u São Paulo-SP – Uma exposição antológica da arquiteta que projetou o MASP chegou da Itália onde participou da 9ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza em setembro de 2004. A decisão do MASP de realizar a Exposição “Lina Bo Bardi – Arquiteto”, em homenagem a criadora do Edifício Sede do Museu, com patrocínio exclusivo da FIAT, marca o início da associação MASP-FIAT, cuja parceria proporcionará o conhecimento, desenvolvimento e valorização da cultura em nosso país.

PATROCINANDO SUA LEITURA

O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP apresenta ao público “Lina Bo Bardi – Arquiteto” de 12 de janeiro a 19 de fevereiro de 2006, uma importante mostra dedicada à abrangente obra da arquiteta artista.

A mostra foi idealizada pelos curadores italianos Luciano Semerani, Antonella Gallo e Giovanni Marras da Universidade de Veneza que oferece um novo olhar sobre a obra de Lina Bo Bardi e realizada com a colaboração do Instituto Lina Bo e P.M.Bardi.

São apresentados inúmeros estudos realizados sobre Lina desde sua morte em 1992, procurando enfatizar a “liberdade da arquitetura” que foi a base do trabalho de Lina, assim como representam visualmente seu pensamento artístico e arquitetônico. Não se trata de um jogo de espelhos que reconheceria apenas aquilo que é “italiano” na obra de Lina produzida no Brasil. Estão expostos dentro de uma criteriosa seleção, organização e apresentação, dezenas de desenhos originais, maquetes, aquarelas e esboços, projetos de mobiliário, peças cenográficas, além de outras áreas da cultura brasileira como o desenho industrial, a produção editorial, o seu acervo de arte popular e ainda reconstruções de montagens suas para exposições museológicas que evidenciam a sua construção de um “projeto de mundo”. 

Um destaque para um projeto inédito “A Grande Vaca Mecânica”, realizado por Lina em 1988, cuja construção somente se deu em 2004 na Itália por ocasião da Bienal de Veneza.

Esta abrangente mostra sobre Lina Bo Bardi (1914-1992) se propõe a provocar reflexões sobre sua obra, mostrando uma seleção de projetos que ilustram a sua inesgotável criatividade em todas as artes: não somente a obra arquitetônica em si, mas suas cenografias e figurinos para teatro, sua obra gráfica, seus projetos urbanísticos, suas notas de trabalho, design de móveis e jóias.

A mostra é dividida em 8 segmentos evidenciando “o mundo de Lina”, o seu “projeto de mundo” seus ideais e valores, indissociáveis de sua obra :

A mão do povo brasileiro reconstrói parcial e livremente uma exposição organizada por Lina no SESC Pompéia, intitulada Caipiras, Capiaus: Pau-a-pique (1984). Um pequeno bosque composto por mastros, reconstruído pelo Laboratório de Cenografia da Universidade de Veneza, é habitado pelo bestiário que Lina criou em outra ocasião. Uma gigantografia e uma série de aquarelas originais com trajes teatrais introduz o tema da Máscara.

No tema Paisagem, um quadro com Ninfas (pintado pelo pai de Lina, Enrico Bo), os complexos residenciais de Itamambuca e Camurupim (esboços em aquarelas e desenhos coloridos), a Fábrica de Perfume Rastro, a Casa do Brasil no Benin e a Casa do Benin na Bahia, assim como o Jardim Vertical para a Nova Prefeitura de São Paulo (aquarela e modelo em terracota) nos apresentam sua visão de cidade e natureza.

A dignidade da arquitetura civil é um tema central da mostra e da história de Lina, aqui expresso pelo Museu de Arte de São Paulo – MASP. Reconstitui-se o desenvolvimento do projeto, que durou cerca de dez anos, por meio de desenhos originais em que Lina estuda variadas opções volumétricas e estruturais no intuito de manter a vista do antigo belvedere, atingindo uma forma que concede à metrópole a continuidade espacial entre parque, avenida e o vale.

A Metrópole é o tema de um pequeno e surpreendente quadro de Lina Bo Bardi e, sobretudo do SESC Pompéia. Desenhos originais e uma nova maquete, com o interior detalhado, mostram a riqueza espacial e icônica da invenção narrativa que Lina utiliza para recuperação da velha fábrica. O SESC Pompéia alcançou um papel estratégico como ponto de encontro social, esportivo, lúdico e cultural a partir de uma interpretação generosa e inteligente da exigência vital de uma metrópole.

Limites indefinidos recupera através de cartazes de publicações e eventos a abrangência da ação cultural desenvolvida por Lina em São Paulo e em Salvador, ampliando o campo da sua contribuição para muito além da produção arquitetônica.

Objetos de uso, um conjunto de cadeiras das quais sobressai a Cadeira Beira de Estrada por sua essencialidade, encontramos O Polochon, o porco sem cabeça e com dois traseiros, elemento cênico realizado em 1985 por Lina para a peça teatral Ubu Rei de Alfred Jarry, dirigida por Cacá Rosset, feito em papel maché e móvel sobre quatro pequenas rodas.

Grande Vaca Mecânica, um animal sobre rodas destaca-se por ter sido um projeto desenhado por Lina nos anos 80, nunca antes construída e no ano de 2004 foi confeccionado em seus mínimos detalhes em Veneza. Trata-se na realidade de um grande elemento expositor, que funciona como um quarto dos milagres, apto a conter objetos expressivos da cultura popular brasileira: ex-votos, objetos rituais, brinquedos e utensílios realizados com material reciclável, já expostos nas mostras Bahia no Ibirapuera, de 1959, Nordeste, de 1963, e A Mão do povo brasileiro, de 1969, todas organizadas por Lina no Brasil.

Diante desta peça ficamos com o dilema do belo e do direito ao feio, assim colocados pela curadoria. 

Na Casa como Alma são expostos os desenhos de duas casas realizadas em 1958, a de Valéria Cirell (São Paulo) e do Chame-Chame (Salvador), procurando identificar no desenvolvimento dos seus projetos a profundidade interior da idéia de habitar.

Para sua montagem brasileira a exposição foi construída num espaço único e continuo. Ao lado dos cavaletes de vidro originais, uma homenagem à sua autora, vitrines horizontais vermelhas – como vermelhas são as rampas de acesso – evitam a subdivisão do espaço em saletas e corredores temáticos. A exposição se oferece ao visitante já na decida das rampas, permitindo uma liberdade de percurso coerente com seu interesse e curiosidade. Ao resgatar a transparência e a liberdade de fruição, a museografia desenvolvida para esta montagem brasileira nos lembra que ainda são possíveis estratégias culturais voltadas a permitir que o visitante forme seu próprio juízo sobre o exposto. Estimulante introdução à trajetória de Lina Bo Bardi entre a Itália e o Brasil.

 

Lina Bo Bardi, da Itália para o Brasil

Achillina Bo nasceu em Roma a 5 de dezembro de 1914. Formou-se na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma e, já tendo iniciado sua vida profissional, muda-se para Milão, onde começa a trabalhar no escritório do arquiteto Giò Ponti, diretor da Triennale di Milano e da Revista “Domus”. Durante a II Guerra Mundial, já em seu escritório próprio, a escassez de trabalho leva Lina a atuar como ilustradora e colaboradora de jornais e revistas como “Stile“, “Tempo“, “Grazia“, “Vetrina” e “l’Illustrazione Italiana“, além de editar a coleção “Quaderni di Domus“.

No dia 13 de agosto de 1943 um grande bombardeio é lançado sobre Milão e destrói o escritório de Lina. Ela então entra para o Partido Comunista clandestino e o apartamento de sua família torna-se um ponto de encontro de artistas e intelectuais italianos. Com o fim da guerra, Lina viaja pela Itália para fazer uma reportagem sobre as áreas atingidas pelo conflito. Em Roma, funda a revista semanal “A Cultura della Vita“, com Bruno Zevi, e participa do Congresso Nacional pela Reconstrução.

Em 1946, Lina casa-se com Pietro Maria Bardi, cujo sobrenome adota. Em seguida, o casal viaja para o Brasil. Em recepções, no Rio de Janeiro, conhecem personalidades como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Rocha Miranda, Burle Marx e Assis Chateaubriand de quem Pietro recebe o convite para fundar e dirigir um museu de arte no país.

Um projeto arquitetônico de Lina abrigará meses mais tarde o MASP, o museu mais importante da América Latina.

A arquiteta naturaliza-se brasileira em 1951, oficializando a paixão pelo país que a acolhera anos antes. A esse respeito, declara: “Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha ‘Pátria de Escolha’, e eu me sinto cidadã de todas as cidades”. Também em 1951 foi concluída a construção da Casa de Vidro. Erguida em um terreno de 7000 metros quadrados, foi a primeira residência do bairro do Morumbi e, aos poucos, foi sendo cercada por mata brasileira. Hoje é uma reserva tombada com espécies vegetais raras, uma amostra do que foi a antiga mata atlântica brasileira.

Até a década de 90, Lina manteve intensa atividade em todas as áreas da cultura, tendo participado de inúmeros projetos em teatro, arquitetura, cinema e artes plásticas no Brasil e no exterior. Além de seu trabalho como arquiteta, merece destaque sua talentosa atuação como artista plástica designer de móveis, objetos e jóias, cenógrafa, curadora e organizadora de diversas exposições, tendo seu olhar sempre sensível à arte popular brasileira.

Lina morre na Casa de Vidro em dia 20 de março de 1992, realizando o sonho declarado muitas vezes de trabalhar até o fim. Deixa em andamento os majestosos projetos para a Nova Sede da Prefeitura de São Paulo no parque Dom Pedro II e para o Centro de Convivência Vera Cruz.