CURITIBA – PR – Os ítalo-brasileiros que passaram pelo teste das longas “filas da cidadania” têm, agora com as eleições tardias dos Comites – Comitati degli Italiani all’Estero, outra oportunidade de testar sua paciência e resistência: 50 dias antes das eleições, cuja data ninguém sabe ao certo quando acontecerão, sem mesmo saber quem será candidato, precisam dizer aos consulados se pretendem ou não votar. Depois dos adiamentos contínuos que prorrogaram os mandatos dos atuais conselheiros por mais de cinco anos além do prazo regimental, é esta a principal novidade da esperada renovação dos organismos primários da representação política dos cerca de quatro milhões de italianos “reconhecidos” que vivem nos cinco continentes.

A decisão de que as eleições serão realizadas ainda este ano foi tomada há cerca de um mês (05 de agosto), quando o Conselho de Ministros aprovou a verba de quase sete milhões de euros (exatos 6.946.878,00 euros, equivalentes a mais de 21 milhões de reais) e, através de Decreto Lei que ainda depende da aprovação do Parlamento, fixou as normas básicas do pleito. Entre essas normas está a exigência de prévia inscrição ao exercício do direito do voto por parte de todos os que já se encontram inscritos no Aire – o registro oficial dos eleitores italianos que residem no exterior.

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A maioria absoluta das fontes consultadas pela redação de Insieme entende que a fórmula está inserida na estratégia italiana de continuar “enfraquecendo a representação dos italianos no exterior”. “Se quisessem desmoralizar os Comites, não fariam melhor do que esse longo processo de adiamentos, culminando com a convocação das eleições numa data imprópria e, além disso, com essa exigência de pré-inscrição dos eleitores” disse uma fonte que se pronunciou pedindo anonimato. “Se antes tínhamos uma participação pífia, abaixo dos 20 ou 30%, agora pode-se apostar em algo abaixo de 10%”, arrisca uma fonte consultada por Insieme.

O raciocínio da mesma fonte segue a seguinte lógica: cinquenta dias antes das eleições é usual sequer estarem formadas as chapas concorrentes, cujo registro depende do apoio por escrito de número considerável de eleitores ativos. Se entre tais eleitores ativos, embora inscritos no Aire, existirem alguns que não ainda não tenham manifestado previamente a vontade de votar, poderiam seus nomes serem considerados válidos para efeito da inscrição da chapa? Mais: essa “inscrição eleitoral” poderá ser feita posteriormente ao ato de apoio formal à chapa inscrita? Se alguém nem eleitor é, como pode apoiar quem se coloca na posição de candidato?

Talvez percebendo que o tema é controverso e pode suscitar muita discussão, consulados como o de Minas Gerais e de São Paulo, nos últimos comunicados distribuídos através dos Comites respectivos, sequer tocam no prazo dos 50 dias referidos no Decreto Lei. A norma, entretanto, publicada no Diário Oficial italiano é geral e vale para os cinco continentes. Há ainda a possibilidade de o Parlamento alterar as regras, admitindo o voto por meio eletrônico ou, ainda, admitir o voto físico em urnas dispostas nas sedes consulares até o dia marcado para as eleições.

A novidade mobilizou todos os Comites dos Estados Unidos que, em correspondência endereçada ao governo italiano, pede, numa ampla lista de observações, a mais ampla difusão das eleições, advogando, inclusive, que os consulados enviem à casa dos eleitores um comunicado formal notificando-os sobre a exigência da pré-inscrição para o exercício do voto.

Mas a situação torna-se ainda mais confusa e nebulosa quando se imagina em que clima acontecerão as eleições dos integrantes do Conselho Geral dos Italianos no Exterior – CGIE. Tais conselheiros, como é sabido, são escolhidos de forma indireta, sob responsabilidade dos conselheiros eleitos para os Comites e mais um número nunca sabido de representantes de associações indicadas ou escolhidas pelos Consulados e Embaixadas, através de igualmente obscuros critérios. Para as próximas eleições, que deverão ocorrer em seguida às eleições dos Comites, também ensaia-se uma novidade: somente participariam representantes de associações que em seus quadros sociais registrassem um número “xis” de sócios com cidadania italiana formalmente reconhecida. Então um presidente, mesmo sem ter a cidadania italiana reconhecida, iria a Brasília para votar nos candidatos negociados durante o processo, com base, não no contingente de seu quadro social, mas no contingente de cidadãos italianos formalmente reconhecidos dentre seus associados. E estes, se não estiverem habilitados ao exercício do voto pelas normas da pré-inscrição, teriam, mesmo assim, legitimidade para efeito da manifestação de suas, ou alheias preferências?

São essas algumas perguntas, dentre tantas, para as quais a redação de Insieme não encontra resposta. Outra delas é relacionada à finalidade do Aire, cujos inscritos têm, todos, o direito de votar em eleições outras, como as que selecionaram os deputados e senadores da Circunscrição Eleitoral do Exterior. Por qual motivo têm eles, agora na eleição dos Comites, que sinalizar previamente a intenção de voto, quando o exercício do voto é livre e, portanto, representa ato de vontade exclusivo do eleitor, que pode mudar de opinião no próprio dia em que se processam as eleições?

A fórmula encontrada, diz-se aos quatro ventos, atende à necessidade imperiosa de economizar recursos do erário. Mesmo assim, serão gastos quase sete milhões de euros, coisa de cerca de dez milhões de dólares. Nas eleições para os Comites de 1977, segundo registra a crônica, foram gastos pouco mais de seis milhões de dólares, usando-se o processo de urnas junto aos consulados e agências consulares honorárias. E a soma conseguiu remunerar inclusive o trabalho dos escrutinadores. Naquela eleição, puderam votar todos os inscritos no Aire, os enfileirados que à época eram poucos e, também, os que se declarassem descendentes de imigrantes italianos, mediante a assinatura de um documento chamado “declaração substitutiva”. Esse olhar pelo retrovisor da história confirmaria a tese dos que entendem que a burocracia romana está, sim, com os sucessivos adiamento e com as complicações impostas ao processo eleitoral, sufocando a voz da grande comunidade italiana esparramada pelo mundo, já historicamente penalizada – pelo menos no caso do Brasil – com as famosas “filas da cidadania”.