. Lorenzato é advogado e também atua na área da cidadania italiana.

Ontem o mesmo Lorenzato havia publicado no Facebook uma mensagem ao “Caro @antoniotajani” (ver vídeo em que ele concedeu entrevista ao vivo) em função de um comentário do partido Forza Italia  sobre as black friday da cidadania” no Brasil, também em italiano (que vai aqui traduzido) nos seguintes termos:

“Este é o resultado de uma imigração italiana ao redor do mundo, que deixou milhões de italianos na miséria. Os consulados, liderados pelo Ministério das Relações Exteriores sob sua gestão, não fazem seu trabalho, criando burocracias e dificuldades para aqueles que buscam regularizar sua situação. Dessa forma, pessoas desesperadas recorrem a agências para terem seus documentos regularizados e até a advogados.

Acho horrível ver um partido político criminalizar a profissão de advogados na Itália. A Ordem dos Advogados deveria emitir um comunicado público contra essa atitude preconceituosa.

É realmente vergonhoso generalizar! É vergonhoso ter que entrar com uma ação judicial na Itália porque o consulado, que deveria cumprir seu papel, não o faz. Leva 15 anos para realizar um registro, e o cidadão é forçado a procurar um advogado internacional para ter seus direitos reconhecidos, algo que deveria ser feito gratuitamente.

Além disso, é grave ver uma declaração de um partido político insinuando que nossos avós são falsos e seus documentos falsificados. O Brasil abriga a maior comunidade de imigrantes fora da Itália, formada por pessoas que foram obrigadas a deixar o país devido à fome e à miséria. Nós somos filhos da Itália, dessa Itália, e somos italianos. No entanto, somos penalizados pelos consulados, que não fazem seu trabalho. Somos forçados a buscar um advogado na Itália para ter nossa cidadania reconhecida. É realmente vergonhoso ter que pagar para garantir direitos que já nos pertencem!

O ministro Antonio Tajani deveria convocar os serviços secretos e a polícia italiana para investigar empresas que eventualmente praticam atos ilícitos, como falsificação de documentos. Também é necessário investigar os agentes municipais das prefeituras italianas que falsificam residências e, principalmente, os oficiais de registro civil italianos que colaboram com essas práticas fraudulentas e facilitam documentos falsificados. Uma verdadeira máfia italiana!

O ministro não pode se aproveitar da criminalidade para obter benefícios políticos. Deve combater a criminalidade e, em hipótese alguma, atentar contra a dignidade de milhões de pessoas ao redor do mundo que nasceram italianas. Isso é uma vergonha.

Atenção @giorgiameloni e @matteosalviniofficial: isso é uma armadilha!”

Após discorrer sobre números de italianos no Brasil e de brasileiros na Itália e Portugal, Lorenzato conclui pedindo aos jornais “que tenham a dignidade de respeitar o Brasil e, principalmente, os cidadãos comuns que não pediram para nascer italianos”. Publicamos abaixo o texto traduzido para o português do original em italiano, na íntegra.

CORRIERE IL MESSAGGERO
São Paulo, 20 de novembro de 2024.
Prezados Senhores,

Vamos à realidade: nas postagens, afirmam que há um desconto de 50% na Black Friday sobre o quê?

A cidadania não tem preço de venda! O único valor existente e que se paga oficialmente é a taxa do governo de €300 por pessoa, que é cobrada pela análise dos documentos; essa taxa foi criada pelo deputado Fabio Porta, do Partido Democrático. Milhões de euros são arrecadados anualmente em todos os consulados italianos no mundo, e a burocracia italiana permanece a mesma!

Vale a velha máxima, que é abominável:

“CRIAR DIFICULDADES PARA VENDER FACILIDADES!”

Na verdade, essas empresas não estão vendendo cidadania; estão oferecendo serviços no Brasil para obter certidões de nascimento, casamento e óbito de pais e avós, além de realizar a tradução juramentada e a apostila de Haia. Este é o serviço que estão prestando, e é sobre esse trabalho que estão oferecendo um desconto. Não se trata de um desconto na taxa de cidadania, mas apenas nos serviços prestados em função da burocracia criada pela própria Itália.

Outro argumento absurdo e tendencioso é a afirmação de que os brasileiros precisam do passaporte italiano para entrar nos Estados Unidos. Isso não é verdade, pois apenas em 2023, 1.100.000 brasileiros obtiveram o visto para os Estados Unidos, e a embaixada americana no Brasil publicou em seu site a celebração de um recorde na emissão de vistos!

No Brasil vivem mais de 30 milhões de descendentes italianos, e quase 900.000 são oficialmente cidadãos italianos registrados no AIRE, contra apenas 180.000 brasileiros de todas as etnias que vivem na Itália. Existe um verdadeiro paradoxo sobre quem foi invadido por quem!

Além disso, o Brasil possui três companhias aéreas que operam voos diários para os Estados Unidos e a Europa, diferente da Itália, que tem apenas a ITA. Temos Gol, Latam e Azul, sem falar nas companhias de todo o mundo que vêm ao Brasil.

O Brasil tem um acordo com Portugal que permite que todos os brasileiros vivam e trabalhem em Portugal; no entanto, isso não significa que Portugal está sofrendo uma invasão. Existem 300.000 brasileiros que vivem em Portugal, contra 1 milhão de portugueses oficiais que vivem no Brasil, sem contar que a comunidade portuguesa e seus descendentes somam 20 milhões! Portanto, não indica que as pessoas estão abandonando o Brasil, que é a oitava economia do mundo, para se aventurar em outro país.

Outra falácia é a afirmação de que o brasileiro precisa do passaporte italiano para receber atendimento médico na Itália. Isso é uma mentira, pois, desde 9 de dezembro de 1960, existe um acordo bilateral entre Brasil e Itália que permite que todos os cidadãos de ambos os países tenham acesso a tratamentos médicos na Itália gratuitamente e, no Brasil, para os italianos. Nem por isso houve uma “invasão” de brasileiros na Itália.

Qualquer brasileiro, independentemente da etnia, tem o direito de receber atendimento na Itália, seja residindo lá ou apenas como turista. Essa informação está nos sites do governo italiano e do governo brasileiro, e essa falácia cria um pânico desnecessário.

As autoridades diplomáticas italianas poderiam se inspirar nas práticas dessas empresas que, apesar de atuarem em um ambiente burocrático, buscam facilitar a vida dos cidadãos.

Criticar o Brasil e, em particular, os ítalo-brasileiros, não é uma solução para os desafios enfrentados. Ao invés disso, um diálogo construtivo e a busca por melhorias nos serviços oferecidos podem levar a um ambiente mais favorável para aqueles que já nasceram italianos e buscam apenas o reconhecimento e a comprovação de sua cidadania.

O Brasil, sendo um país moderno em termos tecnológicos, tem muito a ensinar sobre como implementar soluções digitais e práticas para melhorar a eficiência administrativa. A troca de experiências e boas práticas entre os países pode ser vantajosa.

O foco das autoridades deve estar sempre no bem-estar do cidadão. Isso implica não apenas a desburocratização, mas também a criação de canais de comunicação claros e eficientes, onde os cidadãos possam obter informações e assistência de maneira rápida e prática.

Essas considerações destacam a importância de uma abordagem mais colaborativa e inovadora por parte das autoridades diplomáticas, voltada para melhorar a experiência dos cidadãos que buscam serviços relacionados à cidadania e à imigração.

NÃO SE TRATA DE IGNORÂNCIA, POIS TODOS OS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS SÃO FRUTO DE ÓDIO, RACISMO, XENOFOBIA E INVEJA!

A ITÁLIA TEM 10% DA POPULAÇÃO EM POBREZA EXTREMA E TEM QUESTÕES MAIS IMPORTANTES COM QUE SE PREOCUPAR!

Peço que tenham a dignidade de respeitar o Brasil e, principalmente, os cidadãos comuns que não pediram para nascer italianos!

Atenciosamente,

On. Luis Roberto di San Martino Lorenzato di Ivrea”