No Estado, que tem 65% da população formada por descendentes de italianos, crianças ainda comemoraram a data com doces

VITORIA – ES – O dia 13 de dezembro é uma data especial, para muitas crianças, de todo o Espírito Santo. Logo pela manhã, elas têm a alegria de ver o capim ou fubá que deixaram em um prato, na noite anterior, dar lugar a muitos doces ou presentinhos. A crença em Santa Luzia ainda é mantida pelos pequenos, que têm viva a tradição trazida por seus antepassados, imigrantes italianos. Apesar dos avanços tecnológicos e da globalização, esses capixabinhas não perderam o encanto de esperar Santa Luzia passar.
Um exemplo está na localidade de Jacupemba, em Aracruz, norte do Estado. As crianças, na noite de 12 de dezembro, deixam um pouco de capim para o burrinho de Santa Luzia, que acreditam estar “cansado de tanta viagem”.
É certo que a tradição ganhou adaptações, de acordo com a realidade de cada local. Se, no norte da Itália, o pratinho era colocado para fora da casa, atualmente, é colocado de baixo da árvore de Natal.
Mesmo que a prática não seja tão comum como há algumas décadas, a data ainda é especial para muitos meninos e meninas, no Estado, que tem 65% da população formada por descendentes de imigrantes italianos. 
Especialmente, em Linhares e Colatina (norte), Venda Nova do Imigrante, Castelo e Alfredo Chaves (região serrana), Santa Teresa (central-serrana) e, até na Grande Vitória, em Cariacica, onde é grande a presença de ítalo-descendentes.
Em Santa Teresa, primeira colônia italiana do Brasil, não é diferente. Uma trezena marca as comemorações do dia da Santa, que também é conhecida como a protetora dos olhos. Todos os domingos há a reza do terço e, no dia 13 de dezembro, é celebrada uma missa. No distrito de Santo Antônio do Canaã, uma capelinha é que abriga toda a devoção da comunidade.
Era a imigrante Emília Loss, que deixou Côvelo, em Trento, aos 10 anos – e chegou ao Brasil em 1922 – que zelava pelo local. Dona Emília, como era conhecida, faleceu há cerca de seis anos. Mas, há 20, passou a missão para a amiga e vizinha, a dona-de-casa Maria Iraci Milanezi Briel.
Com apenas três anos, o neto da dona-de-casa, o pequeno Pedro César Merlo Briel, tem viva a expectativa do dia 13 de dezembro. Prova de que Iraci Briel mantém a tradição, inclusive, dentro de casa.  “Continua com meu neto. Ele acredita e já falou que vai colocar o pratinho aqui em casa. Colocamos, dentro de casa. Aqui, a maioria das crianças ainda faz isso”, comenta.
Colocar o pratinho na casa dos avós, tios ou padrinhos era uma estratégia adotada, também, pela professora aposentada, Celina Andrich, moradora de São João de Petrópolis no mesmo município, para ganhar mais docinhos. “A gente fazia roupas novas, e ia para a missa para contar para as outras crianças o que tinha ganhado. O dia de Santa Luzia sempre foi de grande festa, para a comunidade”, conta.

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Pessoas que  fazem parte do grupo da terceira idade que reza a trezena na comunidade da igreja de Santa Luzia, em Santo Antônio do Canaã, distrito do municipio de Santa Teresa-ES. (foto Júnior Piontkovsky)

O período que antecede o Natal, no Brasil, é marcado por chuvas mais intensas no sudeste, onde está o Espírito Santo. As águas, que anunciam a chegada (oficial) do verão ajudam a encharcar a terra. E era, justamente, a chuva a aliada dos pais do aposentado Antônio Ângelo Zurlo, 76 anos.
“Antigamente, nos grandes terreiros, pegavam as ferraduras e faziam marcas na terra molhada”, diz. Para Zurlo, que é fundador do Circolo Trentino de Santa Teresa, a Santa protetora dos olhos é “Lucia” como falavam seus antepassados, em dialeto italiano.
Festa do pequeno presente
De acordo com o sociólogo italiano Renzo Grosselli a devoção de Santa Luzia é presente em todo o norte da Itália.  Ele destaca que eram deixados restos do fubá, no prato, junto com biscoitos feitos pelas famílias camponesas, bergamota (mexerica), amendoim e algumas balas.
As famílias com melhores condições colocavam, também, um pequeno presente, um carrinho ou uma bonequinha. O costume era mantido entre as crianças, até por volta dos oito anos de idade.
“E era só isso, porque também tem o Natal. Sempre tinha um sinal para as crianças entenderem que era verdade. Santa Luzia era a festa do pequeno presente, a festa das crianças. Iam para a cama e algum pequeno barulho, achavam que era Santa Luzia, que estava passando. Acordavam, no dia seguinte, e iam ver o que tinham ganhado”, destaca.
Em visita a Santa Teresa, no início de dezembro, um presépio montado na igreja matriz foi o que chamou a atenção do sociólogo. “Na Itália, tem uma tradição de se dizer que o presépio é a representação da natividade. No Trentino, há várias iniciativas, especialmente, nos últimos 30 anos como as prefeituras que fazem concurso de presépios. Para nós, o Natal é o presépio. Nós ficamos muito satisfeitos em ver que, em Santa Teresa, tem um presépio na igreja”, avalia.
Para o bispo da Diocese de Colatina, Dom Décio Zandonade, que nasceu em Venda Nova do Imigrante, a tradição trazida pelos antepassados ajudou a manter a fé em Santa Luzia, apesar de a devoção ter chegado ao Brasil, também, com os colonizadores portugueses. Inclusive, para as crianças.
“Em nossa região se reforça por que a imigração italiana trouxe, fortemente, essa devoção. Tudo aquilo que é popular fica. Tudo o que está no coração do povo fica. É claro que, na era secular, do tempo presente, pode não ser tão forte quanto antigamente. Mas, com certeza, a tradição permanece”, avalia o bispo.
No Espírito Santo, há varias igrejas católicas dedicadas a Santa Luzia. Estão em Jardim Camburi, Vitória, em Cariacica. Santa Luzia é a padroeira do município de Pancas, norte do Estado. Para as crianças de Alto Caldeirão e Santo Hilário, localidades  distantes da sede de Santa Teresa e tantas outras da cidade, ou que andam por estradas de chão, os docinhos e presentinhos são uma memória ainda muito presente, pois são parte da história de muitas famílias capixabas.

 * Fernanda Coutinho é jornalista em Vitória-ES – fernanda@insieme.com.br