u PORTO ALEGRE – RS – “Ao ler os outros, lemos a nós mesmos. E, hoje, quando pessoas se distanciam de pessoas, pais se esquecem dos filhos, e filhos dos pais, mais importante do que estudar e ler, é escrever.” A afirmação é do pesquisador, escritor e frei Rovilio Costa, ao passar o cargo de Patrono da 51ª Feira do Livro de Porto Alegre, a seu sucessor Alcy Cheuiche, veterinário. A maior feira do livro da América Latina foi nesta sexta (27.10.2006) sob o comando de “um olhar sobre a palavra” e homenageando o Japão. Rovilio destacou que o Rio Grande do Sul tem uma missão que a história lhe reservou de ser. Sempre mais no decorrer do tempo, “o coração cultural do Estado, do País e do mundo”.
A 52ª Feira do Livro de Porto Alegre iniciou suas atividades no Cais do Porto, abrindo já às 10 horas a Área Infantil e Juvenil. As demais áreas começaram a funcionar às 13horas. A solenidade de abertura da Feira, entretanto, teve início às 16h30min, com a apresentação do Quarteto da Orquestra Livre de Porto Alegre no Teatro Sancho Pança (Armazém B do Cais do Porto). No mesmo horário, o Grupo Isshinkan, composto por 10 Kenshi, faz apresentação de Kendô na Praça de Autógrafos. A cerimônia oficial de abertura da Feira começou por volta das 17horas, no Teatro Sancho Pança, com a presença do Presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Waldir da Silveira, do Patrono da 51ª Feira do Livro, Frei Rovílio Costa, do Patrono da 52ª Feira do Livro, Alcy Cheuiche, e do Cônsul do Japão, Hajime Kimura, entre outras autoridades. Na oportunidade, Frei Rovílio pronunciou o seguinte discurso:
”Iniciar a 52ª Feira do Livro de Porto Alegre não é apenas dar continuidade à 51ª, mas assumir a herança de uma idéia vitoriosa, lançada em 1954, pelo jornalista Say Marques, envolvendo o mundo político, cultural, religioso e a comunidade, remetendo ao livro como registro da história e da cultura, bem além e acima de mero comércio, iniciando a maior celebração cultural do Estado que, junto ao 20 de setembro, a cada ano, se torna um bastião fulcral da identidade sul-rio-grandense.
A 51ª Feira do Livro de Porto teve chuva, tormenta e sol. O São Francisco do Canindé (Ceará, estado homenageado em 2005) mandou sol. O São Francisco do Porto dos Casais mandou chuva para os jacarandás e uma tormentazinha para advertir que prever o tempo é antecipar a mentira. E nesta 52ª, a hi-no-maru (bandeira do Japão) com seu sol, une as luzes culturais do Oriente e do Ocidente, proclamando e desejando ao mundo, em seu Kimigayo (hino nacional) prosperidade e paz eterna.
A Praça da Alfândega é, historicamente, a Praça de São Francisco do Porto dos Casais, cuja capela foi aqui erguida em 1769, e elevada à categoria de freguesia em 1772. Como franciscano-capuchinho, ao ser indicado patrono da 51ª Feira do Livro de Porto Alegre, percebi que ela, antes de ter patronos, teve e tem seu padroeiro, e ordenei, através do Professor Moacyr Flores, uma pesquisa sobre a presença de São Francisco na capital, que resultou na obra São Francisco de Assis.
A Praça da Alfândega, ou Praça dos Jacarandás, tem padroeiro e patronos. Seu padroeiro é o Santo da Itália, país homenageado na 51ª Feira, o Santo da natureza e da ecologia, e o patrono da 52ª Feira do Livro, Alcy Cheuiche, veterinário, dará à Praça e à Feira também a relação da cultura com a natureza.
E Assis, desde o papa João Paulo II, se tornou o espaço espiritual e universal do ecumenismo. Eu, concluindo meu patronato da 51ª Feira, estou concluindo o noviciado com um mestre luterano, Donaldo Schüller, de profunda vivência e espiritualidade, e passo a professar não os conselhos evangélicos já incorporados em minha vida, mas os conselhos culturais do COPA, Conselho dos Patronos, e, como franciscano, atuando na Paróquia Maronita Nossa Senhora do Líbano, engajado no ecumenismo, sou privilegiado em passar o patronato a um leigo de descendência libanesa, comprometido com a religiosidade das culturas. Portanto, esta praça, sob a proteção de São Francisco, o Santo do ecumenismo, se torna também a praça da caminhada ecumênica do Estado, do País e do mundo, juntando, nesta feira, através do Japão, as experiências culturais e religiosas do Oriente e do Ocidente.
As feiras do livro de Porto Alegre, homenageando um Estado, embora neste ano não aconteça, e um país, vão desenhando para o Estado a fisionomia do Brasil e do mundo. A canção Mèrica, Mèrica, o que será esta América, cantada por italianos há 131 anos, nos atestou, na 51ª Feira do Livro, a face italiana do Estado. A relação do Rio Grande do Sul com o Brasil e com o mundo ampliar-se-ão a cada feira. E, neste ano, homenageando o Japão, olhamos para a cultura oriental, suas propostas e crenças através do país de origem de tantos irmãos que perfazem o Japão do Rio Grande do Sul, que, de forma silenciosa, dedicada, trabalhadora e eficiente, nos dão o tempero da medida certa, da tecnologia perfeita, do detalhe, do ser preciso que, por vezes, falta a nós ocidentais.
Na 51ª Feira do Livro, idosos, recém-alfabetizados, esquentaram seu coração e suas mentes ao adquirir seu primeiro livro. Cervantes, cujo Quixote fez 400 anos, seria mais gênio, se tivesse vivenciado o setor Infantil da 51ª Feira de Porto Alegre, e se pós-graduaria em genialidade no Setor Infantil no Cais do Porto desta 52ª Feira.
Ao ler os outros, lemos a nós mesmos. E, hoje, quando pessoas se distanciam de pessoas, pais se esquecem dos filhos, e filhos dos pais, mais importante do que estudar e ler, é escrever.
O livro é um conceito, hoje colocado preferentemente no papel, e secundariamente no virtual; amanhã, privilegiadamente colocado no papel, e, talvez, universalmente no virtual.
O escrever, outrora privilégio de poucos, hoje desponta como ingrediente necessário de identidade, face ao mundo da globalidade. O virtual, os blogs, os orkuts, os sites são oportunidades, sem as limitações do formal e do cultural instituídos, que possibilitam a todos serem leitores de si mesmos, para depois serem lidos também.
A palavra busca espaço para se comunicar – como força criativa, derivada da palavra do Criador, – e como força transformadora, derivada de Cristo, palavra de Deus Pai, feito natureza humana.
Superando a expressão – palavras jogadas ao vento – joguemos nossas palavras em páginas de livro real ou virtual, dando ao mundo a fisionomia de nosso pensar. O livro é seu palco de liberdade.
O escrito que vai ao papel é o mesmo que povoou nossas mentes como idéia, e ao infinito se re-elabora, buscando corporeidade. As florestas do mundo não seriam suficientes para acolher, hoje, tantas genialidades da escrita. Poucos sobrevivem à seleção editorial, mas todos podem ser autores e atores no palco virtual, espaço infinito à liberdade de pensar e do escrever. Como conceito, o livro é uma idéia universal, destinado à perenidade, independente das formas de materialidade.
Um olhar sobre a palavra, lema oportuno, proposto nesta feira, no ano do centenário de Mário Quintana, nosso poeta maior, o mágico da magia da palavra que expressa o poético da vida.
O livro, e neste ano, sobretudo o livro de poesia, será nosso mediador para o universo da cultura. Nada mais do que um prosador poeta e um poeta prosador, Alcy Cheuiche, nos brindar, nesta feira, com sua palavra que nos faz olhar e reviver nossa realidade cultural, a partir da nossa matriz maior, com Sepé Tiaraju, e a partir das matrizes do mundo que a esta matriz se juntaram, com Ana Sem Terra e Jabal Lubmàn, para, englobando todas as raças, etnias, culturas e religiões que perfazem nossa realidade, voarmos com identidade singular ao mundo global na nave de Nos céus de Paris, às vésperas do centenário de nascimento do vitorioso Santos Dumont (28-10-2006).
A nave desta 52ª Feira do Livro foi construída com dez turbinas, das quais Alcy é a turbina mestra.
Cito com reverência os patronáveis de 2006, que dão vitória à cultura sul-rio-grandense, cada um com seu próprio ser e pensar, isto é – parafraseando Sartre – com seu nada e seu ser, por isto se fizeram escritores: Airton Ortiz, Alcy Cheuiche, Carlos Urbim, Charles Kiefer, Fabrício Carpinejar, Jane Tutikian, Juremir Machado da Silva, Luís Augusto Fischer, Luiz de Miranda e Neltair Abreu.
Essas as dez turbinas, neste ano encomendadas pelo pensamento gaúcho, das quais você, Alcy, definido pela crítica como homem justo e escritor consciente, é a turbina mestra. Coordene-as todas, expresse-as todas, valorize-as todas e nossa viagem cultural alcançará o infinito. Com sua mediação, teremos uma abençoada Feira do Livro 2006. Que Deus nos abençoe e proteja, nesta missão que a história nos confiou de sermos no decorrer do tempo, sempre mais, o coração cultural do Estado, do País e do mundo!”