Daniel Taddone, presidente do Comites do Recife em imagem de dezembro de 2017. (Foto Desiderio Peron / Arquivo Insieme)

Neste mês de setembro de 2020 os italianos residentes no Brasil novamente foram chamados a expressar sua escolha numa consulta referendária. Este evento nos trouxe algumas reflexões, sejam relativas ao tema da reforma constitucional, sejam aquelas sobre a modalidade do voto no exterior.

O tema da consulta era bastante simples: «Você aprova o texto da lei constitucional relativa a “Modificações dos artigos 56, 57 e 59 da Constituição em matéria de redução do número dos parlamentares”, aprovado pelo Parlamento e publicado no Diário Oficial da República italiana n. 240 de 12 de outubro de 2019?». Tal emenda constitucional prevê um corte de 36,5% no número de componentes das duas câmaras do Parlamento italiano. Os deputados passariam de 630 a 400 e os senadores de 315 a 200.

PATROCINANDO SUA LEITURA

A resposta parece estar na ponta da língua. Afinal, a Itália de fato tem um número elevado de parlamentares e a opinião generalizada é de que “Políticos não servem para nada, são apenas parasitas. Quantos menos, melhor”. De fortíssimo apelo populista, tal reforma foi promovida sobretudo pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), o partido que não é partido, que não é nem de direita, nem de esquerda, muito pelo contrário.

Engana-se, porém, quem pensa que a reforma deve-se apenas ao M5S. Todos os grandes partidos italianos aprovaram a emenda nas quatro votações necessárias, duas em cada câmara. Podemos dizer que o resultado foi acachapante. O Parlamento votou claramente pela sua automutilação. No início deste ano, 71 senadores solicitam que seja feito um referendo para que os eleitores expressem sua opinião de acordo com o artigo 138 da Constituição italiana.

Caberá aos italianos decidir se aprova ou não a reforma. Pelas pesquisas de opinião, cerca de 70% dos italianos votarão favoravelmente à reforma, sacramentando assim a redução do número de parlamentares. O resultado, sejam sinceros, não poderia ser diferente. O descontentamento com os políticos é generalizado, não apenas na Itália como em quase todo o mundo. As pessoas nutrem, de forma difusa, raiva dos políticos que elas mesmas elegem. As diversas formas de populismo sabem captar essas ondas e desta vez sairá vitoriosa.

Expressei publicamente minhas preocupações pela vitória do ‘Sì’ e meu voto claramente negativo à consulta, que ao meu ver trará consequências inesperadas e indesejáveis, prejudicando sobretudo a representação das minorias e concentrando ainda mais poder em caciques partidários. E isso sem falar na redução dos representantes dos italianos no exterior, cujo número já é proporcionalmente minúsculo se relacionado à população que representam.

Com menos representantes, o custo para a eleição fica ainda maior. Quem dispõe de muito dinheiro ou de uma máquina eleitoral já preparada larga em amplíssima vantagem, sobretudo quando o eleitorado está quase que totalmente no escuro quanto aos candidatos que deverá escolher. Quem pode enviar cartas a cada eleitor, gastando milhões de reais, tem chances muito maiores que os outros que não podem fazê-lo.

E isto nos leva ao segundo ponto de reflexão que mencionei no início deste artigo. O sistema de vota dos italianos no exterior precisa mudar urgentemente. A experiência ocorrida no Brasil neste referendo o demonstra de forma evidente. Apesar dos louváveis esforços das sete representações consulares italianas no Brasil, um número enorme de envelopes contendo material eleitoral chegou amplamente fora do prazo ao eleitor. Isso sem nem citar o tempo necessário para que o voto de cada eleitor retorne pelo correio ao seu consulado de competência.

Mesmo morando a apenas três quilômetros do consulado, recebi minha cédula na sexta-feira 12 de setembro. As chances de que meu voto chegasse a tempo ao consulado até 15 de setembro, míseros três dias depois, eram nulas. O correio no Brasil já vem há anos funcionando mal, soma-se a isso a greve dos funcionários dos Correios, empresa estatal brasileira. Não entro no mérito da justiça e urgência das reivindicações, mas evidentemente tal situação vem a se somar a um quadro já muito difícil. Mesmo sem a greve sei que meu voto jamais chegaria a tempo indo pelos Correios. Imaginem então o voto daqueles que vivem em municípios distantes da sede consular.

O voto dos italianos residentes no exterior pelo correio é inadmissível na atualidade. Não se sustenta nem quanto aos prazos, nem quanto à sua confiabilidade. Nas últimas eleições parlamentares de 2018, houve evidente fraude em votos na Argentina, algo que pude constatar com meus próprios olhos. Apesar de todos os esforços e evidências absolutamente nada foi feito.

Isso sem falar no processo de apuração, com mecanismos absolutamente kafkianos e que nem mesmo são respeitados. Não há nenhum traço de automação ou de uso de tecnologias para melhorar todo o processo.

Urge sensibilizar o Parlamento italiano para que o voto dos italianos no exterior seja objeto de estudo sério para a implementação do voto on-line com inversão de opção. Já existe hoje tecnologia que pode permitir um voto muito mais confiável do que o feito pelo correio e, sobretudo, muito mais barato. Somente no Brasil, os gastos com o referendum deste ano ultrapassará com folga os 10 milhões de reais.

A inversão da opção é o método pelo qual recebem as cédulas (ou no caso do voto on-line um número e senha) somente aqueles eleitores que previamente optaram por fazê-lo. Apesar de reduzir a participação, a eleição torna-se mais qualificada na medida em que aqueles que estão completamente alheios ao que ocorre na Itália acabam por não votar. Caberá a nós sensibilizar a maior quantidade de compatriotas possível, mas sempre na certeza de que aqueles que optarem por votar terão o mínimo de informação e não farão uma escolha absolutamente aleatória.

Espero, embora de maneira cética, que a presente reforma possa animar o Parlamento a introduzir importantes mudanças na lei eleitoral italiana e que também possamos superar o bicameralismo perfeito que também não mais se sustenta. Uma lei eleitoral moderna que possa resolver questões internas e que possa abrir uma nova era testando justamente com os italianos no exterior novas formas de consulta eleitoral que sejam mais coerentes com os novos tempos.☑