O dramaturgo italiano Roberto Innocente (Foto Desiderio Peron / Arquivo Revista Insieme)

Acometido de Covid19, o dramaturgo, ator e diretor italiano Roberto Innocente foi transferido, no início da noite de hoje, da UPA – Unidade de Pronto Atendimento do Cajuru, em Curitiba-PR, onde se encontrava internado desde o início da semana, para uma Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul, na área metropolitana da capital do Paraná. Seu quadro piorou repentinamente, informou sua amiga Jocelaine.

A transferência foi coordenada com a interferência do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ e do cônsul geral da Itália em Curitiba, Salvatore Di Venezia, segundo informou o presidente da primeira entidade, Luis Molossi.

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Innocente, que é colunista da revista Insieme há já algum tempo, comunicou na terça-feira que não teria condições de encaminhar seu artigo para a edição de abril, como fazia metodicamente sempre até o dia 25 de cada mês. “Acho que não vou conseguir o artigo deste mês. Estou em hospital com covid”, escreveu ele no início da manhã de terça-feira última ao editor da revista.

Os últimos artigos de Innocente, que estava gravando uma série de vídeos para um “Manual Mínimo de “Commedia dell ‘Arte”, retratam seu inconformismo com a situação que a pandemia produziu em todos os setores da sociedade, especialmente no mundo da arte e, em particular, do teatro. Um de seus temas preferidos tem sido o drama que os artistas estão atravessando com a pandemia do coronavirus.

Falando do fenômeno mundial das coisas feitas online para quase tudo, ele disse em seu artigo na edição deste mês, intitulado “Sobre o que falar”: “Não sei vocês, mas eu não consigo me acostumar com isso, não posso ser um cidadão covid, pai covid, amante covid, amigo covid”. Torcendo pelo pronto restabelecimento de Roberto Innocente, transcrevemos o artigo abaixo, na íntegra.

SOBRE O QUE FALAR – De que falar neste momento em que o mundo inteiro está, com razão, concentrado em uma difícil crise de saúde? O assunto é quase obrigatório. Alguém já estará pesquisando como cada um de nós está vivenciando esse momento.

Há quem queira isolamento, quem não queira, quem acredite e quem não. Há quem diga que a vacina é um estratagema da indústria farmacêutica, quem é tudo uma farsa, quem não sai de casa, quem não liga e quem, como eu, tenta continuar a viver.

Digo que tenta porque quem vive de teatro realmente não sabe o que e como fazer.

A Internet é uma solução? Para mim, apenas até certo ponto. O teatro conseguiu sobreviver ao cinema, à televisão, à internet, porque é “ao vivo”, assim como o circo, ou a dança.

Podemos colocar em vídeo, sim, podemos, mas de que adianta um espetáculo de teatro colocado na internet? Vira programa de televisão, perde a única coisa que o diferencia, ou de que adianta ver o salto duplo de um trapezista na internet?

Você acha que se o trapezista tivesse caído eles o teriam transmitido pela internet?

E, pior ainda, de que adianta fazer aulas de teatro online?

O teatro é algo presencial, o espectador faz parte do espetáculo. Tê-lo atrás de um vídeo, ou atrás de uma cortina de plástico, perde tudo. Ter um aluno de teatro na frente de um computador transforma o teatro em quê?

Por isso, como tantos outros, tento, procuro continuar vivendo minha arte inventando projetos que “documentem” o teatro, não que eles o façam. Estes dias, juntamente com o meu grupo Arte da Comédia, estou a preparar um vídeo em quatro episódios que fala da comédia dell’arte.

Não é um show, é um documentário sobre o assunto. Tentando.

E como viver suas relações pessoais, familiares, amigos, amores? Como vivenciar essas coisas à distância?

Não sei vocês, mas eu não consigo me acostumar com isso, não posso ser um cidadão covid, pai covid, amante covid, amigo covid.

Sobre o que falar agora? Da frustração de ter que obedecer a regras, certamente necessárias, mas terríveis? Do esforço para considerar o fora do normal, normal?

Mais perguntas do que respostas.

Desde março do ano passado, minha vida, assim como a de todos nós, foi obrigada a fazer uma série de mudanças, pela lógica, inaceitáveis, mas necessárias, a menos que se aceite o risco.

Mas não consigo me acostumar com um mundo que anda de máscara, que tampa a boca, que evita o contato.

Há quem veja em tudo o que está acontecendo o início de um “será sempre assim” imaginando uma série interminável de novos covids, novas vacinas, um novo mundo que mais parece o fim do mundo do que um mundo.

Eu não acredito, prefiro pensar que tudo isso vai passar e vai se tornar um pedaço da história que alguém vai explicar, mostrando tudo o que está por trás, os protagonistas e as massas indefesas vítimas, como sempre, de qualquer que seja a história.

Prefiro pensar que as únicas máscaras que continuarão a existir serão as que mostro no vídeo da commedia dell’arte.

Se não fosse esse o caso, o mundo à frente seria pior do que o pior filme de desastre que uma mente imaginativa poderia inventar.