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Texto integral da comunicação do bolsista PIBIC/CNPq Lucas Carlos Lima, durante o Workshop “Cidadania e Nacionalidade no Direito Internacional”  (27.04.2009), promovido pelo Grupo de Pesquisas em Direito Internacional  do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a coordenação do Professor Arno Dal Ri Jr. O WorkShop é o primeiro de um ciclo de eventos sobre os aspectos políticos, jurídicos e econômicos do fenômeno da dupla Cidadania em Santa Catarina, em particular no que se refere à cidadania italiana.

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Normas de direito internacional, um direito feito por Estados, influenciam diretamente os particulares, as pessoas, os indivíduos. Cabe a estas normas regular questões diplomáticas e consulares, proteção ao estrangeiro, acordos de extradição, direitos humanos, o crimes de guerra, crimes de genocídio, enfim, uma infinidade de questões de direito internacional tem os indivíduos como figuras principais.
Qual é, afinal, seu papel jurídico no plano internacional?
A primeira coisa que deve ser dita quando se pretende analisar esta matéria, e acima de tudo, essa grande pergunta “É ou não o indivíduo um sujeito do Direito Internacional”, é que não há resposta unânime, nem mesmo grande concordância entre as instituições internacionais a seu respeito.

Você não vai encontrar um Tratado ou uma sentença que crie uma regra geral solucionando a questão. A resposta pode variar de acordo com o local onde se busca, a quem você pergunta e quando você o faz.
Se perguntarmos aos doutrinadores da velha guarda, se buscarmos no século retrasado e até mesmo no início do século passado, a resposta será absoluta: num direito composto por Estados, o indivíduo tem papel secundário: não é sujeito do direito das gentes. Se hoje formos à Corte Interamericana de Direitos Humanos, a resposta será exatamente o oposto: não se pode excluir a subjetividade jurídica do indivíduo no plano internacional.
Para nós esta noite é importante, entretanto, mapearmos bem esta incerteza do que se fazer com o indivíduo, para entender, posteriormente, onde a sua cidadania, ou seja, seu vínculo com o Estado, vem a ser importante para o Direito Internacional. É o Estado ainda o representante de seus nacionais? De que vale a nacionalidade, ou a singularidade do indivíduo frente a uma corte de justiça internacional?
Sobre estas questões tratarei de abordar brevemente em minha fala. Antes, porém, é importante caracterizarmos o que é um sujeito de direito internacional.
Para Kelsen, “sujeito de direito é aquele que a ordem jurídica considera como tal”. Celso Albuquerque de Mello diz que sujeito é aquele que possui “direitos e deveres frente a uma determinada ordem jurídica”. Esta é a concepção básica de sujeito de direito: possuidor de direitos e deveres. Sobretudo, alguém que possa exigir direitos e, em caso de transgressão aos deveres, punido.
No plano internacional, a doutrina coloca mais um elemento além de possuir direitos e deveres, mas sim que possa fazer vale-los, que tenha capacidade de exercê-los, ou nas palavras de Ian Brownlie, “que tem a capacidade de manter seus direitos por meio de reclamações internacionais”. O indivíduo, hoje, tem essa capacidade? A doutrina se divide.
O direito internacional clássico, formulado principalmente no século XVIII -XIX e início do XX, não concede ao indivíduo essa capacidade. Para esses doutrinadores, e principalmente para aqueles de cunho mais positivista como é o caso de Triepel e Dionísio Anzilotti, como sujeitos de direito internacional figuram apenas os Estados, soberanos e absolutos no criar e atuar sob as normas internacionais. Este é um posicionamento que vai ao encontro da prática internacional do período. Para estes autores, onde também figuram Rolando Quadri e NOME Sereni, os indivíduos são equiparados a barcos, aeronaves ou fronteiras, como se o direito internacional simplesmente versasse sobre eles. Dentro desta concepção cabe ao Estado a representação jurídica de seus nacionais no plano internacional, sobretudo através da representação diplomática.
O direito internacional vinha recebido, incorporado no ordenamento interno dos Estados e somente então os nacionais tornavam-se seus destinatários diretos, podendo invocá-lo e exigi-lo, mas exclusivamente após esse processo de incorporação. Os particulares eram súditos do Estado e não poderiam ultrapassar as fronteiras deste para no plano internacional atuar juridicamente.
Em posição antagônica está a chamada Escola Francesa de Direito Internacional, de cunho anti-formalista, que tem como um de seus principais expoentes Georges Scelle. Para este e outros juristas como Leon Duguit e Nicolas Politis, os indivíduos são os únicos sujeitos do direito internacional. Defendem esses autores que os Estados são uma ficção jurídica e como tal, não podem ser sujeitos de direito, cabendo ao indivíduo esse protagonismo.
O debate acadêmico perdura e até hoje podemos ver em nossos manuais autores como Francisco Rezek afirmarem que os indivíduos não são sujeitos de direito internacional, enquanto que Antônio Augusto Cançado Trindade diz o contrário. A afirmação de Rezek se dá porque em sua concepção o indivíduo não tem uma relação direta com esse corpo de normas chamado em direito internacional, principalmente no que tange à sua produção.
Para Rezek, seria necessário que os indivíduos pudessem reclamar perante foros internacionais a defesa dos seus direitos diante de uma norma geral, algo que hoje não existe. Não existe uma norma específica que conceda aos indivíduos poderes no âmbito no contencioso internacional, e quando isso é possível (em questões particulares como os tribunais de direitos humanos, tribunais penais ou através de representação na corte internacional de justiça) ocorre através de um vínculo jurídico de sujeição ao Estado, que é a nacionalidade.
No século XX, porém, o Estado terá de dividir seu monopólio da subjetividade jurídica com uma inovação pós-guerras: as organizações internacionais, cuja personalidade internacional foi reconhecida pela própria Corte Internacional de Justiça, o que não foi feito aos indivíduos. Admitir dentro do direito internacional a existência de mais de um sujeito foi um grande passo para uma possível consideração dos indivíduos como tais.
É possível afirmar que houve um percurso histórico da maior participação do indivíduo no direito internacional. A primeira preocupação dos Estados, conjuntamente, em relação aos indivíduos foi na repressão à pirataria marítima. Os Estados concordam numa repressão conjugada contra estas práticas, fortalecendo seus aparatos internos. O pirata não é sujeito, mas faz com que os Estados se preocupem com os indivíduos.
Em 1907, o primeiro grande avanço, com a criação da Corte Centro-Americana de Justiça, primeira jurisdição internacional permanente formada por cinco países da América central, permitia ao indivíduo ser parte nos processos.
Em 1928, a Corte Permanente de Justiça Internacional emitiu um parecer que se tornou fonte em referências futuras na doutrina e em outras jurisprudências internacionais admitindo a possibilidade de Tratados Internacionais atribuírem direitos e deveres diretamente aos indivíduos. A própria Liga das Nações, através do seu conselho, permitia que particulares apresentassem queixas, petições ou comunicações, embora não pudessem participar como parte no Tribunal.
Outro documento que previa o reconhecimento de direitos e deveres internacionais do indivíduo era o estatuto do Tribunal de Nuremberg e também do Tribunal de Tókio. Estes dois também representaram uma verdadeira repressão a nível internacional realizada contra criminosos de guerra. Destes dois modelos é que se desenvolveu posteriormente o Acordo de Londres de 1945, Contra os Crimes Internacionais.
O advento da ONU também veio revolucionar o sistema de direito internacional. Duas foram as frentes nas quais os indivíduos figuraram como titulares de direitos e deveres e puderam exigi-lo frente a tribunais internacionais, as quais também são consideradas duas das grandes características do direito internacional moderno: o direito internacional dos direitos humanos, e o direito penal internacional.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelo ONU em 1948, veio a inaugurar uma nova preocupação dos Estados: o respeito, garantia e concretização dos direitos humanos. Trazer essa discussão para o plano internacional é garantir não só a observância por parte dos Estados, mas também assegurar que se um determinado Estado peque ou abuse quanto a esses direitos considerados essenciais, possa se buscar respaldo jurídico além de suas fronteiras.
Duas são as grandes jurisdições internacionais que tratam desse assunto, ambas em nível regional: a Corte Européia de Direitos Humanos, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Nelas é permitido ao indivíduo exigir os direitos assegurados em suas cartas fundadoras (Convenção Européia de DH e Pacto se San José da Costa Rica), tendo como pré-requisito a extinção das vias nacionais e do insucesso dessas para garantir a defesa dos direitos humanos. Existem casos de exceções a esta regra, como por exemplo o requerente correr risco de vida ou quando os recursos nacionais são inexistentes ou ineficazes.
Assim, havendo norma específica nos países que contrarie os Direitos Humanos, havendo a justiça do país decidido contra estes, pode o indivíduo ir à esfera internacional reclamar seus direitos e reclamar a negligência por parte dos Estados diante das obrigações internacionais pactuadas.
Na esfera do Direito penal Internacional, a situação não diz tanto respeito à exigência de direitos protegidos por normas internacionais, mas sim a violação destas. Independente da discussão a respeito do tribunal de Nuremberg ser um tribunal ad doc ou não, após este evento diversos tratados internacionais coibindo e repreendendo o genocídio, os crimes de guerra, a proteção às vítimas dos conflitos armados, a imprescritibilidade de crimes contra a humanidade vieram a fazer parte do acervo normativo internacional.
Em 1998, com o Tratado de Roma, criou-se o Tribunal Penal Internacional, responsável pelo julgamento de todos estes crimes, tipificando-os individualmente no tratado.
Por esta razão é que para alguns autores os indivíduos não são sujeitos do Direito Internacional geral, mas sim do que chamam “direito internacional particular”: porque sua esfera de atuação é limitada a determinadas matérias, porque podem atuar como partes somente em determinados tribunais internacionais, como estes citados.
Outra jurisdição internacional que prevê o acesso de particulares é o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, que embora seja sui generis, é um órgão criado dentro de uma organização internacional para garantir a aplicação e interpretação das normas comunitárias.
Entretanto, se encontramos juristas e instituições internacionais com posições mais progressivas e, podemos assim chamar, de vanguarda, há ainda jurisdições internacionais que não permitem o acesso direto de indivíduos nem reconhecem sua subjetividade jurídica. É o caso, por exemplo, da Corte Internacional de Justiça e o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Em ambas as situações quando um indivíduo vem fazer parte de qualquer litígio, ele é sempre representado diplomaticamente pelo seu Estado, no caso da OMC vale também para empresas.
Na Corte Internacional de Justiça o que sucede é a possibilidade de particulares terem analisados seus casos através dessa representação diplomática dos Estados, ou seja, vem o Estado requerer os direitos de seus nacionais frente às obrigações internacionais. Este procedimento estabelecido pela corte é a transformação de uma relação jurídica entre indivíduo e Estado numa relação jurídica inter-Estatal, e para tratar destas a Corte possui competência, porque a Corte não prevê ao indivíduo a possibilidade de ser titular de direitos e obrigações. 
Vários são os casos onde a representação diplomática é utilizada para particulares terem acesso à Corte Internacional de Justiça. Um deles bastante recente, que é o caso La Grand, de 2001, que reforça este posicionamento da corte e uma jurisprudência que vem sendo consolidada por todo este período: “a criação de direitos individuais previsto nos tratados deve ser requerido pelo Estado da nacionalidade”.
A questão da nacionalidade, na Corte Internacional de Justiça é colocada como fundamental para a proteção jurídica do indivíduo, e no caso Caminhos de Ferro Panevezys-Saldutiskis, ela reconhece que: “Apenas o vínculo de nacionalidade dá ao Estado o direito à proteção diplomática”. É a nacionalidade um pré-requisito para que se possa ir a corte representado por um determinado Estado.
No caso de dupla nacionalidade, a Corte prevê impossível que o indivíduo seja representado por um país contra o outro de sua nacionalidade. Outro pré-requisito que impõe a Corte para que particulares tenham acesso à sua jurisdição é o já comentado esgotamento prévio das vias de recurso interno dos Estados.
Desta forma, como advertido no início dessa conferência, uma resposta unânime a respeito do indivíduo ser ou não um sujeito do Direito Internacional é ainda uma utopia. O século último mostrou-se um período de avanços no que diz respeito à inclusão do indivíduo no sistema jurídico internacional.
O fato é que com o aumento da rede de atuação do próprio Direito Internacional e de suas instâncias de produção e aplicação do direito, seu versar sobre matérias que antes não eram seu objeto de sua atenção ampliaram também a capacidade dos indivíduos serem destinatários diretos das normas tratadas.
É verdade que no estágio atual ainda não é possível equiparar o indivíduo ao Estado na posição de sujeito; seria despropositado, demasiado. O que não pode ser feito, porém, é relegá-lo totalmente a segundo plano, seria ignorar a realidade e uma construção histórica da ciência jusinternacionalista. Para Celso de Melo admitir o indivíduo como sujeito é admitir uma das mais modernas e democráticas tendências do Direito Internacional.
Querendo ou não, o indivíduo possui um grau de atuação. Fala-se de subjetividade relativa, comedida, parcial, secundária. Não se pode negar também que a nacionalidade é ainda um dos grandes vínculos que possui o indivíduo com a representação no plano internacional. Daí a importância de estudá-la e compreendê-la na atualidade.