O dramaturgo italiano Roberto Innocente (Foto Desiderio Peron / Arquivo Revista Insieme)

“Neste momento de quarentena, se não tivessem os livros, os filmes, a música, ou seja se não tivesse a Arte e a Cultura, a gente, sim, iria morrer de uma vez até sem vírus”.


“Ninguém está fazendo nada para os artistas, nenhuma ajuda seja da Prefeitura, do Estado ou do Governo Federal. Está muito difícil mesmo. Eu estou me virando e por um mês vou resistir. Depois… não sei”. O desabafo é do  ator, diretor, cenógrafo e dramaturgo italiano Roberto Innocente, que há cerca de 20 anos mora em Curitiba e, entre outras atividades, criou e dirige o grupo “Arte da Comédia”.

Em entrevista concedida agora no fim da tarde a Insieme, Innocente relata o drama de centenas de integrantes de uma categoria de trabalhadores que, assim que detonado o ‘gatilho’ da pandemia, foi a primeira a sofre com o distanciamento social imposto: teatros fechados, espetáculos suspensos, festivais desmarcados. Exceto artistas globais e assemelhados, com salários garantidos por empresas ou pelo governo, o artista é um autônomo como qualquer outro: se não trabalha, não ganha. Como chegar até o início do ano que vem – tempo que Innocente imagina para o início da normalização?

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Muitos – segundo ele conta – para não ficarem parados, estão tentando produzir alguma coisa “on line”. Ele mesmo resolveu gravar em vídeo os cantos do “Inferno” da Divina Comédia de Dante Alighieri, cujos 700 anos da morte será festejada em março do próximo ano. Mas tais atividades não geram renda. “Está tudo parado”, diz ele que é, também, professor de língua italiana”. Mas “aulas suspensas até nova ordem… eu consegui um aluno on-line. Estou tentando aumentar meus seguidores no canal do Youtube…” Com algumas sugestões para enfrentar a crise, veja o conteúdo da entrevista que ele concedeu:

  • como vivem os artistas, geralmente, trabalhadores autônomos, em época de pandemia e isolamento social no Brasil?

A maioria dos artistas, neste terrível momento, por um lado respeitam totalmente as medidas de distanciamento social (nós, artistas, somos quase todos bem responsáveis e trabalhamos em pro da população), por outro lado se encontram quase todos completamente parados. Teatros, salas de concerto, lugares de espetáculos foram os primeiros a ser fechados (justamente por aglomerarem bastante gente), assim como Festivais foram suspensos, circulações, etc. Eu com o meu grupo, por exemplo, tínhamos em programa a participação no Festival de Chapecó SC, mas foi suspenso e nem se sabe se acontecerá depois que tudo isso passar. Tínhamos que fazer uma circulação em três

cidades do Paraná, mas tudo foi cancelado. Tínhamos uma temporada em um Teatro aqui em Curitiba; fechado. Bem difícil para quem trabalha com espetáculo ao vivo… não estar ao vivo. As alternativas que muitos procuraram são através da internet. Canais no Youtube, espetáculos virtuais, leituras, músicas. Mas o problema de tudo isso é que não dá dinheiro nenhum. Tem, nestes dias, um grande movimente no Facebook de pessoas que tentam trocar inscrições nos próprios canais youtube com a esperança de chegar a 1000 seguidores por que parece que com este número de seguidores o Youtube paga cada visualização (mas quanto, não se sabe, e chegar a 1000 é trabalho de anos, não de dias). Aqui em Curitiba aconteceu mobilização de artistas com a criação de redes solidarias, festivais on line, programações on line que contam unicamente com a boa vontade de ajudar por parte das pessoas que visualizam e que, querendo, podem colocar uma ajuda em dinheiro através de sites de arrecadação (tipo Catarse). Muito difícil. Eu, para não ficar parado, mas sem finalidades de lucro (nem saberia como fazer), me inventei de ler a “Divina Commedia”, do nosso amado Dante Alighieri, integralmente em italiano. Mas assim, por pura diversão e para ter a ilusão de continuar fazendo.

  • há no horizonte algum programa de apoio, seja municipal, estadual ou federal, para os artistas brasileiros, principalmente os que não estão vinculados a alguma estutura estatal ou empresarial?

Existem no horizonte promessas e promessas, mas até agora nada de concreto. A prefeitura de Curitiba tinha anunciado o lançamento de um Edital on-line para ajudar os artistas, mas já passou um bom tempo e nada do Edital. O Governo Estadual acho que nem pensou no assunto; um Governo que eliminou a Secretaria de Cultura não dá muitas esperanças para quem trabalha na cultura. Esta pandemia chegou mesmo na hora em que tínhamos juntado um bom número de artistas que foram reivindicar com o vice governador Piana a reinstalação da Secretaria de Cultura e uma presença maior do Estado em relação à Cultura. Mas, com esta epidemia, tudo parou e nada de mais fácil que se perca no esquecimento. O Governo Federal é outro representante de escasso interesse em relação à Cultura e a nova Diretora, a Senhora Duarte, até agora não fez nada; mas ela, com os salários da Globo e, agora, do Governo, não tem problemas econômicos, com certeza.

A única coisa concreta que aconteceu até agora foi um Edital do Itaú (que vence amanhã) para produção de material em vídeo que promete ajudar 120 entidades com R$ 10.000 cada. Mas imaginem: um Edital de alcance nacional neste período em que todos estão fechados em casa significará milhares de projetos (só o eixo Rio São Paulo enviará centenas de projetos). Mas vamos tentar. Outros Editais como, por exemplo, o mesmo “Container Cultural” do Itaú, foram suspensos e não se sabe quando voltarão.

  • que sugestões você daria?

Dar sugestões não é fácil num país onde 15,2 milhões de pessoas estão na condição de pobreza extrema (Banco Mundial – pessoas com renda inferior a US$ 1,90 por dia ou R$ 140 por mês) e que provavelmente precisam mais que a gente. Mas eu penso que Município, Estado e Governo Federal deveriam, sim, se preocupar em dar uma ajuda aos artistas. Estados como São Paulo, ainda que fortemente castigado pela pandemia, se preocupou e fez um Edital emergencial; outros Estados também. O nosso Paraná, acho, deveria fazer alguma coisa. A única coisa que ajuda nossas empresas culturais também é o adiantamento do ISS, mas não é muita coisa e não foi feito pensando em nossas empresas, com certeza. Outra coisa que acho seria legal acontecesse, mas a sugestão não pode vir de nós, seria que os artistas globais, da Record, ou seja, os que ganham muito e não vão ter problemas com esta pandemia, fizessem uma “vaquinha” para colocar à disposição dos colegas menos ricos e menos sortudos que eles. Para um Fagundes da vida, ou um Falabella, doar R$ 10.000/20.000 não seria nada, seria uma féria a menos nas Maldivas, mas pela maioria de nós seria a salvação de alguns meses. Mas provavelmente esta é uma ideia de tipo Católico (ou Comunista?) que não combina muito com o Brasil.

  • mesmo vencido o período de isolamento, restará o medo e o período de ajuste da própria sociedade. Isto é, a crise irá além do confinamento. Como desenha esse quadro?

O que imagino é que tudo isso, de um jeito ou de outro, durará até o começo do próximo ano. Com a esperança que o tal do pico da pandemia passe após maio, a situação poderá voltar ao normal, mais ou menos, não antes de setembro. Mas quantas pessoas terão a coragem de entrar num teatro? E quais Municípios organizarão Festivais que juntam na frente dos palcos na rua 300/400 pessoas. Passará a epidemia, mas para que passe o medo precisará mais tempo. Minha previsão são 8-9 meses duríssimos.

Segundo um entrevistado italiano, so o “Alla Scala”, de Milão, está com prejuízo semanal de um milhão de euros… outras considerações que queira fazer?

Imagino, mesma coisa se poderia dizer aqui em Curitiba para o teatro Guaíra, mas também, e muito mais, para os teatros menores (que não têm o Governo do Estado que sustenta de qualquer jeito). E o que dizer dos grupos que trabalham na rua (o meu Grupo, por exemplo, prefere a praça como lugar de apresentação). Ainda aqui no Brasil isso não se entendeu muito bem. O espetáculo e tudo o que ele comporta faz circular muito dinheiro, proporciona trabalho para muita gente. Seria necessário lidar com este setor com o mesmo cuidado e interesse que se tem pela indústria, o comércio, os serviços. Mas vai falar isso para um Bolsonaro, por exemplo. Acho que não tem orelhas que queiram ouvir isso. Na Itália, na Europa, já isso é mais claro, desde os grandes entes como “Scala” de Milão, Arena de Verona (que perderá quem sabe quantos japoneses este ano), até os teatros estáveis presentes em cada região da Itália, e até as pequenas companhias que cotidianamente circulam nos pequenos Municípios, nas escolas.

Como alguém bem escreveu num post no facebook: seria bom pensar que neste momento de quarentena, se não tivessem os livros, os filmes, a música, ou seja se não tivesse a Arte e a Cultura, a gente, sim, iria morrer de uma vez até sem vírus.