Detalhe da capa da edição 236 de Insieme. (Reprodução)

Os ingredientes de uma nova história controversa envolvendo o reconhecimento da cidadania italiana estão dados. Com o mandato do ex-presidente Bolsonaro expirado no último dia 1º de janeiro, somado ao seu providencial refúgio bem brasileiro na Flórida e aos absurdos e tristes atos violentos do último dia 8 de janeiro, os olhos da imprensa brasileira, italiana e até mundial voltaram-se à possibilidade de que seja reconhecida a cidadania italiana ao clã mais poderoso da extrema-direita brasileira.

E como sempre acontece, muita informação equivocada vem sendo veiculada nos meios de comunicação e nos comentários das redes sociais. A mentalidade geral, da população até altos cargos de Estado, sejam políticos ou não, é de que a cidadania italiana de pessoas como os Bolsonaro é uma “concessão governamental” que pode ser efetuada ou não, a depender do bel-prazer do ânimo do manda-chuva ou do oficial de turno.

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Quem conhece minimamente a matéria sabe que que não é assim. Pessoas de origem italiana, desde que não haja graves obstáculos encontrados no registro civil, nascem italianas. O reconhecimento é apenas uma formalidade necessária para certificar a posse da cidadania.

O reconhecimento é apenas uma formalização de um status que nasce com o indivíduo. Formalmente chama-se “verifica del possesso ininterrotto della cittadinanza italiana”, ou seja, “verificação da posse ininterrupta da cidadania italiana (desde o nascimento)”.

Se Jair Bolsonaro e seus filhos solicitarem o reconhecimento, este deverá ser efetuado nos prazos determinados por lei. A autoridade consular italiana não pode negá-lo sem fundamentado motivo encontrado na transmissão da nacionalidade desde o ancestral dante causa até o último requerente. Nenhuma autoridade pode negar o pedido tendo em base considerações políticas ou até mesmo condenações judiciais. Bolsonaro poderia ser condenado por genocídio e ainda assim deveria ter a cidadania reconhecida caso a requeira.

E quanto ao ancestral dante causa da família Bolsonaro parece haver também alguma desinformação. Fiz parte do grupo de cinco genealogistas que revelou em outubro de 2018 nesta Revista Insieme a genealogia de Jair Bolsonaro, com dados que nem mesmo a família possuía.

Examinando rapidamente sua árvore genealógica, parece evidente que o dante causa da cidadania italiana dos Bolsonaro não será o bisavô vêneto Vittorio Bolzonaro, que não se sabe por qual motivo adotou no Brasil o nome de “João Bolsonaro”, sendo que nem mesmo no seu registro de batismo consta o nome “Giovanni” como seria de se esperar.

Além dessa incongruência que representa um obstáculo importante, Jair Bolsonaro pode valer-se de uma ascendência italiana mais próxima pelo seu lado materno. De fato, seus avós maternos – Guido Bonturi e Argentina Pardini – são ambos nascidos na cidade de Lucca.

Parece-me natural, portanto, que o pedido de cidadania dos Bolsonaro parta do seu avô toscano, cujo casamento ocorreu em Campinas em 17 de abril de 1915. A via toscana de Bolsonaro lhe pouparia uma inteira geração.

Além disso, Guido Bonturi foi o único ancestral nascido na Itália que Jair Bolsonaro conheceu, tendo falecido quando o ex-presidente tinha já dez anos de idade.

Se Jair Bolsonaro solicitou ou não a cidadania italiana é algo que o tempo deverá responder, mas é fato de que ele tem direito ao reconhecimento independentemente de qualquer outra avaliação política ou judiciária e de que não há nada que se possa fazer a respeito.

Resta evidente, contudo, que ser cidadão italiano e residir na Itália não isentaria Bolsonaro de uma possível extradição da Itália caso esta seja requerida pelas autoridades judiciárias brasileiras. Existe o precedente de Henrique Pizzolato, que mesmo sendo cidadão italiano teve sua extradição permitida pelo Poder Judiciário italiano.


NOTA DA REDAÇÃO: Em resposta a solicitação feita pela Revista Insieme no dia 06/01, sobre um propalado apressamento dos “procedimentos para a cidadania italiana/passaporte da família Bolsonaro”, a Embaixada da Itália no Brasil respondeu, inicialmente, que não podia “fornecer informações sobre quem solicita ou não solicita documentos ou escrituras à Chancelaria Consular”, por “questões de privacidade”.

Ontem (10/01), entretanto, a Embaixada difundiu informação repetindo declarações à imprensa do ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, divulgadas pelas agências italianas, segundo as quais Bolsonaro “nunca pediu a cidadania italiana”. “Há pessoas que que têm o direito de solicitá-la, mas ele não a pediu”, completou o ministro Tajani.

Segundo a agência Ansa, o senador Flávio Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filhos do ex-presidente, teriam protocolado seus pedidos de cidadania italiana na Embaixada, em Brasília, no ano passado.