O local escolhido é o “Sítio do Minghinho”, área onde o movimento anarquista teve vida efêmera. Arnoldo: “A Colônia Cecília dissolveu-se, porém não morreu!”
CURITIBA – PR – Uma “obra monumental, com mais de mil páginas, enfocando tudo sobre a Colônia Cecília e seus efeitos”. É esta a definição sucinta que o próprio autor – o escritor e historiador Arnoldo Monteiro Bach – dá para a sua mais recente obra, intitulada “Colônia Cecília”, que tem lançamento marcado para a tarde do dia 5 de novembro, em ato a ser realizado com cardápio itliano no Sítio Minghinho, um local próximo onde ocorreram os fatos que narra, no município de Palmeira, 70 km de Curitiba-PR.
A obra lança mais luzes sobre a histórica formação da primeira colônia anarquista das Américas, sob a inspiração de imigrantes italianos liderados por Giovanni Rossi, a partir de 1890, quando ali chegaram. A Colônia Cecília foi um dos povoados surgidos nos Campos Gerais à margem do antigo Caminho de Viamão, construído ao longo do Século XVIII.
O livro de Arnoldo Monteiro Bach é prefaciado pelo ex-governador Orlando Pessuti para quem “a Colônia Cecília não teve tempo para fracassar”, pois, “mal chegado seu quarto ano de fundação, e com a colheita malmente recolhida, chegou de inopino um destacamento “pica-pau” leal ao Marechal Floriano Peixoto, à cata de supostos remanescentes “maragatos”, e sem entender quem era quem, pôs fogo nas tulhas e nos paióis que guardavam todos os suprimentos”. Ainda segundo Pessuti, “foi a sorte grande, os colonos ainda inquebrantados, e com seu ideário ainda intacto, se mudaram para as cidades, notadamente para São Paulo onde encontraram ambiente social mais propício à pregação de seus ideais, e à projeção cultural e artística de muitos de seus descendentes, de que hoje a Nação se orgulha”.
O autor informa que durante o lançamento do livro estarão presentes muitas “pessoas ligadas diretamente a essa história”. O espaço com objetos, fotos e documentos escolhido para o lançamento do livro é, também segundo o autor, “um grande museu vinculado ao Ministério da Cultura, que abriga vários memoriais que retratam a história da sociedade civil”. No local denominado Minguinho, onde está o Sítio, e ao qual Rossi faz referência, “era o cemitério dos anarquistas, conhecido como Cemitério dos Renegados”.
Com relação ainda ao Memorial, Monteiro lembra que “consta da Constituição do Paraná de 1989, que o Estado, em parceria com o município de Palmeira, deveria, por ocasião do centenário da Colônia Cecília, construir um memorial”, mas “até hoje isso não foi feito. Diante disso, como o meu Sítio está nesse contexto, e é um ponto turístico, onde recebo, principalmente professores e estudantes universitários, os quais sempre querem informações sobre a Colônia Cecília, resolvi fazer as duas coisas: o Livro e o Memorial”.
Arnaldo Monteiro é natural de Palmeira–PR, onde nasceu em 14 de janeiro de 1960. Licenciado em Letras (Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati), tem especialidade em Fundamentos, Teoria e Análise do Processo Instrucional (nível de 3º Grau (UFPR), é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Palmeira, criador do Museu “Sítio Minguinho” em Palmeira–PR e já publicou os livros: “Carroções”, “Alemães do Volga no Pugas”, “Contos Fantáticos”, e “Carroções: Outras Histórias”.
TEXTO DO AUTOR – Em texto para Insieme, o autor Arnoldo Monteiro Bach afirma: “A Colônia Cecília dissolveu-se, porém não morreu!”. Confira.
A Colônia Cecília foi a única experiência anarquista realizada no Brasil e a mais conhecida no mundo. Mesmo depois de um século da sua dissolução, os mitos em torno dela sobrevivem. Dezenas de pessoas, ao longo dos seus quatro anos de existência, passaram pela Cecília. Seus descendentes estão espalhados pelo mundo. Alguns guardam informações preciosas que ouviram de seus antepassados e que fazem questão de compartilhar. Outros, por recomendação dos familiares ou por preconceito, preferem o silêncio.
Ao redor de onde existiu a Colônia Cecília, as diversas comunidades existentes: Santa Bárbara, Santa Quitéria, Canta Galo, Pinheiral, Mandaçaia, Minguinho e Freitas, estabeleceram estreita relação com a colônia anarquista, bem como, as cidades de Palmeira, Ponta Grossa e Curitiba. Com a instalação do núcleo, libertários de vários países transferiram-se para o Brasil, muitos dos quais se fixaram em São Paulo e Rio de Janeiro, onde desenvolveram intensa atividade na propagação do anarquismo e em prol do operariado. Com o fim da Cecília, muitos de seus membros se juntaram a eles.
Muitas pessoas que foram contemporâneas dos cecilianos, residindo nas comunidades vizinhas à Colônia Cecília, testemunhas oculares da história, transmitiram o que viram e ouviram ao seu legado. Encontrei muitos desses personagens, alguns, quase centenários, que me ajudaram a elucidar quem foram e como viviam os anarquistas na Colônia Cecília.
As amizades, casamentos, relações comerciais, conflitos, ideologias, culturas, tudo envolvendo a Colônia Cecília e seus vizinhos, produziu efeito. Numa incursão por essas terras que testemunharam a presença desse grupo heterogêneo de italianos, depois de ampla e minuciosa pesquisa, dei vez e voz a quem esteve ligado direta ou indiretamente à história da Cecília.
Santa Bárbara, colônia criada no mesmo período da Colônia Cecília, recebeu muitas famílias, em sua maioria, de poloneses. Essa grande população, com muitos colonos fixando-se à margem da estrada principal, ao redor da Igreja e das casas de comércio, deu ares urbanos à comunidade. Entre o ir e vir de carroças e carroções, via-se também uma belíssima carruagem, trazida da Europa. Em meio a esse movimento, circulavam os cecilianos, identificados como anarquistas e ateus.
Desde a sua fundação à sua dissolução, a Cecília passou por momentos distintos: dificuldade de adaptação com a atividade agrícola, a chegada de sucessivos grupos, as constantes ausências de Rossi, a falta de estrutura e, principalmente, o conflito com a Igreja e os vizinhos poloneses.
A Colônia Cecília tem sido motivo de teses, onde sociólogos e interessados mergulham nesse cenário curioso e intrigante. Dessas viagens, retornam com reflexões e conclusões à cerca das possibilidades do ser humano viver segundo a ideologia que estava na cabeça de seu criador, Giovanni Rossi. Incrível desafio em que a ciência que estuda o comportamento humano, tem se envolvido. Estado, Família e Igreja, instituições sedimentadas através dos séculos, começaram a ser questionadas.
No entanto, além de tudo que o cientificismo já abordou exaustivamente sobre o tema, trago agora a versão humana dessa instigante história que tem gerado curiosidade e polêmica. Nessa teia se movem personagens ligados aos libertários, por sangue ou ideologia. São eles os atores a representar, sob a ótica de quem fez parte da história, os entendimentos e os conflitos, os debates e as polêmicas, a emoção e a razão, as diferenças e as semelhanças, o sagrado e o profano, o autoritarismo e a democracia.
No palco da Colônia Cecília, protagonistas e antagonistas travam diálogos carregados de metáforas. Em meio a esse fantástico jogo de palavras, a plateia vai ao delírio: acusa ou defende, absolve ou condena, protesta ou silencia, indigna-se ou excita-se. De repente, os atores descem do palco e se misturam à plateia e a discussão se agiganta. A Colônia Cecília dissolveu-se, porém não morreu!