O Consulado Geral da Itália em São Paulo está investigando o caso de um cooptado do Comites sem comprovação de italianidade. (Imagem Fantasia / AdobeStock)

O Consulado Geral de São Paulo está verificando “com o máximo rigor necessário” a documentação apresentada pelos candidatos que foram admitidos na condição de cooptados no seio do novo conselho, eleito em dezembro último. Depois dessa verificação “serão, eventualmente, tomadas as necessárias medidas”, diz um texto assinado pela cônsul adjunta, Livia Satullo, em resposta a interpelação feita pelo representante de um partido político italiano. No documento, Satullo diz que fala também em nome do cônsul geral Domenico Fornara.

A investigação diz respeito à informação publicada por Insieme dando conta de que o cooptado que se apresentou como Felipe Salgado De Paola não teria ancestralidade italiana dentro das normas estabelecidas (até no máximo o quarto grau em linha reta). Seu nome, na verdade, seria Felipe Salgado de Paula, conforme consta em documentos brasileiros.

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Também o Comites de SP está investigando o caso. Com texto quase idêntico, o presidente Alberto Mayer, agradecendo “per la grave segnalazione” dirigida à entidade e ao consulado, informou na tarde de ontem que “estamos realizando, com o máximo rigor necessário, novas verificações sobre a documentação apresentada pelos membros cooptados” e que, em seguida, “se eventualmente forem confirmadas irregularidades, serão tomadas as necessárias medidas”.

Sem informar o nome do cooptado sobre o qual recai a suspeita, Insieme dirigiu, anteontem (27/04), correspondência a Mayer e a Satullo informando sobre denúncia que chegou à redação segundo a qual “um dos conselheiros cooptados do Comites de SP (são seis, no total) não tem nenhuma ascendência italiana”. A legislação que regula a matéria é clara quando diz que a admissão de cooptados se dá exclusivamente sobre “cidadãos estrangeiros de origem italiana por parte de pelo menos um dos genitores até o quarto grau em linha reta de ascendência”.

A mesma correspondência perguntava se “o Comites e, principalmente, o Consulado competente verificaram os documentos de todos os conselheiros como aconteceu em outras sedes” e sugeria que “os comentários sobre o assunto” fossem encaminhados até o dia 30/04, para constar no conteúdo da edição de maio da revista.

Em função da matéria publicada aqui novas informações passaram a circular pela internet. Uma delas, repetindo praticamente a o conteúdo da afirmação feita por Diego Mezzogiorno (cujo nome civil é Diego Oliveira Paula), que é irmão de Felipe Salgado De Paola (que o apresentou para a indicação formalizada pela associação Ital-Uil), segundo a qual não teriam sido solicitados documentos comprobatórios de ancestralidade italiana a nenhum dos candidatos.

A informação, entretanto, parece não bater com o que informam algumas associações, que exibiram correspondência circular do próprio Comites de SP, datada de 15/02, e dirigida a todas as “associações italianas regularmente inscritas no Consulado Italiano de São Paulo”. Nela consta a advertência sobre as exigências para os aspirantes a uma cadeira de cooptado. O “comprovante de descendência italiana” nos termos da “lei 23 de outubro 2003 nº 286” é uma delas.

Essa lei é regulamentada por decreto do Presidente da República, número 395, de 29 de dezembro do mesmo ano que diz: “possono far parte del Comitato i cittadini stranieri di origine italiana per parte di almeno uno dei genitori fino al quarto grado in linea retta di ascendenza”. A verificação da exigência “compete all’autorità consolare” (podem participar do Comitê cidadãos estrangeiros de origem italiana por parte de pelo menos um dos genitores até o quarto grau em linha reta de ascendência).

Consultados os demais presidentes de Comites do Brasil, todos foram unânimes em afirmar a Insieme (exceto o Comites do Nordeste, cuja presidente até o momento não respondeu) que o controle sobre a ascendência dos cooptados foi rigorosamente verificada, e que a documentação foi enviada aos respectivos consulados, a quem compete, por último, a verificação. Na circunscrição consular de Curitiba, os candidatos assinaram também uma declaração substitutiva atestando o cumprimento das exigências.

Conforme já tivemos oportunidade de informar, o assunto já vinha sendo discutido no âmbito interno do Comites de SP há já bastante tempo. Diante da não apresentação, mesmo que tardia, dos documentos comprobatórios exigidos, uma das alternativas aventadas para a solução do problema teria sido a renúncia do conselheiro De Paola (ou De Paula), mas as mesmas fontes informam que até agora ele não concordou com a hipótese.

Consultado a respeito devido a suas ligações com a Ital-Uil, o senador Fabio Porta não retornou. Entretanto, a coordenadora nacional da entidade, Daniela Dardi, que era também a presidente coadjuvante do Comites de SP na última gestão, disse a Insieme que a candidatura de Felipe Salgado de Paola foi apresentada por pessoa conhecida na comunidade (seu irmão, Diego Mezzogiorno), que entregou documento emitido pela Itália sobre cuja autenticidade não houve verificação. “Uma vez que ele é representante da Câmara de Comércio Italiana (de Santa Catarina – NR), pessoa conhecida portanto, e o documento apresentado é italiano, aceitamos o documento como válido, memo porque não somos despachantes para correr atrás de documentação”.

Daniela acrescenta: “não entendo essa polêmica inútil e, por um certo lado, pretensiosa, ao menos que alguém pretenda anular a eleição do CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani all’Estero’  por conta desse problema (partindo do princípio que no dia da eleição se já tinha conhecimento desse fato e se calaram!)”. “Creio – aduz ainda – que fato importante é que no dia da eleição do CGIE algumas pessoas, pelo que entendi, já tinham conhecimento desse fato, ou melhor, dessa suspeita. Isso invalidaria a eleição do CGIE”.

Segundo Insieme conseguiu apurar, Felipe apresentou originalmente como prova de sua ascendência italiana uma certidão de nascimento de um tal Oscar Mezzogiorno, nascido no bairro napolitano de Stella em 26/02/1901, casado em 13/6/1925 com Anna Mele, e morto também em Nápoles em 27/3/1976. Não se sabe se Oscar Mezzogiorno passou alguma temporada de sua vida no Brasil. A questão em aberto é qual seria a ligação entre Oscar Mezzogiorno e Felipe Salgado de Paula, visto que não foram apresentados documentos que estabeleçam alguma ligação entre ele e o cidadão italiano.

A resposta referida no início da matéria da cônsul adjunta Livia Satullo, foi dada a Andrea Pacia, encarregado da Lega para assuntos dos Comites no Brasil, que em 28/02 endereçou correspondência única ao Consulado, ao Comites e aos conselheiros do Comites. Na correspondência, além de outras considerações, ele pergunta se, “na situação atual, o Consulado pode confirmar a regularidade do processo seletivo dos cooptados e dissipar qualquer dúvida e/ou insinuação do gênero”.

O serviço de comunicação da Embaixada informou ontem que o assunto foi encaminhado ao setor consular. Num grupo whatsapp que reúne os sete Comites, o assunto foi tema de comentários de alguns conselheiros. Ali fica-se sabendo, por exemplo, que o setor consular de Brasília exigiu dos candidatos a cooptado uma árvore genealógica explicitando a origem italiana do candidato.

O trabalho de questionamento sobre a italianidade de Felipe motivou inúmeras pesquisas genealógicas que, enviadas à redação, nada apontam para qualquer ancestral seu de nacionalidade italiana.

A seu irmão Diego foi reiterada hoje à tarde a disposição para uma entrevista com Felipe, que ele terminantemente recusa para não “expor o menino”. Diego informou que mandou Felipe “dobrar a aposta”, aguardando algum pronunciamento da Embaixada pois, segundo consulta por ele feita, “um cônsul de SP” (ele não quis dizer o nome) teria lhe informado que o assunto é de competência da Embaixada que “deu posse” (sic) aos eleitos. “Quem quis criar o caos, só quis me queimar”, disse Mezzogiorno.

Felipe insinua ser eleitor italiano em seu perfil dop Facebook (Reprodução)

Igualmente foi-lhe reiterada a solicitação para que apresente “documento que comprove alguma ancestralidade italiana”. No entanto, seu próprio perfil no Facebook inclui uma postagem enigmática: No dia 23 de fevereiro de 2018, Felipe teria votado nas eleições para o Parlamento italiano ou, pelo menos, assim simulou fazer ao publicar foto com as cédulas eleitorais sobre o envelope de “carta-resposta”. Se era eleitor, então é cidadão italiano reconhecido e inscrito no Aire e, portanto, não poderia ser conselheiro cooptado no Comites…

No currículo que encaminhou junto com sua candidatura, em “informações adicionais”, ele se vincula às famílias Mezzogiorno e De Paola, “de origem campana”, segundo diz, enquanto os documentos de seus ancestrais apontam para a direção de Portugal.

Apesar disso, o clima interno do Comites de SP parece em parte festivo. Felipe Salgado De Paola está convidando toda a comunidade para prestigiar a Festa Italiana de Quiririm, no Vale do Paraíba, que se encerra este fim de semana.