O bloco consular do "Sistema Itália" reunido em Curitiba. (Foto de Silvia Alciati)
Daniel Taddone é sociólogo e presidente do Comites do Recife. (Foto Desiderio Peron / Revista Insieme)

O presidente co Comites do Recife, Daniel Taddone, faz um relato analítico do que foi a “XIV Reunião de Coordenação do Sistema Itália no Brasil”, realizado em Curitiba dias 12 e 13 de novembro. “Saí da reunião um pouco mais otimista”, diz ele, mas “precisamos escolher nossas batalhas”!


A “riunione di sistema 2019” realizada nos dias 12 e 13 de novembro em Curitiba contou com a presença do subsecretário sen. Ricardo Merlo, do embaixador Antonio Bernardini, dos cônsules e outros funcionários de carreira diplomática, os presidentes dos Comites e da conselheira do CGIE Silvia Alciati. Tivemos sentidas ausências no lado dos organismos de representação, mas todas foram justificadas.

Como impressão geral, saí da reunião um pouco mais otimista. Quem me conhece sabe que sou um crítico feroz do obstrucionismo e da atmosfera de medo vigente na maioria dos consulados. Vários pontos críticos foram levantados por mim e pelos colegas, mas nesta reunião senti que os representantes da rede consular estavam mais preparados a responder e demonstraram uma significativa tendência positiva quanto à resolução de vários nós que não desatam há muitos e muitos anos.

PATROCINANDO SUA LEITURA

Logo na abertura do encontro anual o embaixador Bernardini confirmou publicamente algo que eu já sabia oficiosamente: o dinheiro oriundo do repasse de 30% da taxa da cidadania está sendo usado para pagar despesas correntes dos consulados, ou seja, o Ministério das Relações Exteriores (Ministero degli Affari Esteri, o Maeci) determinou aos consulados que usem recursos que deveriam servir exclusivamente para resolver as filas de espera para sustentar o funcionamento geral do consulado: aluguel, energia elétrica, água, papel higiênico, limpeza etc.

Essa determinação do ministério é obviamente irregular e nos foi informado que cedo ou tarde os recursos chegarão e, consequentemente, o dinheiro usado para outros fins poderá ser então empregado para o fim a que se destina: melhorar a questão das filas de espera e aumentar o número de reconhecimento de cidadanias feitos na rede consular. Eu, como São Tomé, só acreditarei vendo. Spes ultima dea.

A nota mais positiva no quesito “reconhecimento da cidadania” é do Consulado de Recife, cujo cônsul confirmou que a fila encaminha-se para desaparecer até o fim do próximo ano. Desaparecer significa entrar nos limites legais, ou seja, dois anos. Contudo, ele foi além, se o ritmo puder ser mantido no início de 2021 a fila zera de fato. Viva!

Do lado negativo, obviamente estão os bíblicos doze anos da fila do Consulado-Geral de São Paulo, mas devo dizer que o cônsul-geral este ano pareceu mais proativo e com um approach positivo. Vamos ver como isso se reverte em fato. Outras duas notas negativas são as filas fantasmas no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte onde vige a loteria da cidadania, que de fato se demonstra uma jogada de mestre, pois é difícil argumentar contra uma fila que concretamente não existe.

Foi-nos anunciada a adoção de um roteiro (vademecum) único para o reconhecimento da cidadania que entrará em vigor já em 2020. É um passo importante e positivo. Não sabemos o conteúdo do roteiro porque infelizmente não fomos consultados em absolutamente nenhum ponto. Não que seja obrigação da coordenação consular fazê-lo, mas teria sido um gesto cordial e de boa-vontade. Não ocorreu. Resta-nos esperar o roteiro e que traga novos ares de transparência e bom atendimento.

O cônsul-geral em Curitiba disse que a convocação que teria lugar ainda neste mês de novembro sofrerá um atraso para possibilitar que os novos convocados já possam seguir o roteiro a ser adotado. Se entendi bem, as convocações aconteceriam então assim que o roteiro entrar em vigor, possivelmente em janeiro próximo.

Novamente abordei a questão da exigência de certidões de óbito, algo não previsto por absolutamente nenhuma normativa, mas infelizmente foi-nos dito que tal exigência ilegal permanece e estará no novo roteiro. Pelo menos, conseguimos que fosse minimamente garantida a análise mais compreensiva de casos especiais em que não é possível encontrar o registro de óbito de algum ascendente. Vamos ver como isso se dá na prática. Peço a todos que me comuniquem eventual obstrucionismo ou respostas negativas por falta de certidão de óbito. Quero monitorar isso pessoalmente.

Na área relativa à emissão de passaportes, a nota positiva é novamente o Consulado-Geral em São Paulo que conseguiu de forma inteligente e inovadora resolver na quase totalidade os problemas de agendamento com o atendimento por WhatsApp. A nota negativa sem dúvida vai para o Consulado-Geral de Curitiba onde solicitar a emissão de um simples passaporte é tarefa hercúlea. Apesar de colocado na berlinda, o cônsul-geral Raffaele Festa não pareceu disposto a mudar de atitude.

E falando em Festa, nada temos a comemorar. Eu sinceramente não cesso de me surpreender com o cônsul-geral de Curitiba. Ele cultiva inexplicavelmente uma atitude desagradável com relação a tudo. É uma pessoa triste. Os romanos vaticinavam nomem omen, mas Festa insistentemente nos prova o contrário. Eu procuro ter boa vontade e entender as agruras que cada um passa, mas ele já ultrapassou todos os limites do razoável. Pelo menos nesta reunião ele tomou, mesmo que discretamente, alguns “pitos” do embaixador e do subsecretário. Todavia, mesmo chamado à razão, manteve-se irredutível quanto a atos de clara censura a temas tratados nas assembleias do Comites local, além de não querer que estas sejam filmadas, alegando razões sem pé nem cabeça.

Outro ponto em que Festa parece insistir no quanto pior melhor diz respeito à aceitação de traduções assinadas digitalmente e, obviamente, depois apostiladas. Ele novamente insiste invocando legislações vetustas que o consulado pode recusar traduções assinadas digitalmente, mesmo que devidamente munidas da apostila da Convenção da Haia. Até mesmo o embaixador, sempre extremamente diplomático, se demonstrou um tanto impaciente com aquele ato de “birra consular”, pois é evidente que os consulados não podem tirar a validade de uma apostila corretamente aposta pela autoridade brasileira competente. Este é um ato de puro obstrucionismo. Mais um.

E para não dizer que não falamos no Espírito Santo, que de iure e de facto tornou-se a Uptown Girl do momento, foi reforçada a informação da abertura da futura agência consular e que, como se imaginava, o percurso burocrático é lento e sem datas definidas. A emissão de passaporte aos residentes no estado continuará por um bom tempo sendo (mal)tratada como está sendo no momento, à espera de novos tempos. A proibição ilegal de se utilizar do agendamento geral direto no Rio de Janeiro não foi trazida à discussão e também não compete a mim fazê-lo.

Consegui nesta reunião introduzir um tema sobre o qual pouco ou nada se fala: o sistema de transcrição de assentos de registro civil na Itália. Externei a todos que devemos procurar os caminhos possíveis para trazer o tema à discussão pois o sistema italiano de transcrição é arcaico e brutalmente estúpido. Portugal e Espanha sempre tiveram um sistema muito mais inteligente, que deveria servir de modelo à Itália. De fato, um grande gargalo encontra-se na outra ponta do reconhecimento da cidadania, que são as transcrições, que representam uma quantidade enorme de trabalho para muitos municípios italianos, que muitas vezes não têm recursos humanos para poder transcrever centenas ou milhares de assentos de registro civil enviados do exterior. Seria importante que a Itália se desse conta que é possível fazer diferente e não perder tempo com transcrições absolutamente inúteis.

Por fim, um agradecimento necessário é devido ao subsecretário Ricardo Merlo. Quem me conhece sabe que não sou um puxa-saco e que tenho total ojeriza a oba-oba e vassalagem. Sou vice-coordenador para o Brasil do MAIE, movimento político-associativo fundado e presidido por Merlo. Há muitas críticas que podem ser feitas a ele e ao MAIE, mas quem tem acompanhado o seu trabalho no governo nos últimos dois anos sabe que ele está batalhando pelos italianos no exterior. É algo inegável e quem o nega, mente ou tergiversa.

A presença de um “italiano no exterior” no governo tem sido muito positiva de maneira geral e digo isso como alguém que acompanha esse cenário há mais de vinte anos. O primeiro chanceler da Alemanha unificada, Otto von Bismarck, já dizia: Die Politik ist die Lehre vom Möglichen, frase que é comumente traduzida como “a política é a arte do possível”. E goste-se ou não, esta é uma realidade inexorável. Não é possível exigir de Merlo mais do que ele consegue nos dar. E eu digo como sinceridade de propósitos: ele faz o possível. Eu muitas vezes também me sinto decepcionado com várias situações, mas precisamos escolher nossas batalhas pois a cada dia há uma nova a ser combatida. Eu durmo tranquilo sabendo que faço minha parte e a faço com prazer.