Em tempos de Ius sanguinis e ‘Decreto Salvini’, é mais do que oportuno abrir espaço para uma lei que está imune às manipulações políticas. Trata-se do “Ius Tavola”, um dos pilares da italianidade no exterior. O amigo leitor pode achar que o autor desta coluna está tomado por um delírio apaixonadamente itálico. É meia verdade. Apaixonado sim, mas delirante não, pois a inspiração de escrever um artigo reforçando a importância da tradição gastronômica italiana na vida de milhões de italianos e descendentes que vivem no exterior veio além do coração. Ela vem do além mar, cruzando o Atlântico numa viagem virtual destinada a nos fazer um convite com o grande poder sedutor de uma das mais encantadoras musas da gastronomia italiana: a Emilia Romagna.

Numa iniciativa do Circolo Emilia-Romagna de São Paulo, em parceria com a Casa Artusi, centro de cultura gastronômica dedicado à cozinha tradicional italiana, somos convidados colaborar com o projeto “A cozinha italiana de outro lugar – Entre o falar e o preparar havia o mar”.

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A proposta pretende contribuir com o grande acervo já existente na Casa Artusi, que tem sede na pequena cidade de Forlimpopoli (Província Forli-Cesena). A ideia é compilar e publicar receitas provenientes da comunidade italiana no exterior, com as adaptações naturais feitas ao padrão original. “Pedimos, assim, aos ítalo-brasileiros que queiram aderir ao projeto, que nos encaminhem suas receitas da cozinha com origem italiana”, é o convite feito pelo Circolo Emilia Romagna.

Para participar da iniciativa, basta enviar, até o dia 25 de junho, para o e-mail rasi@emiliaromagnasp.com as seguintes informações:

  • Proveniência da família na Itália;
  • Receita ou caderno de receitas de acordo com o proposto acima;
  • História da origem da receita e nome da pessoa que a preparou/adaptou e a transmitiu aos seus descendentes.

As receitas selecionadas servirão para a elaboração de um livro que irá relatar as receitas e histórias transmitidas pelas comunidades italianas no exterior. O livro , em língua italiana, será produzido digitalmente e compartilhado com todas as instituições / grupos para difundir a língua, a cultura e a culinária italianas, assim como a história das migrações.

Venho de um família onde a mesa ainda é lugar de encontro e materialização do sentimento de italianidade. Minha mãe, 92 anos, nascida em São Paulo, é filha de Giuseppe Trombetti, imigrante emiliano (Bologna) e de Maria Cafalli, brasileira que ainda pequena embarcou para Lucca, Toscana, terra dos meus bisavós, para voltar ao Brasil, já casada e com dois filhos, nos anos 1920.

Giuseppe foi um bem sucedido “ristoratore”, dono do Bologna (anos 1930-50), restaurante no centro da cidade de São Paulo, perto do Teatro Municipal, famoso por ter sido ponto de encontro de políticos e artistas e local de recepção de importantes cantores líricos como Enrico Caruso, Beniamino Gigli, Mario Del Monaco, Maria Callas, entre outros imortais da ópera.

Com nonna Maria guardando a magia da cozinha Toscana e tendo aprendido em Bologna os segredos da gastronomia emiliana, evidentemente que mamma Joana herdou toda essa tradição, transmitindo-a a seus três filhos e duas filhas.

No espírito da proposta da proposta “A cozinha italiana de outro lugar – Entre o falar e o preparar havia o mar”, mamma faz questão de lembrar da Zuppa Inglese, doce típico italiano famoso tanto na Emilia quanto na Toscana: biscoitos tipo savoiardi embebidos por alchermes (licor) e cobertos com creme (gema de ovos, leite, açúcar, amido de milho, baunilha).

Não é fácil seguir à risca a receita original dessa sobremesa estando fora da Itália. O sabor característico desse doce vem do alchermes, bebida raramente encontrada no Brasil. Sempre que possível, minhas irmãs Magda e Alessandra, em datas como aniversários e festas de fim de ano, seguem a receita original. Porém, muitas vezes, na falta daquele licor, elas recorrem ao anizete. Muda o gosto, mas na casa Trombetti Fiora o importante mesmo é fazer valer o “Ius Tavola”.