RECIFE – PE – No último ano eu estava contente com a situação do Consulado da Itália em Recife. Depois de anos de carência finalmente tínhamos uma quantidade de funcionários próxima da adequada. A Task Force Recife andava de vento em popa, o Cônsul Francesco Piccione priorizava o trabalho em sinergia com o Comites , a comunicação, a informação e a transparência. Com uma quantidade maior de funcionários havia menos tensão, menos stress e mais produtividade. Sabia que em pouco tempo atingiríamos o Grande Objetivo: fila da cidadania zero, o fim da absurda fila da cidadania. Eu estava feliz.
No começo do mês de abril o Cônsul Piccione me telefona, sua voz demonstrava tristeza e preocupação. Me disse que tivera um dia terrível, por causa de cortes fora obrigado a demitir sete funcionários do consulado. Fiquei perplexo e fui dizendo que era muito grave, quase a metade dos funcionários, a Task Force e a eficiência consular seriam destruídas. O Cônsul concordou e me falou de sua preocupação com as pessoas demitidas que de repente ficaram sem o emprego, com as pessoas que ficaram que de repente estariam sujeitas à tensão criada por uma demanda de resultados que não poderia ser alcançada. Minha voz passou a demonstrar também tristeza e preocupação.
Telefonei para o Dep. Fabio Porta. Perguntei se estaria presente na Reunião de Coordenação no dia 16 de abril na Embaixada em Brasília. Sua resposta: havia recebido a convocação, mas dificilmente poderia participar por compromissos assumidos anteriormente. Relatei o que tinha contecido no Consulado em Recife, a situação era grave, se acontecesse o mesmo nos outros Consulados, depois de tanto esforço a Task Force Brasil estaria irremediavelmente afetada, sua presença na reunião era importante.  O Deputado disse que estava fazendo uma dura interrogação ao MAE sobre a disparidade de resultados entre as Task Forces brasileira e argentina, como também solicitando informações precisas sobre o andamento da Task Force Brasil e previsão para sua conclusão. Disse que se esforçaria para estar presente na reunião. Poucos dias depois o Dep. Porta me envia mensagem confirmando sua participação.
Dias antes da reunião comecei a me preocupar. Percebi que seria mais uma daquelas reuniões onde não se resolve nada. Todos os participantes não tinham poder de decisão, as decisões eram tomadas na distante Roma que não nos ouve, não nos vê e não nos fala.  Isso porque os ítalo-brasileiros (300 mil com dupla cidadania e 500 mil enfileirados) não se mostram, não se organizam, não reivindicam. Fiquei irado, com raiva, muita raiva. Apelei para os meus sentimentos cristãos de amor ao próximo, mas a raiva não passava. O que eu me lembrei foi de Jesus expulsando os vendilhões do templo, quebrando cadeiras, mesas e barracas. Porque tanta passividade entre os ítalo-brasileiros diante tal desrespeito à lei? Lembrei da expressão popular “sangue de barata” que, segundo o dicionário informal, significa entre outras coisas, insensível, sem atitude, apático. Prometi a mim mesmo que ao retornar da reunião escreveria um texto que poderia ter como título “Deus me livre dos cucarachas”.
Reunião em Brasília. Entramos juntos, Comites e CGIE, Dep. Fabio Porta presente.  Inicia Pioroni, fala sobre resultados não satisfatórios da Task Force em alguns Consulados, sobre a necessidade de reforço nesses Consulados…  Aproveitei a deixa e disse que enquanto ele pedia reforços estava acontecendo exatamente o contrário, contei com detalhes a situação do Recife e que, como os cortes estavam sendo feitos em todos os Consulados a Task Force estava destinada ao fracasso. O Fabio Porta apóia minha intervenção e faz discurso sobre a comunidade itálica do Brasil, a maior do mundo, sobre o direito à cidadania dos descendentes, sobre a oportunidade que a Itália perde ao protelar esse direito, sobre o modo diferente como foi tratada essa questão na Argentina, etc. Outras intervenções, fala-se sobre cortes aos assistidos, cortes no ensino da língua, cortes, cortes, cortes…
O Embaixador nos fala do encontro em Washington entre o Presidente Lula e o Presidente Berlusconi, do qual participou.  Nos conta que o encontro foi muito positivo, foi assinado um novo tratado de cooperação bastante amplo entre Itália e Brasil e que se trabalhará com intensidade pela continuidade e realização deste tratado.  Nos fala também sobre as providências que estão sendo tomadas para o Ano da Itália no Brasil que acontecerá em 2001. Enquanto isso se trabalha na Embaixada com o ar condicionado desligado, cortes…
Almoço, final de reunião. Saímos todos meio desolados, uns mais que outros. Comento que o sistema de representação é formado pelos eleitos e comunidade e quem sem o apoio da comunidade nada pode ser feito. Disse que iria fazer um artigo criticando os ítalo-brasileiros e que se chamaria “Deus me livre dos cucarachas”. Alguém observou, “manda pra mim, assino em baixo”.

Volto ao Recife, estou mais calmo. De repente percebo com clareza a realidade.
1 – A maioria dos ítalo-brasileiros tem algum orgulho de sua ascendência italiana.
2 – A maioria dos ítalo-brasileiros adoraria ter um passaporte europeu. Tanto é assim que sem nenhuma publicidade, a notícia do direito à cidadania italiana dos descendentes espalhou-se que nem rastro de pólvora. Houve uma corrida louca na busca do documento do ascendente italiano, muitas vezes tetravô, que permite o sonho do passaporte. 300 mil já conseguiram 500 mil estão nas filas cuja espera pode durar mais de dez anos.
3 – A maioria dos ítalo-brasileiros, mesmo sabendo da ilegalidade de uma fila de mais de dez anos, não está disposta a lutar contra essa ilegalidade. Simples assim.
Não quero representar essa acomodação, lutar sozinho por quem não quer lutar. Não quero mais fazer parte do Comites, do CGIE, não quero ser deputado ou senador. Representantes acomodados não faltarão. Pensei em renunciar ao Comites, mas seria irresponsabilidade. Ficarei até o fim do meu mandato, sempre com uma latinha spray de mata-barata na mão, se aparecer um cucaracha tasco veneno nele.

*Salvador Scalia – Presidente do Comites/Recife

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